Brasília - Distrito Federal, 17 de janeiro de 1986.

Dos Tuxauas Macuxi para o Procurador do Distrito Federal

Exmo. Sr.
Procurador de Distrito Federal
e Territórios  

Os que abaixo subscrevem, na qualidade de Tuxauas representantes das comunidades indígenas MACUXI, com o suporte do art. 153 831, combinado com o art. 27 do Código de Proc. Penal e os artigos da Lei nº 4.898 de 19 de dezembro de 1965 e artigo 37 da Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973, vêm por este instrumento REPRESENTAR contra o CORONEL CARLOS ALBERTO LIMA MENNA BARRETO, secretário de Secretário de Segurança Pública do Território Federal de Roraima por prática de Crime tipificado como ABUSO DE PODER, no Código Penal, ao determinar ou pessoalmente prender índios MACUXI, ocupantes de terras que consoante o artigo 198 da Constituição Federal, são lhes de posse permanente, nas quais é reconhecido o direito de usufruto exclusivo de riquezas e de todas as utilidades nelas existentes. Áreas as quais cabe a Fundação Nacional do Índio proteger e exercer o poder de Policiais, art. 19, VII da Lei 5, 371 de 04/1967. Pelas razões de fato direito a seguir expostos.

O representado no ano de 1985 determinou a Polícia do Território inúmeras diligências contra os índios, nas áreas por eles ocupadas, dessas, algumas estão ilegalmente de posse de não Índios, considerando o que dispõe os §§ 1° e 2° do Art. 198 C.F. Posse impúrias re relação as quais as diligências tem o intuito de resguardar, o que torna a ação coordenada pelo Coronel Bareto, crime tipificado no artigo 321 do Código Penal (advocacia Administrativa). Segue Histórico da perseguição dos índios. 

O Coronel determinou que: 

Em 15 de maio de 1985 que sete policiais cinco fardados, sob o comando do Sargento PM CARNEIRO se deslocassem para a MALOCA UIRAMUTÃ e lá prendessem o Tuxaua ORLANDO, os policiais mesmo usando de violência não consumaram o ato por interferência de vários Índios da referida maloca, apesar da ameaça de que possuíam 5 caixas de cartucho e de que não estavam para brincadeiras. 

Em 20 de maio policiais se dirigiram a mesma Maloca para prender os índios que supostamente teriam posto fogo nas propriedades do Senhor JOSÉ BATISTA DA SILVA, conhecido por DEGAS. Ação não foi consumada em face de testemunhos de pessoas que informaram que o crime fora praticado por parentes da vítima e não pelos Índios.  

Em 8 de novembro soldados se deslocaram para a mesma maloca, Uiramutã, para pressionar os Índios para que confessassem se o Padre GEORGE da Diocese de Roraima era quem os auxiliava com ferramentas, a fazer negócios e, os incentivava a invadir propriedades alheia junto com 300 Índios trazidos pelo mesmo padre da vizinha Guiana. 

Em agosto de 1985 agentes da polícia se deslocassem para a Maloca SABIA, situada na Colônia Agrícola Indígena São Marco – área já demarcada pela Funai – intimasse os índios JUSTINO TOMAS LIMA, DAVID, ARISTIDES, NAZARENO a prestar depoimento sobre incidentes envolvendo o cidadão por nome JOSÉ CRENTE, para depois prendê-los, levando-os para o Batalhão BV 8, deixando incomunicáveis por 4 horas, enquanto os policiais compravam bebidas na cidade de Santa Helena, na vizinha Guiana, em seguida removê-los para Boa Vista. Índio, que somente foram soltos por interferência de representantes da Funai junto ao Governo, isso já as primeiras horas do dia seguinte. 

O próprio Coronel MENA BARRETO no dia 10 de dezembro, após ter sobrevoado no dia anterior a Maloca do PIOLIHO, chegou até a mesma para impedir serviço dos índios, que construíram benfeitorias, queimadas anterior, crime não apurado pela polícia e prender os índios DELCIDES LEVEL DO NASCIMENTO, RAIMUNDO FERNANDES DE SOUZA, JOSÉ ANTÔNIO MALHAEIROS E WILSOM PORFIRIO, sob a acusação de desacato a sua autoridade e por formação de bando ou quadrilha. E por invadir a fazenda Campo Grande. Levando-os em seguida para Boa Vista, autuou-os em flagrante e remeteu-os para a Penitência Agrícola. Índios que somente foram soltos por ocasião da Visita do Presidente da Funai àquela cidade.

