14 de novembro de 2013.

Dos Povos Indígenas do Acre para o Ministério Público Federal

AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 

Nós lideranças indígenas dos povos Huni Kuῖ (Kaxinawá), Ashaninka, Noke Kuῖ (Katukina), Manchineri, Shawãdawa, Shanenawa, Nukini, Puyanawa, Nawa, Yawanawa, representantes 22 organizações comunitárias e de categorias profissionais, manifestamos nossa vontade de que o Ministério Público Federal acompanhe as políticas indigenistas promovidas pelos Governos Estadual e Federal, apoiando-nos na avaliação dos programas governamentais, no exercício do controle social e do direito de consulta, conquistas presentes na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

  Aceitando uma convocação da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), nos reunimos na cidade de Rio Branco, no Centro de Formação dos Povos da Floresta, nos dias 5 a 7 de novembro de 2013 para debater políticas publicas relativas à gestão territorial e ambiental, apoio à produção sustentável, educação escolar e saúde para os povos indígenas. Através do seminário “Políticas Públicas e Povos Indígenas no Acre” discutimos nossa participação na formulação dessas políticas e no controle das ações, refletindo também sobre estratégias atuais e futuras do movimento indígena no diálogo com a sociedade e o poder público. 

  Desde 1999, avanços significativos foram observados no diálogo entre o governo estadual e os povos indígenas. Contudo, nos últimos anos, os resultados dos programas governamentais não são satisfatórios. Em casos como o da educação escolar indígena, a ausência de ações voltadas à valorização e garantia de direitos dos professores indígenas, agrava a situação. A falta de um diálogo contínuo e a pouca preocupação com a efetividade dos programas, demonstrada pela ausência de mecanismos participativos de monitoramento e avaliação das ações, seriam os motivos mais imediatos para origem de muitos problemas. 

 Vários documentos foram enviados, reuniões realizadas com os secretários e assessores do Governo do Acre, onde foram manifestadas insatisfações com a condução das políticas públicas para os povos indígenas e recomendações foram apresentadas. Em 07 de março deste ano, foi entregue por nós no Gabinete do 

Governador um documento intitulado “Carta das Lideranças Indígenas para os Governos e Sociedade”. Até o momento, nenhuma resposta pública foi dada, tão pouco foram identificados esforços para o atendimento das recomendações ou realização de mudanças. Essas, de modo geral, referem-se aos pontos a seguir: 

Educação Escolar Indígena 

Na Constituição Federal de 1988 e expressos também com a promulgação das leis n° 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), em vigor até 2010, na publicação do Parecer CNE/CEB n° 14, de 1999, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, regulamentadas pela Resolução n° 05/CNE/2012, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), existem marcos legais que asseguram direitos garantidos pelo Estado aos povos indígenas. 

No Acre, esses direitos encontram-se parcialmente efetivados. O exercício de uma educação escolar intercultural e bilíngüe encontra-se prejudicada pelos seguintes fatos

  • Ausência de cursos de formação de professores indígenas em nível médio. Nos últimos quatro anos, a Secretaria de Estado de Educação e Esporte, através da Gerência de Educação Escolar Indígena não realizou cursos de formação. Isso repercute na qualidade do ensino nas escolas indígenas; 

Nesses 15 anos de gestão da “Frente Popular do Acre” no executivo estadual, não foi realizado nenhum concurso público para provimento de cargos no magistério indígena, impondo todo esse tempo aos professores indígenas à renovação de contratos anualmente.  

  • Atrasos no repasse de materiais escolares e insuficiência para o atendimento pleno das atividades nas escolas indígenas. Em muitas aldeias, existem casos em que esses materiais são entregues meses depois do início do ano letivo. 

