Caros companheiros do GTME E CEDI.
Antes de mais nada e tudo, a minha intenção de catar algumas palavras em português, espero dar-lhes o balanço dos fatos e feitos durante todo esse tempo. Vai ser uma carta meia gozada por ser de um índio. É uma trajetória meia bruta. Leram as minhas cartas anteriores, e, por isso, creio que já sabem o que tenho feito.
1 – ) Desde que cheguei em Manaus tive muita preocupação com meu pessoal. A situação não era fácil, porque a situação política entre os parentes era de uma tensão bruta, e por mais que eu não quisesse teria que entrar na confusão. E foi o que nos aconteceu. Mas, isso era à nível de primos. Uns estavam ao lado do PDS e outros com PMDB e os demais eram os espectadores. Até hoje essa confusão está bem acentuada, mas comigo, pois dei fora no jogo.
2 – ) O mais importante de meu trabalho foi a união que tive com outros parentes mais distantes de diversas tribos, principalmente com as do Rio Negro. Assim conseguimos congregar 95 índios destribalizados. Uma coisa que me impressionou foi que, no tempo de 1980 eram poucos meninas, mas que agora eram demais, principalmente quem era menor entre 1974 a 1979. O que facilitou também foi que a maioria deles(as) eram os ex-alunos do meu tempo e que permaneci no magistério. Tudo bem. O mais importante mesmo foram os casamentos: três. Sabem o que estou querendo dizer com isso? É que muitos de nossos companheiros, e por muitas das vêzes, quando um rapaz gostava ou vice-versa, ai dava casamento. Isso é entre os índios de Manaus.
3 – ) Com os demais companheiros que vinha do interior tivemos fazer reuniões para debater sobre os nossos assuntos de organização. Essa reuniões foram muito importantes, porque todos nós percebemos a necessidade de união ente as tribos indígenas do Alto Rio Negro. Outro assunto que sempre discutimos foi da educação, porque vimos muito malandragem de um pequeno boletim informativo que era feito Iauaretê. O nome do boletim é Enemini, o que dizer, rouxinol (passarinho que tem voz maviosa). Isso, isto é, o teor de informação nos demonstrou muito bem claro de que a congregação salesiana revela bem a destribalização. Portanto, não nos resta dúvida de que isso merece uma análise por parte de pessoas interessas e técnicos no assunto.
4 -) Outra coisa que tenho feito, foi o encontro com alguns missionários, porque depois do Tribunal Russell ficamos meio fechados, e isso nos dividir mais entre os parentes. Uns diziam que, os missionários eram bons e outros critivam missionários dizendo que não eram santos e, por isso, mereciam críticas. Bem os velhos não têm jeito mesmo, são bem conservadores e ricos e manipulam os ex-alunos, isto é, que os cristãos não devem falar dos “ministros” de Cristo, porque serão condenados no fim do mundo. Outros mais jovens não têm poder. Querem fazer um bom trabalho, mas terminam desistindo ou que ficam com medo do bispo. Nesse caso, segundo a minha observação, o bispo manda mais do que o Cristo em cima dos padres, e por sua vez, esse mesmo bispo tem mais ganancia para ficar no poder e manter muita diplomacia, de acordo com os militares. Quanto as freiras, muitas delas passa me chamar de “senhor” Álvaro, porque antes elas me diziam: psiu.. êh… vem cá moleque, ou então, muitas fazendo cara feia para o meu lado. O que mereceu muita raiva foi quando uma freira me disse: seu desgraçado, olha uma andorinha não faz verão……
Tudo bem, mas não foi como disse a freira. Eu consegui muita gente boa e fiz um pouco de verão, e não só com pessoal de minha gente, mas com muitos companheiros. Assim, eu não consegui o que queria com essas freira,, porque eu tinha dito a superiora delas que era necessário ter mais diálogo com as meninas destribalizadas. Porém, a freira me disse: Se acontecer alguma coisa com as meninas que não estão sob a nossa responsabilidade, isto é, com aquelas que vieram por sua própria conta, nós, não responsabilizamos…” E foi o fim de conversa. Porém, alguns padres salesianos me diziam: “Não, elas tem responsabilidade…” No pior que, elas não têm responsabilidade.
