Boa Vista - Roraima

De Davi Kopenawa Yanomami para a Senadora Ângela Portela

Boa Vista – Roraima, 29 de abril de 2011.

 

CARTA/HAY Nº. 010/2009.

Exma. Senadora

Sra. Angela Portela

A Hutukara Associação Yanomami, associação sem fins lucrativos, criada para defender os direitos e interesses dos Povo Yanomami e Ye´kuana, vem, por meio deste documento, saudar a sua presença no Senado Federal e a sua determinação em representar mudanças em favor do desenvolvimento sustentável  do Estado de Roraima, construído com respeito à sua diversidade cultural e biológica, e em especial, com a participação dos povos indígenas, por meio de suas organizações. Neste intuito manifestamos a vossa excelência algumas considerações e pontos que mais nos preocupam atualmente e que merecem atenção urgente por parte do governo federal, visando assegurar o exercício de direitos garantidos na Constituição Federal e a conseqüente melhora na nossa qualidade de vida. São eles:

Os Yanomami formam uma sociedade de caçadores-agricultores da floresta tropical do Norte da Amazônia cujo contato com a sociedade nacional é, na maior parte do seu território, relativamente recente. Seu território cobre, aproximadamente, 192.000 km², situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela na região do interflúvio Orinoco – Amazonas (afluentes da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro). Constituem um conjunto cultural e lingüístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos adjacentes que falam línguas da mesma família (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam). A população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, era estimada em cerca de 26.000 pessoas no ano de 1999. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/yanomami/569

Os Ye’kuana, antigos viajantes na Amazônia, na floresta e na cidade, mostram como a articulação de espaços diferentes, dentro e fora de seu território tradicional, cria uma dinâmica que longe de descaracterizar sua identidade, pode favorecer um sistema de criação e manutenção de redes de apoio, de trocas econômicas, de informação e de projetos econômicos e sociais. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/yekuana

No Brasil, os Yanomami e Ye´kuana são cerca de 19.000 pessoas, repartidas em mais de  200 comunidades, sendo os Yanomami um dos povos  mais populosos do estado de Roraima e que ocupa parte significativa de sua extensão territorial. A Terra Indígena Yanomami, que cobre 9.664.975 hectares (96.650 km²) de floresta tropical, entre os estados do Amazonas e Roraima, é reconhecida por sua alta relevância em termo de proteção da biodiversidade amazônica e foi homologada por um decreto presidencial em 25 de maio de 1992.

Efetiva autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas Yanomami e Leste, como unidades gestoras e  implantação da Secretaria Especial de Saúde Indígena:

O DSEI Yanomami foi o primeiro a ser criado em 1992 e serviu de modelo a todo o país. A questão de saúde sempre foi um ponto essencial, assim como a terra, para os Yanomami. Nos últimos anos as experiências desastrosas de gestão da saúde indígena pela FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), com vários casos de corrupção e mal uso do dinheiro público, resultaram na piora da qualidade dos serviços de assistência à saúde prestada aos povos indígenas e, em especial, aos Yanomami.

O decreto n° 6.878 de junho de 2009, do Presidente da República e do Ministro da Saúde, tornam autônomos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), no entanto decorridos quase dois anos os DSEIS ainda operam sem autonomia e a Funasa, lamentavelmente continuará a gerir os recursos indígenas até o final de 2011. A criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, em outubro de 2010, não pode ser um ato simbólico, a SESAI precisa de condições reais, como disponibilização de recursos financeiros, realização de concurso público diferenciado para atender as especificidades da prestação do serviço de saúde indígena, qualificação dos recursos humanos existentes, capacitação e reconhecimento dos agentes indígenas de saúde e fortalecimento do controle social por parte dos povos e organizações indígenas.

O prolongamento da transição das responsabilidades da Funasa para a SESAI, em razão de interesses políticos partidários e corporativos, está aumentando o caos no atendimento básico e insegurança sobre a garantia do saneamento básico nas comunidades indígenas. Além de levar descredibilidade à intenção do Governo de concretamente dar um passo em direção ao modelo de assistência da saúde desejado pelos povos indígenas do Brasil.

Educação:

A principal reivindicação dos Yanomami quanto à Educação é a implantação do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuana, criado em agosto de 2010, como uma nova forma de gestão da educação escolar indígena, para garantir a proteção territorial e o reconhecimento da diversidade sociocultural entre os Yanomami e Ye’kuana. Em função de suas especificidades, é necessário estruturar o Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuana como Território piloto, com autonomia da gestão financeira e administrativa além da gestão pedagógica.

