16 de setembro de 1993.

Das lideranças Kayapó para o Presidente Itamar Franco

CARTA DOS ÍNDIOS KAYAPÓS 

PARA O PRESIDENTE ITAMAR FRANCO 

 

Excelentíssimo Senhor Presidente ITAMAR FRANCO, 

Quando os europeus por portugueses chegaram na nossa terra em 1.500, tinham como interesse o comércio do Pau-Brasll e nós índios não sabíamos como cobrar o valor de cada tora do Pau-Brasti. Esta foi a nossa primeira riqueza natural explorada e mandada para Portugal. Nós, Kayapós, começamos a encontrar e conhecer o homem branco explorando nossas riquezas naturais já no início deste século. 

Na década de 60, como nós já tínhamos contato com o homem branco, nós pudemos conhecer melhor o trabalho de destruição dos recursos naturais que ele fazia, como por exemplo, matando animais para à comercialização de pele do onça, gato maracajá, porco caititu, porco queixada, lontra, ariranha, voado o macaco da noite. Como só interessava a pele, a carne desses animais era jogada fora. Também nessa época havia o corte de madeiras de lei e explorado seringa, caucho e balata.

Chegamos na década de 80, quando o nosso próprio governo brasileiro diminuiu os recursos para a Funai (Fundação Nacional do Índio), que não teve mais condição de atender as necessidades de saúde e educação das aldeias Kayapós. Nesta época já estava havendo invasões de madeireiros e garimpeiros na nossa reserva, mas nós por nossa própria conta organizamos nossos grupos para expulsar os invasores, até que a Funai resolveu fazer anúncio no jornal oferecendo mogno da Reserva Kayapó para venda.  

As madeireiras Maginco e Sebba fizeram acordo para explorar madeiras das aldeias Kikretum e Gorotire. A venda da madeira era controlada pela Funai o neste controle nós fomos enganados pela Funai e pelas madeireiras que ensinaram o índio a usar o dinheiro para construir casas de alvenaria, comprar carro, fazenda de gado, antena parabólica, avião e comprar alimentação no supermercado. 

Hoje, olhando para o passado nós entendemos que o dinheiro da madeira poderia ter sido usado melhor:

– Ter um projeto com todos os mecanismos para buscar uma alternativa econômica para as comunidades usarem, quando a madeira acabasse ou não pudesse ser mais vendida. Com isto, poder atender as necessidades das aldeias, principalmente na parte da saúde porque o nosso organismo não é muito forte para resistir às doenças trazidas pelo homem branco e a nossa medicina tradicional não serve para curar estas doenças. 

Se tivéssemos recebido uma boa orientação, hoje nós os Kayapós, teríamos um hospital e escolas equipadas e ainda sobraria dinheiro para nós fazermos compras para as nossas famílias.  

Sabemos que desde o descobrimento deste país que se chama Brasil, o homem branco começou a roubar o enganar nós e até fomos expulsos do nosso Território e até massacrados e envenenados. Ainda hoje estamos sendo tratados com preconceito: O homem branco é gente. O índio não é gente? O índio não é ser humano? 

Sabemos que 400 anos é diferente de 5 anos. Há 500 anos que o homem branco vem explorando as riquezas naturais do Brasil. Há 5 anos que os Kayapós estão explorando ouro e madeira por conta própria. Porque agora estão querendo impedir nós de fazer isto? Porque o homem branco está fazendo crítica muito forte perante a opinião pública nacional e internacional, usando televisão, jornais e revistas? 

Informamos que por falta de assistência do governo brasileiro as madeiras e os garimpeiros entraram na nossa reserva. Se o governo tivesse liberado recursos para a Funai, o órgão estaria sempre ao lado do índio e mostrando o apoio do governo. Assim os Kayapós nunca teriam necessidade de negociar ouro ou madeira. 

Excelentíssimo Senhor Presidente, nós povos indígenas deste país temos nossas raízes fixas na nossa terra, que são as raízes originais deste país: nossos costumes, crenças, línguas, culturas e tradições. Sabemos que as leis de proteção aos recursos naturais devem ser cumpridas e respeitadas, mas a nossa sobrevivência também precisa ser respeitada.

Pedimos, Senhor Presidente, quo enquanto vamos vivendo da exploração do ouro e da madeira em nossas terras, o governo comece a estudar uma maneira de nos ajudar a comercializar os nossos produtos naturais renováveis que existem na nossa reserva como a Castanha do Pará, Cumaru, Babaçu, Urucum, Copaíba, Andiroba, Jaborandi e outras ervas, flores, raízes, frutos, somentes e cascas de árvore de uso medicinal. 

Se não encontrarmos alternativas de sobrevivência e fomos proibidos de comercializar ouro e madeira, estamos preocupados de acontecer uma guerra, mas uma guerra sem explosões, tiros ou fumaça, porque vamos ser mortos pelas doenças e a falta de assistência nos hospitais, por não podermos pagar médicos e remédios.

 

Respeitosamente,

(Assinam os caciques e líderes das aldeias Kayapós: A-Ukre, Gorotire, Kikretum, Kubenkankrenh, Kokraimoro, Pukanu, Kubenkokre, Baú, Kararaô, Calelé, Bacajá e Metuktire)   

 

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-dos-indios-kayapos-para-o-presidente-itamar-franco

Original: 1993.09.16 Das Lideranças Kayapó para o Presidente Itamar Franco