5 – ) Com os brancos mestiços de Manaus só tenho feito palestras e discussões sobre a problemática dos índios. Também foi bom.
6 – ) Com outros índios que vinha do interior só temos sido um caso sério pra FUNAI da 10ª DR. Enchemos saco deamis. Articulei muita coisa, isto é, dei a conhecer como é o estilo desse órgão nos últimos tempos. Três vêzes invadimos a FUNAI (Tukano, Sateré e Tikuna), porém foi uma invasão não do tipo dos Xavantes, e sim do melhor e do pior para o delegado. Assim derrubamos o Kazuto Kawamoto. Mas, se ele não caísse nós íamos invadir depois do encontro de Brasilia com 80 Tikunas e outros que participaram do encontro. Acho que um dos traidores disse ao KAZUTO, por isso ele aceitou a vinda par Brasilia. Ia ser uma briga séria. Já tínhamos articulado também os brancos para brigar com PM do Gilberto Mestrinho. Enfim, se a gente não fizer isso, os funcionários da FUNAI dizem qu eos índios são atrazados e nos dão outros títulos. Assim, a 10ª DR, não tem delegado, e, por isso, eu me candidatei como delgado só para ironizar a Funai.
7 – ) Esse tipo de trabalho é bom quando a gente topa muito ferro nas costas. Assim, como não tinha casa onde receber os meus amigos, e por outros motivos relacionados com delegado da FUNAI que sustentava a divisão entre nós, os índios, certa vez, sem esperar terminamos brigando. A confusão da briga é o seguinte: é que uns de nossos parentes fizeram um projeto para garimpar ouro no Rio Negro, e logo foram apoiados pelo delegado. Depois de uma reunião de professores, meio tensos com a portaria do Mário Andreazza, foi ver como é que estava a situação na delegacia. Bem, o Kazuto nos apresentou um projeto muito feio. Os dois índios que tinham feito esse projeto receberam 700.000 cruzeiros e gastaram por aí. Nesse projeto, os índios iriam ganhar segundo a produção do garimpo, pois a empresa Demétrio ia fornecer-lhes material. No projeto aparece um engenheiro da empresa, que, sem mesmo trabalhar, ia ganhar trinta milhões de cruzeiros por mês, e por cima, os índios, segundo a escrita, que ficariam com 10%. Isso nos revoltou, pelo motivo obrigamos rasgar esse projeto na nossa frente, assim deixamos o delegado com muita raiva. Depois desse encontro os meus companheiros tiveram uma discussão feia com outros dois índios e logo foram embroa para as missões. Fiquei só. Porém, essa marcação ficou para mim. Por isso, mais por cuasa da casa certo dia terminamos numa briga. Assim, a minha volta para Manaus está muito difícil, porque, antes de acontecer essa briga eu passei uma semana fora de casa devido a intriga, e a confusão foi quando retornei para casa. Se possível, melhores detalhes lhes darei depois, porque não me sinto no ponto de perdoar os parentes.
8 – ) Entre 26 a 31 do mês estava marcado uma reunião em Lima. E como sou um dos membros da coordenação da UNI no Brasil pensei de participar do encontro. Fui apanhar a minha passagem na agência da VARIG de Manaus. Ai eu pensei, bem vou chegar logo, porque lima fica bem logo no pacífico. Chegando na agência estranhei, porque o pessoal que mandou o PTA não souberam informar. Assim, para sofrer mais fiz um vôo de Manaus ao Rio. Me aconteceu muito triste, porque os trezentos mil que pedi dei entrada para uma favela que pretendi morar sózinho, e outros cem mil e mais cinco mil tive que pagar a comida e material escolar para minhas primas que são menores.
Eu estava triste e com raiva. Assim deixei a minha bagagem no Pe. Casimiro. Mas, ele trancou a minha mala no escritório dele, e provávelmente teria ido fazer negócio a fora, Digo assim, porque ele sempre manda alguma informações sobre os Tukano para Alemanha.
