A COIAB e o Fórum das Organizações do Povo Paiter Suruí, em nome dos interesses e na defesa dos direitos dos povos indígenas amazônicos, vem mostrar sua indignação com a forma como vem sendo tratada a situação dos indígenas Cinta Larga, em Rondônia e no Mato Grosso, desde que se alardeou a mineração de diamantes nas suas terras. Estes indígenas vêm sendo perseguidos, caluniados, sofrendo pressões de toda ordem, desde as psicológicas até mesmo físicas. A imprensa deu grande visibilidade ao assassinato de 29 garimpeiros, ocorrido a 3 anos, mas nunca levou a público o fato de que estes indígenas já sofreram grandes mssacres, tiveram aldeias inteiras dizimadas por pessoas que queriam a todo custo tomar suas terras, explorar as riquezas lá existentes, seja a madeira ou pedras preciosas. Omitiu as prisões, as torturas, as ameaças e as mortes que vitimaram muitos Cinta Larga. Não disseram que estes indígenas, a pouco mais de 40 anos, não tinham contato com a sociedade nacional, desconheciam o dinheiro e as mazelas intrínsecas à disputa por ele. Naquela época, antes da colonização agrícola, toda a região de Cacoal era território indígena; ainda hoje se encontram vestígios claros e inquestionáveis da presença indígena não só na zona rural, mas também na zona urbana, onde qualquer escavação pode descobrir grandes panelões de barro e machadinhas de pedra. De lá para cá, em pouco tempo foram englobados pela cultura nacional e procuram adaptar-se às novas leis, mesmo sendo diferentes das suas leis tradicionais, tentando viver bem e em harmonia.
É inaceitável a postura preconceituosa de determinados profissionais do direito, como é o caso do Dr. Hélio Vieira, presidente da Seccional da OAB de Rondônia, que divulgou no site da OAB sua suspeita de que alguns caciques Cinta Larga seriam os responsáveis pelo assassinato do advogado Valter Nunes de Almeida, presidente da Subseção da OAB de Cacoal. A própria vice-presidente da Subseção da OAB de Cacoal (Dra. Ângela Gil) condena a atitude do representante oficial da OAB, dizendo que “é preciso ter mais responsabilidade, principalmente quando se envolve uma instituição como a OAB, ou uma etnia inteira, no caso dos índios Cinta Larga”. As investigações sobre o assassinato indicam que as suspeitas do Dr. Henrique são infundadas, mas mesmo assim a imagem dos Cinta Larga permanece a de assassinos perante a opinião pública. A forma descuidada e preconceituosa com que os veículos de comunicação alardearam o assunto, tomando por base apenas as especulações acusatórias do representante da OAB quando as investigações mal começaram. É temerário esse tipo de acusação e a generalização que se pode fazer em relação aos outros povos indígenas, sobretudo quando se trata de um caso de violência como este.
O que questionamos não é a culpa ou não desta ou daquela pessoa, deste ou daquele indígena, sobre fatos ocorridos. O que questionamos é a atitude irresponsável de tomar por base um fato isolado com um indígena e generalizá-lo, atribuindo o fato como uma ocorrência comum a todos os povos indígenas. Um indígena que se embriaga e cai numa calçada ou que provoca algum tipo de transtorno é argumento para que as pessoas afirmem que “todos os indígenas vivem bêbados nas cidades”. Um indígena bem vestido e portando um celular é acusado de “não ser mais índio”, de estar aculturado; o que se diria se ele estivesse com o corpo nu, pintado, portanto cocar, colares e brincos, em plena cidade?
Independente de culpabilidade, da análise das situações e fatores que levam alguém a cometer um crime e do julgamento que se pode fazer sobre uma única pessoa, o que mais indigna o movimento indígena é a generalização que se faz quando um indígena comete um ato fora da lei, massificando a imagem de marginal a todos os povos indígenas. Ou quando se generaliza a situação de um povo, querendo afirmar que todos os outros povos indígenas são desta ou daquela maneira. O Brasil tem uma grande diversidade de povos indígenas; são mais de 220 povos diferentes. Como afirmar que todos são iguais e reagem da mesma maneira a uma só coisa?
O fato é que estamos cansados de generalizações, de preconceitos que tentam estabelecer um padrão de comportamento para qualquer indígena. A Constituição Federal e vários instrumentos internacionais de direitos humanos asseguram o direito à diversidade e ao respeito à identidade dos povos indígenas. Nesse sentido, diante dos riscos e constrangimentos a que constantemente somos submetidos, a COIAB vem a público solicitar providências no sentido de esclarecer o que realmente vem acontecendo em Rondônia em função do grande interesse que vem despertando o garimpo de diamantes, ao mesmo tempo garantindo o direito à defesa aos indígenas acusados e apoio jurídico para que sejam apuradas e punidas as agressões e abusos cometidos contra os Cinta Larga.
Por conta da repercussão extremamente negativa e contrária à difícil luta dos povos indígenas pelos seus direitos, o Fórum das Organizações do Povo Paiter Suruí, representante de um povo indígena que vive na mesma região que os Cinta Larga, junta-se à COIAB fazendo as seguintes ponderações:
- A imprensa não pode publicar e/ou veicular matérias apontando suspeitos de forma infundada. Repudiamos a maneira como as reportagens estão sendo elaboradas acerca dos Cinta Larga, onde se houve apenas o lado dos não índios.
- Atitudes como a do Dr.Hélio Vieira, carregadas de preconceito e discriminação estimulam reportagens mal apuradas e provocam reações hostis e intolerantes contra os povos indígenas da região de Cacoal, Espigão d’Oeste e Pimenta Bueno, em Rondônia.
- Alertamos que a forma pré-concebida e precipitada utilizada para tratar o assunto criou entre os indígenas um clima de mal-estar ao constatar, na prática, que as notícias recentes abalaram a opinião pública e fragilizaram a imagem dos povos indígenas daquela região diante da sociedade não-indígena, com a qual convivem há quase 40 anos. Isso mostra como é perigosa a generalização de acusação direcionada para todos os povos indígenas, pois desde o assassinato do advogado aumentou o clima de hostilidade contra os indígenas da região de Cacoal, que temem qualquer reação mais violenta contra eles.
Diante destas considerações, A COIAB e o Fórum Paiter Suruí manifestam-se exigindo uma investigação rigorosa e imparcial deste caso e de outros processos que envolvem os Cinta Larga por uma comissão independente, cujos profissionais sejam deslocados de outra região e que não atuem em Rondônia, assegurando aos indígenas Cinta Larga uma defesa justa e imparcial.
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB