CARTA FINAL DA GRANDE ASSEMBLEIA – ATY GUASU GUARANI E KAIOWA – GUYRAROKA 24/08/2018
Aos senhores Ministros do STF – Aqueles que devem proteger a Justiça e a Constituição.
“Mas quem são estes Ministros para dizer que esta terra que Deus deu a nosso povo e na qual viveram todos nossos antigos não existem mais?”
Essa pergunta foi feita a nós pelos nossos rezadores, muitos deles com mais de 90 anos. Muito constrangidos e envergonhados tentamos explicar para eles que os ruralistas criaram politicamente a tese do Marco Temporal, que não é lei, que fere a Constituição Federal de 1988 mas que por submissão de alguns e desconhecimento de outros esta sendo aplicada por gente do Estado, por gente do judiciário. Entre brabos e tristes, ouviram assustados sem acreditar no tamanho da covardia e desonestidade dos fazendeiros. “Mas existe a Constituição, e nós temos direitos de viver em nossa terra” disseram nossos idosos. “Fale com os guardiões da justiça, eles conhecem a Constituição” pediram nossos anciões se referindo aos ministros do STF. Mais constrangidos ainda lhes respondemos que entre os próprios ministros existe gente que defende a tese dos fazendeiros. Ficaram quietos, profundos, abaixaram, acariciaram a terra, e então disseram por fim “se isso acontecer, só nos restará a guerra e a morte”.
Nós, como lideranças representantes de todas as terras indígenas Guarani e Kaiowa do Mato Grosso do Sul estivemos reunidos em nossa Aty Guasu no Guyraroka – Terra ancestral que está ameaçada pelo Marco Temporal aplicado pelas mãos de Gilmar Mendes para mandar uma mensagem ao STF e a todas as autoridades brasileiras:
Ministros:
Queremos chamar a atenção de vocês que a decisão de anulação do Território de Guyraroká é um atestado de genocídio e de massacre por parte do Estado não só contra as famílias de Guyararoka mas também contra todo nosso povo. Se suspenderem nossos territórios no papel nós os defenderemos com nossas vidas na prática.
Guyraroka é terra reconhecida pelo Estado Brasileiro e nossa luta pelo seu reconhecimento nos custou muitas vidas e muita dor. Fomos submetidos a todos os tipos de violações e expulsos muitas e muitas vezes. Apesar das cicatrizes e dos ataques, nosso povo sempre voltou para sua terra. Sempre que voltamos fomos expulsos por aqueles que roubaram nossa Terra e levados de caminhão como animais para a reserva. Mas voltamos de novo. Nunca abandonamos Guyraroka para que hoje nossas crianças e nossos velhinhos vivam aqui. Apesar de viver sem a maioria do nosso território que se encontra nas mãos de fazendeiros e políticos locais como Zé Teixeira hoje nossos idosos e nossas crianças podem ter o mínimo de paz. Temos nossas casas, nossa escola, nossas plantas, nossos animais, o mato está voltando a nascer e com nossa reza e nossa cultura nosso povo ano após ano floresce.
Se o Supremo definir pelo Marco Temporal estarão trocando esta paz duramente conquistada pelo desejo de nossas crianças e velhos que vão voltar a viver na beira de rodovias, sem saúde básica, sem educação, sem cultura, sem terra e sem nenhuma possibilidade de futuro. Isso não aceitaremos.
Por isso, é preciso dizer bem claro que acaso qualquer decisão de Marco Temporal, em especial contra o Guyraroka, vier do Supremo, não teremos outra alternativa a não ser resistir e morrer lutando. Nossa vidas estão na mão de vocês e do Estado brasileiro.
Nosso povo já rezou junto e fizemos um pacto. Todas as Tekoha estão conectadas e estarão juntas para defender com nossos corpos e nosso sangue os territórios que forem afetados pelo Marco Temporal, Parecer 001 ou outra ferramenta genocida contra nossos povos.
Por isso, estamos mais uma vez buscando sensibilizar o STF de nossa situação, da injustiça acerca do Marco Temporal e o conflito que irá se estabelecer se uma decisão destas for confirmada por vocês.
Ao invés de desalojar nossas crianças e tornar elas órfãos, o STF poderia fazer valer a justiça buscando ajudar outros dois órfãos que hoje respondem pelo nome de “justiça” e de “democracia”.
Respeitem nossos direitos!
Garantam a Constituição!
Não se dobrem ao ruralismo!