Ai, corri atrás dele no Colégio Domingos Sávio e não o encontrei. Por sorte peguei ônibus para aeroporto e cheguei atrasado e todo suado. Assim, vim para Manaus cueca suja, camisa fedida e também a calça e sandálias nos pés. A minha maior sorte é que conhecia o Tarzan do CEDI, senão meu, estaria nas tripas dos urubus do Rio. Entrei em contato com Beto e consegui uns cem paus. Comprei alguma coisa no valor de 40 mil pilhas. Eu estava com cara inchada, e quem me conseguiu remédio foi o Tarzam Juntamante com tio da mulher dele. Tarzan também era pobre, assim, só porque o pessoal de Lima não fizeram reserva demorei um pouco no Rio. No dia em que viajei, já meio atrasado, o Tarzam me deixou no velho aeroproto Santos Dumont, e de lá peguei o carro. Gastei sete pilhas e mais seis seiscentos quebrados para taxa de embarque. Viagei. Tinha muita dentro do avião. Era DC-10 lotado de gente. O pessoal comeu e bebeu à vontade, e eu de lado. A meu lado estava um brasileiro Cel, e doutro uma moça que falava só inglês. Bem fiquei com raiva deles e depois do filme fiz de conta de que estava dormindo. Chegamos em Lima às 2 da madrugada, por que o avião atrasou uma hora. Pensei de encontrar companheiros. Mas, nada. Eu estava com 35 mil curuzeiros e nada mais que isso. Só encontrei taxistas que pareciam urubus, os dois vendo que eu não era de lá me perseguiram e ue fiquei com medo e no fim terminamos numa discussão. Depois da briga fiquei sentado, porque eu não tinha nem mais o endereço. Os endereços todos ficaram trancados na mala que ficou em Manaus. Ai me deu vontade de chorar. Ai, depois de ficar sentado e não sabendo como fazer me dirigi à VARIG e contei a minha situação. Eles me disseram, que tinha hotel do amigos deles e aquela estória. Ai pensei: essa gente vão explorar de novo. Depois de barulho aqui e para lá terminei trocando o resto de minha grana em Soles que me deu 45 mil. Mas, eu já sabia onde estava sendo o encontro. Era no Uampani, a 40km de Lima. Bem encontrei o taxista da Varig e me mandei. Cheguei cansado e com fome. A viagem me custou 60 mil soles, Fiquei.
REUNIÃO DE COORDENADORIA DAS ORGANIZAÇÕES INDIGIENAS DA BACIA AMAZONICA, esse foi o título que tivemos no fim da reunião. Pois não, esse encontro foi financiado pela Oxfam de Lima, e a organização Indígena foi a AIDESEP – Associação Inter-étnica de Desenvolvimento da Selva Peruana. Esse encontro foi, porque no último a Aidesep participou de um encontro em Genebra e que viu a CISA I e a CISA II que brigaram feio diante dos outros. Segundo eles, muito embora não reprsentassem, que o pessoal da CISA estava falando como intermediários dos índios da América. Assim, não querendo competir, a gente terminamos formando outra Coordenadoria das Organizações da Bacia Amazônica. Assim, no caso de grandes encontros internacionais teremos voz e voto na ONU e assim, que a CISA não falará mais por nós.
Participaram nesse encontro: Peru, Colombia, Equador, Bolivia e Brasil. Não compareceram os venezuelanos, porque segundo as informações eram manipulados pelo governo. Bem, a reunião foi muito boa e esperamos fortalecer as tribos da Amazônia, ainda nesse ano no encontro que queremos fazer em Manaus, em setembro – de 13 a 16.
