Nova Iorque, 30 de abril de 2008.

Dos Povos e Organizações Indígenas para a Organização das Nações Unidas

A Vossa Excelência,

H.E. Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti

Permanent Representative

siumara@delbrasonu.org (212) 372 2605

 

Senhora Embaixadora,

 

A delegação indígena brasileira, representando os Povos e Organizações Indígenas abaixo assinados, presentes na VII Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas vem cumprimentar o Estado pelo seu posicionamento favorável à aprovação da Declaração ONU sobre Direitos Indígenas e solicitar, desde já, os serviços da Missão para tornar realidade a visita do novo Relator Especial da ONU sobre Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas neste ano de 2008.

Desde 2005, o movimento indígena brasileiro vem construindo com suas organizações de base, Relatoria da ONU, Congresso Nacional, e o Governo Federal essa importante visita do Relator da ONU ao Brasil. Assim, à luz da recém aprovada Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas, acreditamos que a visita do Relator Especial ao nosso país pode demonstrar o real compromisso do Estado com os povos indígenas e a comunidade internacional no tocante à proteção dos direitos humanos sem discriminação.

 

VII Sessão do Fórum Permanente da ONU

 

A Sétima Sessão do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas adotou como tema especial “As Mudanças Climáticas, a diversidade biocultural e os meios de vida: a custódia dos Povos Indígenas e novos caminhos” e, nesse sentido, recordamos a importância do posicionamento do Brasil, na qualidade de liderança entre os países megadiversos para o avanço da proteção dos direitos dos Povos Indígenas no cenário internacional.

 

O Brasil possui a maior diversidade cultural da América Latina e concentra a maior diversidade biológica do planeta. Cumpre destacar que as áreas de maior relevância biológica estão situadas em terras indígenas. Enfatizamos que o Brasil possui um vasto arcabouço jurídico de garantia dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, incluindo compromissos assumidos perante a Comunidade Internacional, a exemplo da Convenção 169 da OIT, da Convenção sobre Diversidade Cultural e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em setembro de 2007.

 

Identificamos a participação da Missão brasileira em algumas das Conferências e eventos paralelos deste Fórum que é um espaço de diálogo entre Governos, Agências da ONU e organizações indígenas. Esperamos trabalhar de maneira articulada entre Governo e Povos Indígenas nos preparativos dos próximos Fóruns. Aproveitamos para trazer ao conhecimento desta Missão as principais reivindicações dos Povos Indígenas do Brasil, expressas nos documentos em anexo entregues aos diferentes organismos da ONU este ano.

 

Resumo das principais situações de povos indígenas do Brasil apresentadas na VII Sessão do Fórum Permanente da ONU

 

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

 

Os Povos Indígenas Brasileiros aqui representados pelos Povos Kaingáng do Brasil meridional (RS, SC, PR, SP), Tuxá (BA), Guajajara (MA), Tukano (AM), Terena (MS), Apurinã (AM), Marubo (AM), Manchineri (AC), Cinta Larga (RO) e os Povos Indígenas de Roraima-CIR, vêm trazer ao conhecimento a esta Missão Brasileira a contínua e crescente violação direitos humanos relativos aos 230 Povos Indígenas, que habitam as cinco regiões do Brasil, razão da insuficiência de políticas públicas voltadas à demarcação e proteção das terras necessárias à sobrevivência física, cultural e ambiental dos nossos Povos, da discriminação, do emprego de violência física e do racismo institucional que têm vitimado nossos líderes, Povos e Organizações Indígenas e da desigualdade de acesso à educação em todos os níveis que se verifica em todas as regiões do Brasil. Ainda assim, e não obstante as recomendações do Fórum Permanente, inexiste dado sobre povos indígenas no Relatório do Governo preparado com o Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Avaliação dos Objetivos do Milênio – setembro 2007).

Nesse sentido, fizemos um relatório indígena sobre tal avaliação do Governo (anexo). Solicitamos, outrossim, que a Missão Permanente do Brasil para as Nações Unidas dê encaminhamento à avaliação indígena acerca do relatório do Governo Brasileiro sobre os avanços das metas relacionadas aos objetivos de desenvolvimento do Milênio, que norteiam a atuação estatal nas áreas econômica, social e cultural, com vista à inclusão da participação indígena para a elaboração dos próximos relatórios. Sob a perspectiva dos Povos Indígenas o relatório deveria incluir dados desagregados sobre Povos Indígenas contemplando a diversidade cultural e apontar com maior clareza a necessidade de políticas públicas de desenvolvimento humano específicas para Povos Indígenas, invisibilizados nas diretrizes para iniciativas de políticas públicas relacionadas ao alcance das metas propostas para os ODM’s.

