Brasília, 10 de setembro de 1985

De Mário Juruna para o Presidente José Sarney

  Senhor Presidente, quando tomei conhecimento da nomeação do Sr. Alvaro Villas Boas para a Presidência da FUNAI, posicionei-me imediatamente contra essa nomeação, primeiro porque já conhecia o mal que este sujeito fez junto as comunidades indígenas que trabalhou, segundo porque foi uma nomeação feita autoritariamente, sem consultar-me e sem consultar as lideranças indígenas. Enviei a V. Ex.a um telex onde levo ao seu conhecimento o repúdio dos índios ao nome de Alvaro Villas Boas e alerto-o do retrocesso que significou esta nomeação.

                                  Os fatos acontecidos em apenas uma semana em que está investido da função de Presidente da FUNAI vem conferir o alerta que fiz a Vossa Excelência:

                                 – Solicitou força policial que se manteve ostensivamente na frente do prédio da FUNAI no dia 09.09.85 intimidando os índios. Este método foi muito utilizado no tempo do arbítrio pelos Coronéis que comandavam a FUNAI e que tinham que se utilizar de força intimidativa para entrarem no prédio da FUNAI.

                                           – Demitiu, numa posição claramente revanchista e de perseguição, vários indígenas que ocupavam postos de confiança na FUNAI.

                               – Demitiu no dia 05.09.85 até agora vários indigenistas que sempre lutaram do lado do índio e que foram perseguidos e demitidos na Velha República na época do Coronel Nobre de Veiga, por terem se posicionado a favor dos índios, que são:

                                ODENIR PINTO OLIVEIRA: indigenista, Assessor da Presidência da FUNAI e presidente da Comissão que apurava irregularidades cometidas pelo Ministério do Interior e FUNAI na área indígena RIKBATSA no Estado de Mato grosso.

                               CLAUDIO ROMERO SANTOS: Indigenista, – Assessor da Presidência da FUNAI.

                              JOSE PORFIRIO F CARVALHO: Indigenista, – Assessor da Presidência da FUNAI.

                               EZEQUIAS P. HERINGER: Antropólogo e Diretor da AESP (assessoria de Estudos e Pesquisas)

                               CORNÉLIO VIEIRA: Sub-Delegado da FUNAI em Londrina

                               EUSTAQUIO MACEDO: Sub-Delegado da FUNAI em Londrina

                                PEDRO MARIZÊ: Indio Guajajara, Delegado da FUNAI no Maranhão.

                           – Afastou de cargos, várias pessoas que trabalhavam ao lado dos índios, entre eles o Diretor do Patrimônio indígena Sr. Aureo Faleiros, que vinha se destacando por sua firme atuação na agilização na demarcação das terras indígenas, tendo inclusive rebatido a idéia de Orlando Villas Boas de que eram necessário mais de 40 anos para demarcar todas as terras indígenas, tendo dito que se revogassem o decreto 88.118/83 e lhe dessem recursos, demarcaria todas as terras indígenas no espaço de treis anos.

 

                          Senhor presidente, o que aconteceu com os meus irmãos RIKBATSA é inaceitável para qualquer Governo, democrático ou não, muito menos no seu governo que é fruto da conciliação nacional junto com compromissos de mudança.

                           Relato a Vossa Excelência sucintamente o que aconteceu:

                                               – Os índios RIKBAISA habitam a região do Juruena, no estado de Mato Grosso, desde o século dezoito e parte de sua àrea está inclusa na Reserva Florestal criando através do Decreto nº 51.027 de 25 de julho de 1961.

                                            –  No dia 08 de maio p.p várias famílias indígenas mudaram-se para dentro desta reserva.

                                              – A FUNAI reconhece como sendo área imemorial dos índios RIKBATSA (anexo documento FUNAI)

                                        – No dia 16/07/85 a FUNAI envia o antropólogo Célio Horst para conversar com a comunidade indígena (anexo documento) Este antropólogo, apesar de receber diárias da FUNAI para cobrir suas despesas se desloca a Cuiabá e tem suas despesas pagas pelo grileiro Luiz Tavares (documento em anexo nº2)

                                      – O Ministro do Interior, sr. Ronaldo Costa Couto inexplicavelmente ignora a FUNAI e expede o telex 261 de 24/07/85 para o Secretário de Segurança Pública de MT solicitando que dê proteção Policial para o antropólogo Célio Horst. (documento em anexo nº3)

                                      Este telex 261 do MINTER, bastou para que a Polícia Militar de Mato grosso, no dia 31/07/85, desencadeasse a maior operação de guerra contra índios que se tem notícia na história desse País. Enquanto inúmeros aviões sobrevoavam a aldeia dos índios RIKBATSA, desembarcavam pelo rio, mais de 50 (cinquenta) policiais armados de metralhadoras e fuzis. Dominaram os líderes indígenas, amarraram corda em seus pescoços, determinaram que deitassem de bruços e saíram a desarmar os outros índios de arcos e flechas. Alguns velhos, apavorados, correram para um capinzal próximo a aldeia. A PM então ateou fogo, utilizando para isso gasolina dos próprios índios, salvando-se porque jogaram-se no rio; as mulheres índias tiveram seus cestos rasgados e seus pertences esparramados no local; a PM prendeu cerca de 32 índios que permaneceram, durante dois dias, sem comer e beber. As mulheres índias tiveram que fazer suas necessidades fisiológicas perante os policias que lhes dirigiam palavras de baixo calão.

                            A polícia Militar prendeu e algemou o Padre Balduino Loebdns, único civilizado que trabalha entre estes índios e o transportou entre cachoeira, a noite, para a cidade de Juruena onde ficou trancafiados sem nenhum mandado judicial.