9 – ) Devido a reunião tive que voltar no dia 30 e cheguei a Brasil no dia 30 e chegeui a Brasilia no dia 31. Cheguei no e depois fui para Brasilia. Outra peia. No aeroproto de Lima me cobraram dez dólares, e eu não tinha e terminei pagando 38 mil soles. Fiquei puto e muito. Chegando em Brasília não consegui trocar os 30 mil soloes, e eu só tinha 250 cruzeiros. Assim me piquei para CIMI a pé meu. Sai quqndo era 12 horas e chegeui a 15:30min no CIMI. Se não fosse o Krenak ia passar fome. Como bom pastor ele deu um prato de comida. Depois fui no acâmpamento onde estavam os índios e me levrei. A reunião com os índios foi o melhor encontro de todo tempo. Fizemos uma equipe de barracas, uma de comida, e os brancos ficaram na contabilidade e no arranjo das coisas para os índios. só que no primeiro dia foi engraçado. Chegou a Alcida e outra aluna dela e entraram em choque com Juruna. Ai a menina jogou os papéis no chão e o Juruna esculhanbou o CIMI, CTI, ANAI, UNI, menos o CEDI. Porra, eu fiquei puto quando a UNI saiu no meio, mas para evitar a confusão deixei mais calma para o fim. Não vi o Marcos Terena, nem outros estudantes, De noite veio o Odenir e levou uma picada cobra bem no meio do acampamento e passou mal. E como eu era o mais enérgico assumi na cordeanção. Coloquei as coisas tudo em ordem. Tinha multo índio. Houve afobação na hora de comer, sendo portanto, necessário alterar a voz para obter ordem. Assim, para todos os companheiros que vieram para encontro tive que dizer o que era a UNI, porque até ai não tivemos apoio do CIMI a não ser de outros. Quando começamos discutir, também, compnhaeiros das reuniões anteriores falaram sobre a UNI. Ai o negócio ficou fechado. E, para completar tive dizer tudinho das brigas que tivemos em São Paulo, em Aquidauana, no Contage disse também que os estudantes não representavam o movimento, porque viviam sob “tutela” da FUNAI e que não tinham força moral e política. Falei que o Marcos era fraco, que o Domingos Veríssimo era gostava de fazer confusão com Marcos, que o Hibes era briguento e que sempre esse três atrapalhavam a organização da UNI. Para minha sorte, veio um ônibus lotado de Terena contra o Domingos. o Hibes quis Já brigar no começo. Aí chamei logo atençao meia bruta e assim por diante. O Marcos queria dar sugestão de manipulador, mas eu não aceitei e a renião correu bem. Fiz um trabalho danado, porque muitos índios só vinham a mim pedir cigarros, qualquer informação para fazer cocô, pedir cobertor, remédios, presentes e outros que queriam votar o novo presidente da FUNAI, e etc. Assim, tudo o que aconteceu durante a reunião em termos político foi graças a mim, porque não é fácil controlar ordem de índio ou quando se quer algo mais. Enfim, conseguimos 46 membros do Conselho Nacional da UNI. Portanto, hoje temos base da UNI.
10 -) Quando avalio fico até contente, porque foi muito bom mesmo. Chegaram três representantes de fora. Um de CISA ( Salvador Palomino), um de Paraguai ( Luis – guarani ) e outro argentino (koya). A presença de parlamentares, a posição de Juruna, o cerco da FUNAI e do Ministério do Interior, a imprensa local foram coisas que fortaleceram a união entre os índios. Também a presença de muitos companheiros que nunca participara da reunião foi outra alegria muito grande. Também, na hora do encerramento um deputado pediu que os índios se retirassem do auditório, e o Juruna ficou ficou muito bravo e todos os deputados fizeram a favor dos índios, E uma comisssão de índios entrou na Procuradoria Geral da República para entregar o documento para que seja discutido o novo código civil pelos advogados sem prejudicar os índios. Assim, a reunião foi cem por cento.
Outros detalhes tenho que dizer logo. Bem, o Domingos não participou quase da reunião, mas no fim me veio a dizer: Pôxa, você inventou 46 conselheiros, e como então, O CISA vai ter contato com todos, e como vamos representar à nível internacional?.. E o Paulo Suess me disse, Álvaro como foi a reunião? Respondi-lhe que foi ótima. E ele continuou: e agora, onde você vai ficar, o que vai ser. Ai falei que estava para ir para encontro de Quito para ter encontro com índios, porque temos nova organização à nível da Amazônia. Aí ele ficou bravo e começou: nós quem? Vocês são quem? Voces formaram outra organização com apoio de quem? Bem, eu fiquei esquentado e me deu vontade de dar um murro no peito. Assim companheiros, não estou bem com Paulo e sempre fui, isto é, o Paulo nunca conseguiu fazer a minha cabeça, e por isso, tem ciúme.
Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/cartas-de-alvaro-tukano-ao-gtme-cedi-e-cpi-sp
Original: 1984.04.05 De Alvaro Tukano para o GTME E CEDI