Os recursos destinados ao Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuana devem ser repassados, fundo a fundo, pelo FUNDEB e PNAE referente aos escolares Yanomami e Yekuana. Para tanto, há que ser elaborado regulamento específico para a responsabilização dos gestores do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuana com vistas à adequada aplicação dos recursos e execução dos Planos de Trabalho com previsão de penalidades nos casos de não cumprimento dos Planos de Trabalho e devolução de recursos que deveriam beneficiar às comunidades indígenas.

Também é preciso acompanhamento sistemático, pelo Ministério Público Federal e MEC, da execução financeira e dos Planos de Trabalho elaborados no âmbito do Território Etnoeducacional Yanomami e Yekuana.

Ainda é preciso:

– garantir a participação das organizações Yanomami e Ye’kuanas: Hutukara, Ayrca e comissão Yanomami do Amazonas, APYB – Associação dos Povos Ye’kuanas do Brasil na unidade gestora do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuanas;

– garantir representação de todas as regiões da Terra Indígena Yanomami e Ye’kuana sendo um professor e uma liderança de cada região na unidade gestora do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuanas;

– garantir a participação das organizações de apoio: ISA, Diocese, Secoya, MEVA, MNTB, Salesianos ISMA, OPIR, CIR, OMIR, COPIAM, APIR, SODIURR, COPIG, ODIC, Representante do Conselho de Saúde Yanomami, COIAB na unidade gestora do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuanas;

– garantir a participação das Secretarias Estaduais de AM e RR, Conselhos Estaduais AM e RR, Conselhos de educação Indígenas do AM e RR, Universidades Federais UFRR e UFAM e estaduais UERR e UEA, MEC, CGAEI, SECAD, Ministério Público Federal, Ministérios Públicos Estaduais RR e AM, IFAM, ETSUS-RR e FUNAI na unidade gestora do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuanas;

– garantir a realização de três reuniões anuais de planejamento, avaliação, acompanhamento e formação na unidade gestora do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuanas;

– formar comissões para realizar acompanhamentos pedagógicos nas escolas Yanomami e Ye’kuanas;

– criar, apoiar financeiramente e reconhecer uma escola de educação básica Yanomami e Ye’kuana;

– viabilizar parcerias para ofertar a educação profissionalizante Yanomami e Ye’kuana para formar agentes de saúde, de manejo ambiental, gestores de associação, técnico de enfermagem, apicultores, agentes de saúde bucal, técnicos mecânicos, cinegrafistas Yanomami e Ye’kuana, entre outros cursos necessários;

– garantir a formação dos professores nos magistérios e licenciaturas interculturais com certificação;

– garantir o reconhecimento dos cursos de formação existentes que são o Magistério Yarapiari e o Magistério Yanomami do Amazonas, bem com a certificação destes professores;

– superar os impasse atuais em relação a merenda escolar apoiando a produção de merenda escolar nas comunidades com o objetivo de possibilitar o incentivo a produção e geração de renda;

– formar uma comissão para ajudar na sistematização dos materiais didáticos das escolas Yanomami e Ye’kuanas;

– garantir recursos para elaboração, publicação e distribuição de materiais didáticos para as escolas Yanomami e Ye’kuanas;

– criar novas escolas nas regiões da Terra Indígena Yanomami e Ye’kuanas onde há demanda escolar;

– construir de escolas com plantas elaboradas pelas comunidades. Reformar e fazer a manutenção das escolas existentes. Para isso utilizar materiais e mão de obra local com devida remuneração;

– aquisição de equipamentos necessários para as escolas Yanomami e Ye’kuanas: armários para guardar os materiais escolares e os documentos das escolas e dos alunos, ter bancos e mesas suficientes para os alunos, construídos nas regiões para evitar gastos com transporte aéreo, equipar as escolas com placas de energia solar, baterias, computadores, impressoras, televisões e DVDs.

– equipar as escolas com bibliotecas e videotecas solicitadas pelas comunidades;

– garantir a compra e envio sistemático de material escolar solicitados pelas comunidades;

– reconhecer, formar e remunerar os coordenadores pedagógicos itinerantes Yanomami e Ye’kuanas;

– garantir transporte aéreo para levar materiais escolares e de construções, para acompanhamento pedagógico, para reuniões da unidade gestora do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuanas e para os cursos de formação;

– apoiar logística e financeiramente o ingresso e a permanência dos Yanomami e Ye’kuanas no ensino superior através do PROUNI e com bolsas da FUNAI.