                              As flechas e arcos dos índios, foram distribuídos pelo antropólogo Célio Horst, aos grileiros da área dos índios, como troféu de guerra.

                           No dia 13 de agosto alguns índios RIKBTSA estiveram na FUNAI aqui em Brasília, onde foi criada uma Comissão de Sindicância para apurar esses fatos (documento em anexo nº4).

                        Esta comissão foi a área e apurou todas as irregularidades e as violências cometidas contra esses indígenas.

                        No retorno da área, o Presidente da Comissão, o indigenista Odenir Pinto de Oliveira foi sumariamente demitido da FUNAI pelo Sr Alvaro Villas Boas.

                      Com essa demissão, todas as arbitrariedades cometidas contra os índios RIKBTSA corre o risco de ficarem impunes.

                     A participação direta do Ministro Ronaldo Costa Couto neste episódio, é clara e está bem visível nos documentos que estou trazendo ao conhecimento de Vossa Excelência.

 

                  Depois de toda essa operação da Policia Militar, o Ministro Ronaldo Costa Couto envia um Telex a polícia Militar de agradecimento pela ação da Polícia neste episódio (anexo nº6)

                Senhor presidente, denunciarei este barbaridade do Plenário da Câmara dos deputados e farei todo esforço para que esta denúncia seja de conhecimento do mundo inteiro, para que fiquem sabendo que um Ministro de Estado elogia a violência da Polícia Militar contra o povo indígena.

 

                        Senhor Presidente, recebí um telex dos índios GUAJAJARAS, do vosso Estado do Maranhão, e sei que este telex tambem foi enviado a Vossa Excelência, dando conhecimento que nenhum índio dos quase dez mil existente naquele Estado, aceitam a nomeação do Sr Alvaro Villas Boas.

                      Os índios GUAJAJARAS ameaçam, em número de dois mil, chegarem até Brasilia para protestarem junto ao palácio do planalto, contra esta nomeação.

                     Sendo Vossa Excelência maranhense e sensível para questão indígena, certamente envidará esforços para que isto não aconteça.

                   Senhor presidente, o sr. Alvaro Villas Boas demitiu um índio Guajajara, o Sr Pedro Marizê, que é muito querido pelos índios, para colocar no seu lugar o Sr. Walber campos, cunhado do Deputado Epitácio Cafeteira, isso também vem confirmar a denúncia que lhe fiz verbalmente da última vez que estive com Vossa Excelência.

              Senhor presidente, diante de tanto desmando e de tanta falta de conhecimento da causa indígena, só me resta solicitar a Vossa Excelência que demita imediatamente o Ministro do Interior, o Sr. Ronaldo Costa Couto e junto com ele o Sr. Alvaro Villas Boas, pessoa reconhecidamente inimiga dos índios, tanto é que precisa chamar a polícia militar para intimidar os índios que não concordam com ele.

 

            Senhor presidente, quando votei no Colégio Eleitoral, para o Presidente Tancredo Neves e para Vice-presidente V.exa,. votei certo de que haveria mudanças na política indigenista oficial, que o índio iria ser mais respeitado, que a FUNAI passaria a ser um rção que tivesse recursos para atender os índios e demarcar suas terras. Oq eu estou vendo agora, é a nomeação de uma pessoa da velhíssima República à frente daquele órgão, nomeado arbitrariamente pelo Ministro Ronaldo Costa Couto, que é um desconhecedor da Causa Indígena.

            Deste jeito não posso acreditar que exista uma Nova República para o povo indígena. Como podemos acreditar nisso se temos um presidente hoje que tem um passado sujo e participou ativamente da ditadura militar? Se hoje persegue quem gosta de trabalhar com índio e persegue até mesmo índio. Se diz na imprensa que índio é abusado?

         Senhor presidente, confio na sua responsabilidade na frente do Governo e sei que Vossa Excelência não vai permitir que continuará a frente do Ministério do interior e da FUNAI pessoas totalmente despreparadas para esta função.

         As reações ao nome de Alvaro Villas Boas vão prosseguir, e espero não ter que levar ao conhecimento do congresso e da opinião pública algum caso de derramamento de sangue apenas por que o governo teima em não admitir que errou, nomeando uma pessoa sem o menor preparo para a função e sem consultar aos principais interessados que são os indígenas.

 

     Senhor presidente, faço-lhe este veemente apelo, retire da FUNAI o Sr. Alvado Villas Boas antes que novos conflitos surjam como o de Londrina, e retire da Ministério do Interior o Ministro Ronaldo Costa Couto, que não tem sensibilidade e conhecimento para tratar da questão indígena.

           Solicito-lhe que nomeie para o Ministério do Interior, alguém que tenha um mínimo de conhecimento da Causa indígena para que este Ministério nomeia para FUNAI pessoas que tenham vivido com comunidades indígenas e tenham um passado de luta em favor do povo indígena.

         Faço-lhe este apelo e espero ser atendido, pois estes episódios terminarão por fazer com que seu Governo seja conhecido como um Governo que não respeita seus índios.

        Certo de que V. Exa., examinará com toda seriedade possível as denúncias que trago ao vosso conhecimento e que saberá achar um caminho que traga a paz para as comunidades indígenas, subscrevo-me.

 

                                                     Atenciosamente,

                                                       Mauro Juruna

                                                    Deputado federal. 

 

Fonte:https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-presidente-jose-sarney-criticando-atuacao-do-presidente-dafunai-alvaro

Original: 1985.09.10 De Mário Juruna para o Presidente Jose Sarney (1)-2-9

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