29 de março de 2013. 

Da Aldeia Maracanã para o Brasil

“Existe um mundo ideal. Também existe o mundo real. Saber o tempo certo entre os dois e conseguir garantir que seus ideais não sejam completamente aniquilados é o que nos torna sábios.”

Em reunião no dia 23 de março no Hospital de Curupaiti em Jacarepaguá, as etnias indígenas Pataxó, Tukano, Guarani, Puri, Apurinã, Tupinambá, Kaingang, e Satere Mauwê residentes na Aldeia Maracanã desde a sua ocupação em 2006, decidiram divulgar nota à imprensa e aos diversos movimentos sociais que nos apoiaram nestes seis anos e cinco meses de resistência em defesa de um projeto indígena para o Rio de Janeiro, para informar os motivos da saída do antigo Museu do Índio, no dia 22 de março, após todas as tentativas da permanência naquela aldeia.

Importante recuperarmos como e porque foi formado o Movimento Tamoio dos Povos Originários, que planejou a ocupação do prédio na Mata Machado, antigo Museu do Índio, em 20 de outubro de 2006.

Há cerca de dez anos algumas etnias já realizavam um trabalho educativo nas escolas e universidades, com o objetivo de divulgar a história dos nossos povos contada por nós, desconstruindo os conteúdos deturpados da maioria dos livros didáticos. O amadurecimento sobre tal ocupação demonstrou a necessidade de termos um espaço para ampliarmos esse trabalho, bem como estimularmos a vinda de outras etnias.

Era necessário também dar visibilidade às nossas lutas, reivindicações e projetos realizados em escolas muito antes da Lei (11.645/08), que tornou obrigatória a inclusão da cultura dos indígenas nos estabelecimento de ensino.

Portanto, nosso bem maior sempre foi a ampliação do projeto em curso em vários espaços neste estado. Ocupar o prédio tornou-se vital para aglutinar diversas etnias e garantir a visibilidade da cultura indígena

Várias reuniões foram feitas e a decisão de ocupar o imóvel do Antigo Museu do Índio, localizado no centro histórico de resistência Tupinambá e Tamoia contra a invasão portuguesa, foi a mais acertada. Ali estavam os espíritos de nossos antepassados e era chegada a hora de voltarmos para casa.

Organizamos o 1ª Seminário dos Povos Originários no auditório da UERJ e dali, saímos em caminhada para a Rua Mata Machado. A mãe natureza nos enviou uma chuva fina que ajudou a esvaziar as ruas do trajeto pensado, facilitando a nossa retomada, estremecida apenas pela surpresa do vigia que, assustado, apontou sua arma para nós. Dialogamos e mostramos que éramos indígenas e estávamos apenas voltando para a casa de nossos ancestrais. 

 Ao cantarmos e dançarmos, ele se acalmou e nos alojamos naquele espaço sem luz, nem água, com entulhos espalhados por toda parte, com ratos, baratas e mosquitos. A alegria de retomarmos a aldeia de nossos ancestrais nos deixou felizes, apesar das condições precárias.

 A cada dia, tínhamos uma batalha a vencer e durante todos esses anos tentamos negociar o direito da posse legítima do Museu abandonado pelo poder público. Outros desafios chegaram. Por ocasião da Copa, as ameaças constantes de desocupação para transformar aquele espaço em estacionamento, nos consumiram na luta contra tal proposta absurda, prejudicando o projeto de difusão da nossa cultura.

 Solicitamos audiência com o Ministério da Agricultura, pois o prédio estava sob sua responsabilidade; fizemos contatos com diversos parlamentares estaduais e federais, buscando ajuda para a negociação pretendida; buscamos apoio de universidades, antropólogos, estudiosos e todas as entidades que acreditávamos que poderiam contribuir na busca dessa negociação. Portanto, reafirmamos nossa total disposição de negociar para a continuidade dos nossos objetivos de resgate e difusão da cultura dos povos indígenas, tornando aquele Museu um Centro de Referência de nossa cultura, nesta cidade que já foi palco de outras iniciativas violentas contra nossos parentes e citamos, por exemplo, o que fez o então governador do Rio de Janeiro, Antonio Salema, quando reuniu poderoso exército com gente da Guanabara, São Vicente e Espírito Santo, tendo como objetivo liquidar o último bastião da “Confederação dos Tamoios“.  