Garimpo:

Nos últimos três anos aumentou a presença de garimpeiros dentro na Terra Indígena Yanomami sem que tenha havido uma resposta efetiva por parte dos órgãos governamentais responsáveis pela integridade física e cultural dos povos indígenas, como a FUNAI e de combate aos crimes ambientais e cometidos contra os direitos indígenas, como a Polícia Federal e o IBAMA.   A situação se torna mais preocupante porque o aumento progressivo do garimpo resulta em conflitos, como o assassinato de um Ye’kuana por um garimpeiro em janeiro de 2009 (https://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2840), na degradação ambiental e na piora da situação sanitária (como por exemplo o aumento dos casos de malária e outras doenças).

Apesar dos inúmeros documentos enviados pela Hutukara à FUNAI e á Polícia Federal o Governo Federal tem se mostrado incapaz de realizar o combate ao garimpo de uma forma inteligente, que investigue e puna os financiadores da atividade ilegal. As operações realizadas resumem-se em gastar horas de vôos e diárias para dar carona a dezenas de garimpeiros de volta para a cidade, que tornam a invadir, ao invés de coibir a ação reprimindo as atividades econômicas que se desenvolvem ou iniciam fora da terra indígena, como a comercialização do produto do garimpo, a realização de vôos clandestinos, com o fechamento de pistas ilegais, a apreensão de material de abastecimento de combustível e alimentos, a cassação de licenças de pilotos, a apreensão de aeronaves.

Este quadro tende a piorar com a continuidade da alta do valor do ouro no mercado internacional combinada à repetição de ações ineficazes por parte dos órgãos responsáveis pelo combate ao garimpo ilegal em terras indígenas.

Retirada de ocupantes não-índios da região do Ajarani:

A T.I. Yanomami foi demarcada em 1991 e homologada em 1992. Na área leste do território indígena, na região do Ajarani, havia ocupantes não-índios a serem retirados da área declarada de ocupação tradicional indígena. A Funai fez o levantamento fundiário e indenizou a maior parte deles. Ocorre que um pequeno número tem resistido sair da terra indígena, mesmo depois de apelar ao sistema judiciário e ver frustradas as suas expectativas. Estes ocupantes não-índios vem ao longo dos anos causando enormes danos ambientais e intimidando os Yanomami com o fim de permanecerem na terra indígena.

A Funai, que tem por obrigação desintrusar a terra indígena, tem protelado num emaranhado administrativo burocrático, agravando o prejuízo sofrido pelos Yanomami ao longo dos anos. Os Yanomami tem planos de construir um centro de formação na área invadida e  reclamam a desintrusão final dos ocupantes não-índios da região do Ajarani.

Desmatamento e grilagem de terras na borda leste da TI Yanomami

A pressão do desmatamento é crescente e a frente de expansão agropecuária avança de modo descontrolado em direção à fronteira leste da TIY, o que aumenta o risco de novas invasões e desmatamento dentro de nossas terras. O problema é maior nos municípios de Iracema e Mucajaí (este último incluído na lista Ministério do Meio Ambiente/MMA que aponta os municípios que mais desmatam no país), mas também ocorre em Amajari e Alto Alegre. Os dados oficiais do INPE mostram o avanço do desmatamento não apenas dentro dos Projetos de Assentamento do INCRA, mas também em outras áreas, sempre em direção à TIY. O desmatamento ilegal continua assim como o avanço de grileiros sobre as terras públicas. A falta de estrutura e de ação dos órgãos ambientais e fundiários do governo do estado (Femact e Iteraima) deve contribuir para que estes desmatamentos sejam usados para “esquentar” posses e obter a titulação destas áreas através do processo de transferência das terras da União para o estado de Roraima, legitimando e premiando estes crimes. Como falta transparência neste processo até agora não temos acesso aos mapas e coordenadas geográficas das propriedades, posses e lotes que já existem na fronteira da terra indígena, assim como das áreas que estão sendo repassadas e tituladas pelo governo do estado. A ausência do estado nestas áreas cria ainda um cenário de ‘terra sem lei’, que permite que garimpeiros usem a região como base para abastecimento dos garimpos através dos rios e de pistas clandestinas.

Davi Kopenawa Yanomami

Presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY)

 

Fonte: http://www.hutukara.org/index.php/projetos/educacao/6-default/destaques/87-carta-senadora-angela-portela-abril-2011

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