 

  • Falta de consulta aos professores e outras lideranças indígenas sobre as propostas de construção de escolas e fornecimento de equipamentos, bem como de mecanismos para o acompanhamento e fiscalização. Não é de conhecimento dessas lideranças, os prazos estabelecidos para a construção das obras, especificações presentes nas plantas e orçamentos para avaliação da qualidade dos materiais. Em alguns casos, a pouca fiscalização exercida pelo governo sobre as obras realizadas, permitiu construções feitas com qualidade abaixo do previsto e com solicitações, por parte de empreiteiros, de contrapartidas das comunidades (madeira e serviços, por exemplo). 
  • Não existe uma política de merenda escolar regionalizada para as terras indígenas e municípios. 
  Gestão Territorial e Ambiental /Produção Sustentável 

  Nos últimos anos, algumas iniciativas do governo estadual tentam contribuir para implementação de ações prioritárias presentes nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental em elaboração nas terras indígenas através de ações, desenvolvidas não apenas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), como também pela organização não governamental Comissão Pró-Índio do Acre nas ações de etnozoneamento e etnomapeamento respectivamente, em parceria com associações e comunidades indígenas. 

 A implementação dessas ações prioritárias teve início em 2010, por meio de convênios assinados pela Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (SEAPROF) e a SEMA no âmbito do “Programa de Inclusão Social e Desenvolvimento Econômico Sustentável do Estado do Acre (Pró-Acre), financiado com recursos do Banco Mundial (BIRD). 

Apesar das linhas ou eixos do programa (Fortalecimento Institucional, Fomento a Produção Sustentável, Extração e Manejo Sustentável de Recursos Naturais e Valorização Cultural) desenhados para contemplar os planos de gestão no que ficou conhecido como PGTI-Pró-Acre, corresponderem às políticas que vem sendo demandadas e construídas por nossas organizações e comunidades indígenas, declaramos que a execução das ações e atividades propostas nos projetos é, em muitos casos, marcada por problemas. Como afirmamos antes, a causa desses problemas e a sua manutenção deve-se a falta de um diálogo contínuo e a pouca preocupação com a efetividade dos programas, demonstrada pela ausência de mecanismos participativos de monitoramento e avaliação dessas ações. Pelos problemas apontados a seguir, há necessidade de se rever os eixos do ProAcre: 

  • A implementação dos projetos não atende as necessidades das comunidades, suas especificidades e não dá condições de se chegar aos resultados esperados; 
  • O apoio da SEAPROF no acompanhamento dessas ações foi insuficiente e falho pelas próprias condições que os núcleos dessa secretaria apresentam nos municípios, como também pela indisposição de estabelecer parcerias com AMAAIAC, CPI/AC e associações indígenas locais; 
  • Não houve acompanhamento e fiscalização da entrega de ferramentas e equipamentos por parte do governo. Muitos desses materiais foram entregues por comerciantes locais em qualidade inferior ao esperado e com muito atraso. Foi assim com motores, combustíveis e ferramentas, que passamos a chamar de “piratas” pela pouca duração e qualidade; 
  • Foi exigido muito de nossas associações e de nossas lideranças para que pudéssemos cumprir as rotinas administrativas e financeiras para as compras, licitações e produção de documentos. Apesar de o governo afirmar que técnicos administrativos da SEAPROF auxiliariam nesse processo, a comunicação com eles foi difícil e descontínua. Lideranças tiveram que viajar, diversas vezes para os municípios – assumindo todas as despesas com combustível, alimentação e hospedagem na cidade – para realizar esse trabalho, tendo que conviver com atrasos nos repasses de recursos para o comércio, produção de novas cotações de preços e notas fiscais. As despesas para isso não foram cobertas pelo governo e representaram um alto custo pessoal para nossas lideranças; 
  • Atraso no repasse de recursos referentes às bolsas destinadas aos AAFI tem ocorrido nos últimos dois anos, revelando grande desconsideração por este profissional da floresta e principal mediador da gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas. 

Estamos preocupados com o entendimento que tem a SEAPROF, AEAI, SEE/AC de que nossas lideranças e comunidades não souberam fazer a gestão desses projetos, que se mostram incapazes e desinteressados na condução dos mesmos. Também nos preocupa quando números são mostrados de grandes investimentos que estão sendo realizados em nossas terras indígenas. Os recursos são necessários, mas com consulta, participação no planejamento, monitoramento e avaliação desses projetos.  