 

Terras Indígenas

 

Apesar da divulgada extensão das terras indígenas demarcadas em nosso país, os conflitos e violência em razão da disputa sobre as terras seguem ameaçando e violando direitos fundamentais dos povos indígenas. Os riscos de um retrocesso com a revisão de direitos territoriais no Supremo Tribunal Federal demonstram que precisamos trabalhar juntos para firmar e consolidar os direitos dos povos indígenas no Brasil. O exemplo disso é a situação dos Povos Indígenas da TI Raposa Serra do Sol-RR, que seguem ameaçados em seus direitos territoriais por causa dos inúmeros questionamentos jurídicos colocados contra o Decreto Presidencial que homologou a terra em 2005. Nesse sentido acreditamos que a Missão do Brasil na ONU pode fortalecer o esforço hoje existente entre os Povos Indígenas de Roraima e o Governo Federal informando sobre os avanços da proteção internacional dos direitos terrritoriais indígenas aos demais Poderes de Estado e facilitando a visita do Relator Especial.

É necessário estabelecer o diálogo mais amplo para assegurar o direito de consulta prévia e informada para garantir o direito de consentimento livre, especialmente no tocante aos projetos de desenvolvimento previsto no Programa de Aceleração do Crescimento Econômico, como projetos de hidrelétricas (em Belo Monte-PA, Cachoeira do Tamandua-RR, Estreito-MA); construção de estradas e transposição de rios Sao Francisco e Madeira, entre outros que afetam também os povos indígenas em isolamento voluntário.

Vida indígena

 

Enquanto estamos contribuindo para o equilibrio da naturaza, meio ambiente e a vida do planeta, no Vale do Javari en la Amazonia, 80% da população sofre com a epidemia de hepatite e segue sem a devida atenção e providências das autoridades no país.

 

Em Rondônia, crianças e mulheres Cinta Larga sofrem com o abuso de poder da polícia, com lideranças submetidas à violência e criminalização.

 

No Mato Grosso do Sul, lideranças indígenas são assassinadas todos os anos e os perpetradores de tais violência não recebem os devidos encaminhamentos de justiça (investigação, processamento e punição). Importante destacar que a violência contra os Povos Indígenas e seus membros está relacionada com o conflito por terras e com a discriminação racial que persiste no nosso país.

O Estado Brasileiro necessita avançar na implementação dos objetivos de desenvolvimento do milênio, conforme atestam o aumento da degradação ambiental pela exploração ilegal de recursos florestais, a mineração, a construção de rodovias e hidrelétricas em terras indígenas e no seu entorno, o incentivo às frentes de exploração agropastoris, que causam a contaminação dos mananciais de água por agrotóxicos utilizados, principalmente, pelas monoculturas de soja e trigo, a utilização de indígenas como mão-de-obra escrava, a ausência de políticas públicas de desenvolvimento econômico, social cultural e ambientalmente sustentáveis, somados à violência e à inadequação dos serviços de atenção à saúde dos Povos Indígenas, em virtude da escassez de recursos humanos qualificados, da ausência de infraestrutura para realização da atenção básica à saúde, gerando índices de desnutrição e mortalidade infantil, óbitos por tuberculose, pneumonia, hepatite, malária e desidratação que nos qualificam como Povos em situação de extrema pobreza e, portanto, de risco social.

Recentemente fomos recebidos pelo Presidente Lula por ocasião da mobilização nacional “Abril Indígena”, e mostrou-se interessado em saber mais sobre a situação dos povos indígenas. Em face do agravamento das agressões aos direitos humanos sofridas pelos Povos Indígenas solicitamos que a Missão Permanente do Brasil para as Nações Unidas apóie a reivindicação do Movimento Indígena Brasileiro para que o Relator Especial sobre a Situação dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Indígenas, realize uma visita ao Brasil, em 2008, com o objetivo de monitorar a atuação do Estado Brasileiro voltada à efetiva implementação dos marcos legais de direitos humanos dos Povos Indígenas no contexto da II Década Internacional dos Povos Indígenas declarada pelas Nações Unidas.

 

Aguardamos respostas e o devido encaminhamento.

 

Com saudações indígenas,

 

Marcos Apurinã

Maria Miquelina Tukano

Francisco Avelino Apurinã

COIAB – Coordinación de las Organizaciones Indígenas e la Amazonia Brasileña

 

Joenia Wapichana

CIR Conselho Indígena de Roraima (membro de COIAB) – www.cir.org.br

 

Sonia Guajajara

COAPIMA (membro de COIAB) Coordenação das Organizações e Articulações

dos Povos Indígenas do Maranhão


Marcelo Cinta Larga

Conselho do Povo Cinta Larga

Cloves Marubo

CIVAJA (membro de COIAB) Conselho Indígena do Vale do Javari


Sebastião Manxinere

Manxinerine Yoptowaka – MY (COIAB) www.manxi.org.br


Sandro Tuxá

APOINME (parceiro de COIAB) Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo


Fernanda Kaingang

INBRAPI Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual – www.inbrapi.org.br

 

Fonte: https://pib.socioambiental.org/en/Not%C3%ADcias?id=55833

 

CARTAS RELACIONADAS