Brasília, 25 de junho de 1987.

De Ailton Krenak para o Ministro Celso Monteiro Furtado

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR

MINISTRO DA CULTURA

 Dr. Celso Monteiro Furtado

 

Senhor Ministro,

Considerando este Seminário, “AÇÃO CULTURAL E POPULAÇÕES INDÍGENAS”, uma oportunidade indispensável para aproximação da iniciativa indígena na área cultural com as ações do Ministério da Cultura no tocante à estas populações, a UNI – União das Nações Indígenas, vem colocar para apreciação de V. Excia. os pontos que entendemos fundamentais a serem contemplados para uma tomada de posição deste Ministério quanto a questão:

Entendemos que a manifesta disposição deste Ministério em ouvir representantes da sociedade civil, pessoas indígenas e cientistas, com recomendações que possam orientar as ações do Ministério para populações indígenas, tem sua origem no reconhecimento das particularidades que envolvem nossas diversas tribos, bem como complexidade de relação inter-étnica.

Sugere também, o próprio acatamento da parte desta administração do princípio de que a nação brasileira é pluri-étnica, cabendo portanto, tratamento diferenciado dos diversos segmentos da sociedade nacional.

1 – POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS / POPULAÇÕES INDÍGENAS

Somos 180 grupos étnicos, reunindo experiência de contato que vai desde o período inicial da colonização, até as atuais “frentes de atração” estabelecidas  pelo órgão da Administração Federal com a finalidade de “pacificar”: grupos indígenas ainda autônomos nas várias regiões do país: Acre, Sul do Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia e Mato Grosso.

O que move a ação governamental, nestes contatos, tem sido sistematicamente, a urgência desenvolvimentista, que, invariavelmente, atinge nossas comunidades sem prévias medidas de proteção e garantias.

Se para os grupos étnicos ainda autônomos – sem contato com as frentes de colonização – a regra é o desrespeito, para as comunidades localizadas – já aldeadas ou em reservas, especialmente os mais de 33 mil indígenas, de 24 etnias, que habitam a costa brasileira se estendendo por todo o Nordeste – o reconhecimento e a prestação dos serviços essenciais são substituídos pela ação perversa e desagregadora do órgão responsável pela política indigenista.

Lutar pela reorientação destas políticas públicas globais que direta ou indiretamente afetam a qualidade de vida de nosso povo, expropriando e desagregando os espaços ambientais, bem como desestruturando culturalmente nossa gente indígena, deve ser tarefa não só de órgão específico, mas de todas as iniciativas lúcidas e responsáveis que pudermos reunir.

2 – PERSPECTIVAS DE FUTURO

Experimentamos nesta última década, com uma maior participação da sociedade civil na definição das políticas governamentais, um pequeno avanço enquanto sociedade nacional, e um significativo grau de organização e mobilização das populações indígenas na ocupação de seu espaço como sujeito político. E foi neste curto período que logramos estabelecer em várias regiões do país, junto às diversas comunidades indígenas, iniciativas que possam sustentar uma participação das populações indígenas na definição do seu “projeto de futuro” enquanto povos diferenciados culturalmente.

É através dos Núcleos de Cultura, dos Centros de documentação, dos Conselhos Indígenas Regionais, Assessorias, Coordenadorias, Superintendências Indígenas de governos estaduais, articuladas com organizações de apoio, que temos estimulado e orientado programas de capacitação das nossas professoras, monitores de saúde, programas de economia interna, dirigidos ao manejo sustentável e ao aproveitamento de recurso naturais. Sabemos que ainda há muito por fazer, mas nos animamos com a construção de uma perspectiva de futuro, onde surgimos como pessoas plenas e conscientes de sua originalidade, afirmação para nossas gerações futuras da validade do setor de nosso povo, de nossa compreensão do mundo, do sentido das nossas tradições.

É também recente a existência deste Ministério que desde a sua implementação, conta com uma Assessoria de Assuntos Indígenas. Esta presença de pessoas indígenas junto a este Ministério, significa uma conquista de espaço para a representação na política governamental. Mas esta constatação exige uma avaliação de conteúdo. E neste sentido, reconhecemos as limitações de caráter político, econômico, e da própria estrutura do recém criado Ministério – para possibilitar uma política atuante e dinâmica desta Assessoria no acompanhamento das questões envolvendo comunidades indígenas, estabelecendo ações de apoio a nossas comunidades.

Outra limitação que identificamos, reside na inexistência de diretrizes que pudessem orientar a ação desta Assessoria – bem como situá-la política e administrativamente junto aos diferentes quadros do Ministério.

Por isso, entendemos que as sugestões abaixo poderão ser apreciadas por V. Excia. como contribuição ao redimensionamento da ação deste Ministério para populações indígenas.

4 – AÇÕES DO MINISTÉRIO DA CULTURA

  1. Apoiar iniciativas das comunidades na capacitação de:
    1. professores,
    2. monitores de educação,
    3. monitores de saúde,
    4. técnicos agrícolas,
    5. aproveitamento de recursos naturais, etc.
  2. Garantir o pleito das comunidades indígenas no sentido de conseguir bolsas de estudo, destinadas a pessoas indígenas para cursos a partir do II grau – Universidade, para cursos pré-definidos.
  3. Convênio minC/MEC/GDF – para viabilizar a instalação de um Núcleo de Cultura Indígena em Brasília, objetivando articulação nacional de ações na área de divulgação, exposição e eventual mostra comercial de culturas materiais (artesanato).
  4. Considerar a possibilidade de vagas em cursos universitários para área prioritária: medicina, enfermagem, agronomia, administração, direito.
  5. Propiciar apoio técnico/institucional às Secretarias de Estado (MT, GO, MS, AC) que têm programas de ação junto às comunidades indígenas através de suas assessorias, coordenadorias e superintendências de assuntos indígenas.
  6. Buscar o prévio conhecimento dos relatórios de impacto ambiental – RIMA sobre áreas indígenas – para divulgação à opinião pública acompanhada de eventual parecer deste Ministério.

Entendemos Sr. Ministro, que a adoção dessas linhas de ação pelo minC implicará em uma melhor apreciação, com o consequente detalhamento de cada um desses pontos. No entanto, consideramos este documento, como base para esta primeira “audiência pública” do minC às pessoas indígenas e autoridades científicas.

Esperando dar continuidade a estes entendimentos,

Ailton Krenak

p/UNI

Segue assinaturas dos participantes do grupo de representação indígena.

[assinaturas]

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-da-uni-ao-min-da-cultura-celso-furtado-levantando-questoes-para-tomada-de

Original: 1987.06.25 De Ailton Krenak para o Ministro da Cultura