   Fundação Nacional do Índio (FUNAI) 

A FUNAI deve dar celeridade para a demarcação e revisão das terras indígenas como também por em funcionamento um programa de vigilância e fiscalização das Terras Indígenas, políticas para promover a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas sobre todos os projetos em saúde, educação, infraestrutura, produção sustentável, benefícios sociais, entre os principais que afetam os modos tradicionais de suas vidas.  

Assessoria Especial para Assuntos Indígenas (AEAI) 

 A AEAI é pouco ativa e propositiva no debate sobre projetos e programas planejados ou em fase de implementação pelo governo para as terras indígenas e entorno, não garantindo tempo suficiente para discussão, reflexão e deliberação. A AEAI tem assumido a exclusividade do planejamento junto com outras instâncias de governo, sem a necessária discussão e consenso com os povos indígenas, suas organizações de representação e organizações indigenistas. Tem sido a instância de governo solicitada a administrar situações de crise e conflito, mas com pouca capacidade de solucioná-las. 

Saúde Indígena (SESAI) 

 No âmbito federal, nos preocupa bastante, aquilo que consideramos como uma das situações mais sérias na gestão de políticas públicas indigenistas. A grave situação do atendimento à saúde dos povos indígenas no Acre. 

A Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) vinculada ao Ministério da Saúde, órgão responsável pela política de assistência à saúde indígena, vive desde 2010 um processo de reestruturação, que não tem apresentado resultados satisfatórios e em muitos casos, causado a indignação de nossas lideranças. Os repetidos problemas observados na assistência a saúde de nossas comunidades são em grande parte, resultados da má gestão e de disputas políticas no interior da instituição com participação inclusive de algumas lideranças indígenas. Para fazer frente a esse contexto e o gradual agravamento das condições de funcionamento dos pólos-base e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) do Alto Purus e Juruá, pedimos ao Ministério Público que promova ações para realização de audiência pública e investigação da gestão da saúde no estado. 

Por tudo isso, apresentamos formalmente ao Ministério Público Federal estas informações e contamos com a intervenção deste órgão junto ao Governo do Acre e ao Governo Federal para solucionar a situação colocada e fazer valer os direitos dos povos indígenas.  

 

ASSINAM ABAIXO AS ASSOCIAÇÕES 

 

Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais do Acre (AMAAIAC) 

Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) 

Associação Ashaninka do Rio Amônia – APIWTXA 

Associação do Povo Indígena Nawa (API-NAWA) 

Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY) 

Associação do Povo Arara (APSIH) 

Associação Kaxinawa do Rio Breu – AKARIB 

Associação dos Povos Indígenas do Rio Humaitá – ASPIRH 

Associação Indígena Nukini (AIN) 

Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Nova Fronteira – APKANF 

Associação de Cultura Indígena do Rio Humaitá – ACIH 

Associação dos Produtores Indígenas de Nova Vida – APROINV 

Associação Comunitária Shanenawa de Morada Nova – ACOSMO 

Associação Agroextrativista Puyanawa Barão e Ipiranga – AAPBI 

Cooperativa Agroextrativista Shawãdawa Pushuã – CASP 

Associação Katukina do Campinas – AKAC 

Associação dos Produtores e Criadores Kaxinawá da Praia do Carapanã – ASKPA 

Associação Nomero Apare – Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, aldeia Asheninka Alto Bonito 2 

Federação do Povo Huni Kuĩ do Acre – FEPHAC 

Manxinerune Photi Kajpaha Hajene – MAPKAHA 

Associação Ashaninka do Rio Breu – AARIB 

Associação dos Seringueiros Kaxinawa do Rio Jordão – ASKARJ 

Associação dos Produtores e Agroextrativistas Huni Kuĩ do Caucho – APAHC 

 

Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador Rafael Xucuru-Kariri.