 Após o cerco e a rendição da fortaleza franco-tamoia, dois franceses, um inglês e o pajé tupinambá foram enforcados; 500 guerreiros foram assassinados a sangue frio e aproximadamente 1500 índios foram escravizados. As tropas vencedoras ainda entraram pelo sertão, queimaram aldeias, mataram mais de 10.000 índios e aprisionaram outros tantos. Os sobreviventes refugiaram-se na Serra do Mar e Cabo Frio.

O Bairro da Glória tem este nome, porque quando as tropas portuguesas ao vencerem a batalha, entraram enlouquecidas em Uruçumirim e arrancaram as cabeças de todos os indígenas ali resistentes e as fincaram em estacas no centro da Aldeia. Para lembrar-se daquela “vitória” colocaram o nome daquele local de Glória, pelas cabeças arrancadas dos indígenas da Confederação dos Tamoios.

 Destacamos, pois, os motivos que nos fizeram escolher o caminho da negociação pacífica e não o caminho que colocaria em perigo não só a perda do nosso projeto, como também o que levaria às ações violentas como as que foram utilizadas naquele dia, espelho do que têm sido as formas de violência registradas na história dos povos indígenas em nosso país, há 513 anos, que lutaram e continuam lutando pela demarcação de nossas terras, do resgate de nossa cultura, pelo direito à educação e saúde diferenciada, pelo respeito à nossa dignidade:

 * em primeiro lugar, sempre tratamos os nossos parentes com responsabilidade e zelo e nunca aceitaríamos que eles viessem das aldeias para entrarem em confronto com a polícia, que sabemos ser truculenta, a serviço do estado. Portanto, a responsabilidade que sempre tivemos com nossos pares em garantir a integridade física daqueles que têm em nós confiança nos motivou a aceitar uma saída pacífica para todos os integrantes da Aldeia; infelizmente, parte dos indígenas decidiu ficar e resistir, sem negociação.

* nosso projeto tem dez anos de existência, portanto, muito mais antigo do que a ocupação do prédio do Antigo Museu do Índio e esgotadas todas as formas de negociação pelo prédio, tivemos que fazer a “Escolha de Sofia” e optamos pela continuidade do projeto em outro espaço.

* diante da reintegração de posse do imóvel garantida ao Governo, o Secretário de Direitos Humanos Zaqueu nos cobrou uma posição visto que desde o dia 15 de janeiro tentava uma resposta sobre a proposta enviada ao Conselho da Aldeia Maracanã, afirmando que não havia mais tempo para a continuidade da negociação.

 Queremos reafirmar que repudiamos a forma truculenta e desumana que fomos tratados pela Polícia Militar por determinação do governo, desrespeitando inclusive o que estava estabelecido no documento de reintegração. Exigimos retratação do senhor Secretário Municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, que declarou na mídia seu pensamento preconceituoso e discriminatório contra os povos indígenas. Não admitimos que um Secretário de Cultura não entenda a importância do nosso movimento que primou todos esses anos em propagar a cultura indígena nas escolas inclusive do Município do Rio de Janeiro, fazendo um trabalho que deveria ser feito pela Secretaria de Cultura deste município e que nunca fez.

 Reafirmar nossa trajetória histórica pelo dialogo e que somos povos pacíficos. Enquanto a polícia militar nos confrontava com spray de pimenta, bombas de efeito moral, balas de borrachas e armas sônicas, o que tínhamos para nos defender eram apenas nossos maracás e nossos cantos evocando nossos ancestrais.

 Repudiamos toda e qualquer ação que tentou dividir as diversas etnias que por seis anos estiveram reunidas naquele espaço.

 Queremos expressar a nossa emoção ao sermos recebidos de forma fraterna pelos moradores da Colônia Curupaiti, que são igualmente discriminados por terem tido hanseníase. Queremos dizer que estaremos juntos, desenvolvendo inclusive, junto com eles, um trabalho de combate a todas as formas de discriminação, mas não descansaremos até que o governo cumpra o acordo da construção da nossa Aldeia até junho deste ano.

 

MUKA MUKAU TAMOIO!

 

Assinam esta nota:

 

Carlos Tukano- cacique

Garapirá Pataxo- vice-cacique

Afonso Apurinã                            

Caio Pataxo                                  

Dauá Puri

Dantier Tupinambá

Elvira Satere Mauwê

Magangá Pataxo            

Marize Guarani

Nativa Pataxo

Pacari Pataxo

Quati Pataxó

Tehé Tupinambá 

Vangri Kaigang

 

Fonte:

http://povosoriginarios.blogspot.com/2013/04/aldeia-maracana-carta-aberta-ao-povo.html

 

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