09 de março de 2020.

Das organizações indígenas para a desembargadora Etelvina Maria Sampaio

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA DESEMBARGADORA ETELVINA MARIA SAMPAIO  FELIPE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011051-34.2020.8.27.2700/TO 

Nós, da sociedade civil organizada, acompanhamos há anos, com muita preocupação, a captação das águas da bacia do Rio Formoso e os métodos utilizados pelos produtores rurais.  Muitas barragens foram construídas nos rios Formoso e Urubu – nas chamadas regiões de  elevatórias – além destas barragens, foram instaladas 98 (noventa e oito) bombas para a  captação de água para atender as demandas dos produtores rurais.  

Muito nos preocupa ver a situação da diminuição das águas nesta bacia, sobretudo os  canais que são verdadeiras transposições do rio e são exclusivamente para atender à  necessidade de cada produtor cujos produtos dessas culturas raramente contribuem com a  alimentação das comunidades atingidas. 

Os movimentos sociais e pastorais estão preocupados com os danos ambientais e  sociais que essa exploração vem provocando, aparentemente com apoio do governo do Estado  do Tocantins, através do seu órgão fiscalizador, o Naturatins. 

Para os moradores daquela região, o rio é a fonte da vida. Um dos principais alimentos  das comunidades rurais é o peixe e, para os povos indígenas da região, o peixe e a tartaruga  compõem a base de sua alimentação tradicional. Além disso, toda a fauna da região vem  sendo fortemente impactada por metais pesados que são despejados nas lavouras com o uso  de agrotóxicos, os quais são devolvidos ao rio pelos mesmos canais de irrigação. Deste modo,  os peixes, as tartarugas, os animais silvestres e aves são contaminados.  

A contaminação do meio ambiente também é a contaminação das pessoas da região,  através do consumo de alimentos e do consumo da água. A contaminação da água dos rios  resulta em doenças de pele e os moradores próximos a estes projetos de irrigação para  atividades de monocultura, acabam sendo “banhados” pelo agrotóxico que é pulverizado  também por aviões.

A população local, em sua grande maioria, acaba por ficar invisível neste processo e  sem voz, pois vive com medo de fazer qualquer denúncia aos órgãos do Estado. Resta-lhes somente assumir o sofrimento dos seus familiares que são acometidos de várias doenças,  principalmente o câncer. Estas pessoas constantemente buscam por tratamento no hospital  do Câncer em Barretos – SP.  

Por toda esta situação, queremos externar nossa preocupação pelo despacho  concedido por Vossa Excelência, na quarta-feira, dia 26 de agosto, em benefício da APROEST – Associação dos Produtores Rurais do Sudoeste do Tocantins, que permitiu a continuidade da  captação de água na bacia do Rio Formoso. Essa decisão anula o acordo firmado na primeira  instância, que tem como data limite para retirada de água o dia 31 de julho, prorrogável até  dia 15 de agosto, até que seja concluída a revisão das outorgas de uso da água, concedidas  pelo Estado, na bacia. 

A revisão de outorgas é a quarta fase (FASE D) da solução técnica Gestão de Alto Nível,  proposta pelo Instituto de Atenção às Cidades – IAC da Universidade Federal do Tocantins – UFT, e pactuada por todos os atores envolvidos em 5 de dezembro de 2016, em Audiência  Pública. Desde 2017, quando foram encerradas as Fases A, B e C da Gestão de Alto Nível, a  sociedade aguarda a Revisão de Outorgas (Fase D) para equilibrar as demandas com a  disponibilidade hídrica da bacia. Infelizmente a revisão de outorgas tem sido impedida pelos  usuários de recursos hídricos e pelo órgão ambiental, o Naturatins, razão que justifica a data  limite como medida cautelar ambiental, até que se conclua a revisão das licenças de uso da  água (outorgas). 

O monitoramento da Gestão de Alto Nível (GAN) implementado na BHRF pelo Instituto  de Atenção às Cidades – IAC/UFT informa que, três dos principais rios que compõem a bacia do  Formoso estão em nível crítico. Antes mesmo da data limite, o rio Xavante atingiu sua cota  vermelha no dia 06 de julho, o rio Dueré no dia 24 de julho e o rio Urubu no dia 10/08. Pelo  sistema GAN, disponível na internet (http://gan.iacuft.org.br/) é possível ver que os usuários e  o órgão ambiental não respeitaram a regra semafórica, havendo captações nos rios após  atingirem a cota vermelha, que ocorreu antes mesmo de 15 de agosto. Após a decisão da  desembargadora, novamente houve captações nos rios que já haviam atingido a cota  vermelha. 

Dos quatro principais rios da bacia hidrográfica, apenas o rio Formoso não atingiu a  cota vermelha em 2020, o que pode ser explicado pelos quatro barramentos que existem no  rio Formoso. Esses barramentos também são objeto de ação judicial, pois novamente, apesar de licenciados pelo órgão ambiental (Naturatins) estão em desconformidade com as normas  técnicas ambientais e de segurança, principalmente porque impedem o fluxo de água no rio. 