O Coronel BARRETO determinou que no dia 4 do mês em curso prendessem os índio SILVESTRE LEOCADIO, 36 anos, ADELINO FIRMINO 65 anos, PATRICIO LEOCADIO, 52 anos, AMÉRICO SANTANA, 40 anos e COSME DA SILVA, 23 anos, por furto de madeira, e, por formação de Bando ou quadrilha. A área onde se deu a prisão é delimitada pela a Funai por força da Portaria 1228/E/82 reconhecida como indigena pelo processo administrativo nº Funai/BSB 3437/81. Os índios foram levados para Boa Vista, autuados em flagrante e remetidos para a Penitenciária. Soltos 5 dias depois sob Fiança.   

DO ABUSO DE PODER 

Define a Lei nº 4898 de 9 de dezembro de 1965, artigo 3° que constitui abuso de poder: atentado: a) – à liberdade de locomoção 

O ingresso da policia na área indigena, sob determinação do CEL. BARRETO, agride a liberdade dos índios de ir e vir, não podendo os mesmos pela ação da polícia alcançar áreas sem que sejam presos como invasores de propriedades alheias, quando por força do artigo 198 da Constituição Federal as terras que ocupam são áreas indígenas, assim como determina igualmente legislação correlata como a Lei 6.001/73, que lhes assegura o direito à posse permanente, direito esse reconhecido independente da terra esta demarcada (art. 25 6001/13).  

b – à liberdade de associação 

Da mesma forma a ação da polícia fere esse direito de associação quando impede serviços dos índios, imputando-lhes o crime de bando ou quadrilha, face o desenvolvimento seu, e serviços de fora organizado da coletiva lhes reconhece posse com base suas características de povos ou grupos que distingue, essa posse, da prevista no Código Civil.

c – à incolumidade física do indivíduo

As prisões de que tem vitimado os índios se revestem de violência físicas, o que caracteriza o pouco respeito da pessoa do índio e pelo direito do preso. Violência que se repetiu no último caso citado.

O artigo 4° da citada lei, define como abuso de poder, alínea H: o ato lesivo à honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica quando praticado pelo abuso de poder ou sem competência legal.    

Com a investida da polícia o patrimônio dos índios, é lesado não se permitindo a ele que o amplie com os frequentes impedimentos e embargos de serviços, como é lesão a esse patrimônio as apreensões de ferramentas de trabalho e armas para caça, estas afugentadas pelo ir e vir das viaturas policiais, Considerando que as terras ocupadas pelos índios são bens da União, art. 4, IV, estas igualmente é prejudicada, visto este fato, inclusive pelo aspecto de verbas que esta dispõe a Funai para assistir os índios objetivando o desenvolvimento das comunidades indígenas, impossível com tamanha agressão. 

Por outro lado os crimes imputados aos índios devem ser considerados crimes impossíveis, nos termos do art. 17 da lei 7.209 de 11 de julho de 1984 – Código Penal Parte Geral, posto que os índios não furtam o que lhe é garantido por disposição constitucional, ou seja o usufruto das riquezas existentes nas terras ocupadas por eles, (madeira etc), sendo portanto as prisões atos lesivos a honra destes índios o que configura mais uma vez o abuso de autoridade, sendo a forma como são os índios tratados todos como violência arbitrária, crime tipificado no artigo 323 do Código Penal.

Cabe nas áreas indigenas o poder de policia a Funai por disposição de lei (5.311/67) o que torna a ação da policia do Território ilegal, posto que dispida da anuência do órgão tutor dos índios, a quem cabe solicitar a colaboração das forças armadas, Policia Federal e auxiliares, para exercer sua finalidade. Cabendo por sua vez a Polícia Federal por disposição do artigo 8, VIII, a da Constituição Federal a tarefa de reprimir crimes em áreas indígenas, entre outros motivos por envolver interesse da União, o qual é fácil denotar, posto que é compromisso do Estado brasileiro a semelhança de outras nações, a proteção às comunidades indígenas ou tribais. 

Pelo exposto requerem os peticionários que V. Exa, determine a instauração de inquérito para apurar os fatos, especial os referentes ao mês de dezembro do ano findo e o do em curso. 

Requerem ainda que esta seja acolhida a luz da Lei nº 6.001/7 artigos e parágrafos 1º, 6° e 37 e os demais, sobretudo o que se referem a terras indígenas. Devendo-se levar em consideração as condições das comunidades indígenas, seus costumes, tradições tribais. 

Melquiades Peres Neto
Jacir José de Souza
Terêncio Luís Silva

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-procurador-do-distrito-federal-e-territorios-dos-tuxauas-das-comunidades

Original: 1986.01.17 Dos Tuxauas Makuxi para o Brasil