Brasília, DF, 24 de junho de 1985.

De Mário Juruna para o Presidente José Sarney

Senhor Presidente da República, 

Venho desde muito tempo reclamando por uma reforma Agrária para que cada vez mais o homem se fixe no campo e possa ter sua propriedade para nela trabalhar. 

Agora com a proposta da “Nova República” de promover a Reforma Agrária, venho questionar alguns tópicos contido na Proposta para a Elaboração do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República no tocante as terras indígenas. 

1º Causa-me espanto o teor do primeiro parágrafo com relação as terras indígenas do PNRA: 

“As terras indígenas já identificadas abrangem aproximadamente 67 milhões de hectares, o que constitui parcela bastante significativa do estoque de terras públicas e corresponde a cerca de 7,8% da superfície territorial do País”  

Ao 

Exmo. SR. 

JOSÉ SARNEY 

MD PRESIDENTE DA REPÚBLICA 

BRASÍLIA/DF

Senhor Presidente, as terras indígenas não podem em hipótese nenhuma serem catalogadas e classificadas como “estoque de terras públicas” pois são terras de Nações indígenas e em sendo assim não estão disponíveis para negócios. 

 2º Reza o parágrafo terceiro do PNRA: “A estagnação progressiva no ritmo das delimitações e homologações caracterizando uma permanente ausência de respostas institucionais do GT-Interministerial do decreto 88118/83 tornou-se um estímulo ao agravamento de relações interétnicas, nas regiões onde existem casos pendentes, e um incentivo a adoção de formas mais radicais de luta por parte dos índios”.

Senhor Presidente, tenho solicitado constantemente aos Ministros que tenho visitado que envidem esforços junto a Vossa Excelência para revogar com a maior urgência possível este decreto 88.118/83, pelos mesmos motivos explicitados no PNRA.  

Aproveito então a oportunidade para solicitar a Vossa Excelência que revogue imediatamente este decreto que apenas complicou o processo demarcatório das terra indígenas e isso agora está reconhecido no próprio PNRA. Revogar pura e simplesmente voltando ao estado anterior, ou seja, deixando a cargo da FUNAI a demarcação das terras indígenas, como prevê o próprio Estatuto do Índio.

Com relação as providências propostas pelo PNRA com relação as terras indígenas:  

— a) MEDIDAS DE URGÊNCIA 

– Acelerar o processo de demarcação de todas as áreas indígenas, mesmo que, numa primeira etapa emergencial se constitua apenas na fixação de limites para assegurar a delimitação inicial. 

Senhor Presidente a F.U.N.A.I hoje está suficientemente aparelhada para demarcar todas as terras indígenas, o que falta são os recursos necessários para este fim. Então proque não se demarca logo? 

Diante destas colocações incluídas no PNRA da Nova República, venho manifestar minha preocupação com relação a terras indígenas diante do modo que está sendo proposta a Reforma Agrária. 

Pergunto porque o M.I.R.A.D (Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário) juntamente com o I.N.C.R.A não solicitam a FUNAI quais as áreas indígenas que estão invadidas para retirarem estes invasores e reassentar-lhes onde for possível? Porque não se coloca em primeiro plano a demarcação das terras indígenas? Será que o Governo da Nova República vai querer acirrar ânimos entre índios e não índios ou será que quer começar a Reforma Agrária pelas terras indígenas? Será que o povo indígena que tanto já morreu em luta de defesa do seu território vai sofrer mais um golpe?

Senhor Presidente, acredito que Vossa Excelência não vai deixar que se perpetue mais um crime contra o meu povo, que hoje vive em situação precária e necessitando de uma melhor política pelo Governo federal. 

Solicito portanto que Vossa Excelência coloque em primeiro plano da Reforma Agrária proposta pelo seu governo, a demarcação imediata das terras indígenas e consequentemente a retirada dos invasores das terras indígenas. 

Senhor Presidente, quero também manifestar a minha preocupação com relação a formação de uma comissão para a elaboração da nova Constituição, principalmente com relação ao direito do povo indígena e suas terras. 

Legislar sobre direitos dos povos indígenas sem consultar as lideranças indígenas sem atentar para o fato que a realidade dos conflitos são constantes e sempre com perdas irreparáveis para o meu povo, será continuar com a mesma Ótica que norteou a Velha República. 

Sendo o único parlamentar indígena no Congresso Nacional, desejaria ser informado a respeito dos que estão legislando sobre direitos indígenas e sobre o que estão fazendo a respeito do meu povo. 

Não vou poder e nem o povo indígena e nem o povo brasileiro, respeitar uma nova Constituição se esta não for fruto de idéias de todos segmentos da sociedade brasileira.

Senhor Presidente, em dezembro de 1984 levei ao Presidente Tancredo Neves um documento no qual solicitava a criação da Secretaria Especial para Assuntos Indígenas que seria ligada diretamente à Presidência da República.  

Solicito a Vossa Excelência, portanto que urgencie essa mudança da FUNAI para a Secretaria Especial para Assuntos Indígenas. 

Senhor Presidente o meu pedido se deve a graves problemas que enfrentam os indígenas hoje e que não são resolvidos por falta de recursos da FUNAI. 

Senhor Presidente, estou disposto a ajudá-lo no que for possível para que se possa o mais urgentemente demarcar as terras indígenas e retirar todos os invasores que se encontram em suas terras. 

Solicito a atenção de Vossa Excelência ao projeto de minha autoria que se encontra na Mesa do Senado para apreciação, que modifica o artigo 4º da lei 5.371/67, que cria um Conselho Diretor para dirigir a FUNAI e a vincula diretamente à Presidência da República. 

Certo de contar com seu apoio na minha luta, aguardo pronunciamento de Vossa Excelência a respeito dos meus pedidos contidos neste documento. 

 

Atenciosamente, 

Mário Juruna 

Deputado Federal

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-presidente-da-republica-remetida-ao-mirad

Original: 1985.06.24 De Mário Juruna para o Presidente José Sarney

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