A forte estiagem que assola o estado do Tocantins e a exorbitante quantidade de água  retirada dos rios, tornam a situação dramática na região. Considerando que cada bomba tem  capacidade de retirar, em média, 1.600 litros de água por segundo, ligada 24 horas/dia, são  96.000 litros/minuto, 138.240.000 litros/24 horas e 4.147.200.000 litros/30 dias. A título de  comparação, a cidade de Palmas tem 306.296 habitantes, a sua principal estação elevatória  para abastecer cerca de 70% da capital retira 800 L/s do curso d’água. Podemos concluir que,  só uma bomba dos produtores rurais abasteceria a cidade inteira de Palmas. 

Temos conhecimento, a partir de Relatório Técnico da UFT, que o Naturatins emitiu  outorgas de uso de água até 25 vezes maior que a disponibilidade hídrica na bacia do rio  Formoso. Será que isso não compromete a vida do rio? Talvez seja por este motivo que o  Estado tem impedido a Revisão das outorgas. Isso nos leva a concluir que esse pode ser um  dos motivos pelos quais o Naturatins recorreu à justiça para interromper completamente a  revisão das Outorgas, em benefício dos grandes produtores rurais. É necessário que o órgão  ambiental estadual cumpra seu papel de cuidar e promover um ecossistema saudável para  toda a população. 

Diante de todo o exposto, respeitosamente, pedimos a Vossa Excelência para rever sua  Nobre decisão e suspender as captações de água dos rios, mantendo a data limite de 15 de  agosto prevista na decisão de primeira instância, até que seja concluída a revisão de outorgas.  

Nestes termos, pede deferimento. 

Palmas, 03 de setembro de 2020. 

Movimentos e Pastorais Sociais do Tocantins 

Atenciosamente. 

1- Associação Indígena Krahô – Irom Kam Cô  

2- Associação do Povo Indígena Krahô-Kanela – APOINKK 

3- Associação União das Aldeias Apinajé – PEMPXÀ 

4- Associação do Povo Kanela do Tocantins – AÍ KAT 

5- Associação do Povo Ãwa – APÃWA  

6- Associação dos Guardiões do Rio Lontra – AGRL 

7- Associação Regional de Mulheres Trabalhadoras do Bico do Papagaio – ASMUBIP 8- Associação de Preservação Ambiental – ECOTERRA 

9- Ação Social Arquidiocesana de Palmas – ASAP 

10- Associação Água Doce – Movimento de Proteção ao Taquaruçu Grande – Água Doce

11- Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO 

12- Associação Padre Josimo – Palmas  

13- Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Palmas – ASCAMP 14- Articulação Tocantinense de Agroecologia – ATA  

15- Centro de Estudos Bíblicos – CEBI TO  

16- Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA 17- Centro de Direitos Humanos de Araguaína – CDHA 

18- Centro de Direitos Humanos de Cristalândia – CDHC 

19- Centro de Direitos Humanos de Formoso – CDHF 

20- Centro de Direitos Humanos de Palmas – CDHP 

21- Centro de Direitos Humanos de Porto Nacional – CDHPN 

22- Centro de Educação Popular – Palmas 

23- Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Tocantins – COEQTO 

24- Comissão Pastoral da Terra – CPT Araguaia/Tocantins 

25- Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil 

26- Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação -COMSAÚDE – Porto Nacional 27- Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB – Regional Palmas/TO 28- Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos – CEDDH 

29- Conselho Indigenista Missionário – CIMI – Regional GO/TO 

30- Conselho Missionário Regional – COMIRE – Regional CNBB Norte 3 31- Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB Regional Norte 3 32- CASA 8 DE MARÇO 

33- CARITAS – Articulação Norte 3 

34- Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do  Tocantins – FETAET 

35- Fórum Estadual de Usuários do SUAS – Palmas 

36- Grupo de Consciência Negra – Enegrecer 

37- Grupo de Consciência Negra do Tocantins – GRUCONTO  

38- Instituto de Cultura, Direitos Humanos e Meio Ambiente – Miracema 39- Instituto de Cultura para Juventude Viração – Miracema 

40- Instituto de Direitos Humanos e Meio Ambiente do Tocantins 

41- Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB 

42- Movimento Estadual de Direitos Humanos – MEDH 

43- Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM 

44- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST 

45- Movimento Interestadual das Quebradeira de Coco Babaçu – MIQCB 46- Pastoral da Criança – Regional CNBB Norte 3 

47- Rede Eclesial Panamazônica – REPAM Regional CNBB Norte 3 

48- Núcleo de Direitos Humanos “Irmã Odélia Kloc” – Ananás 

49- Rede Bico Agroecológico  

50- Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Familiares de Formos do Araguaia -TO 51- Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Familiares de São Sebastião, Buriti e Esperantina.

 

Fonte: http://www.cedecato.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=1282:carta-contra-a-captacao-de-agua-na-bacia-do-rio-formoso&catid=22&Itemid=197

CARTAS RELACIONADAS