Aldeia dos Tremembé de Almofala, Ceará, 8 de setembro de 1993.

Das lideranças Tremembé para o Presidente do Núcleo de Direitos Indígenas

Presidente do 

Núcleo do Direito Indígena

Brasília-DF  

 

Sr. Presidente: 

Nós, Tremembé de Almofala, escrevemos esta carta para dizer a Vossa Excelência das dificuldades, das preocupações que estamos tendo nesses últimos dias em nosso lugar. Cada dia que se passa mais ameaças – já estamos ameaçados de morte como os Yanomami. Tivemos notícia de que um grupo de quarenta (40) homens, alguns bem armados, vão sair de casa em casa matando nós, um por um, contra o nosso direito de ter a demarcação da nossa terra. 

Temos notícia também das cartas que o advogado entrou em Brasília, junto do Sr. Ministro da Justiça, em nome dos posseiros e da firma DUCOCO, contra o nosso direito sagrado da nossa terra. Muitas dessas pessoas que se assinam nesse documento não moram dentro da nossa área. Porque nós só está pedindo de volta para nós – uma parte da nossa terra, a parte que começa – na igrejinha de Nossa Senhora de Almofala dos Tremembé. A outra parte que está ocupada por grandes proprietários que sempre perseguiram nós Índios, nós não temos condição de enfrentar agora. Por isso deixemos de fora.

Tem também uma lista de nomes de famílias apresentadas pelo Deputado Stênio Rios há meses, para o Presidente da Fundação Nacional do Índio-FUNAI, em Brasília, a diversas autoridades no Ceará, falando nas rádios, nos jornais e na televisão. Nessa lista ele diz que são 414 famílias de agricultores, pequenos agricultores que vão ter que sair da terra dos Tremembé com a demarcação. Começa o erro que só são 411 nomes. Nós que moramos na área, conhecemos muito bem essa realidade, por isso nós dizemos que nessa lista tem:

220 Índios Tremembé 

85 Posseiros  

106 nomes de famílias, cujas casas não estão dentro – da área indígena (85), são nomes repetidos (09), nomes de pessoas que moram numa mesma casa (10), nome de pessoa que já faleceu e nem a casa tem mais no lugar (1); uma pessoa que não se conhece (1). Esses que não existe são um total de 106.  

Assim é que nós dizemos que nessa lista só tem mesmo 305 casas. Sendo 220 índios e 85 posseiros.

Nós queria faz dias apresentar essa verdade para as autoridades do nosso Ceará e do Brasil. Porque nós precisa de que a verdade apareça, seja conhecida, Não é 50 os deputado que pode dizer as palavras e ser acreditado. Porque a nossa palavra não serve, não tem valor? Por que nós que vive lá desde os nossos antepassados, a nossa história é muito conhecida, não só os estudados nos livros. Muitas pessoas conhecem a nossa vida, a nossa história, o nosso sofrimento, o massacre que nós tem vivido desde muitos anos. Não só no tempo dos colonizadores, os que chegaram primeiro em nossas terras, mas também os que tem invadido desde que a nossa igrejinha reapareceu das dunas que cobriram ela durante 46 anos. Fizeram estrada e aí nós não teve mais controle na nossa terra. Nós não podia reclamar. E quando alguns tentaram denunciar, reclamar, foram mortos. Nós tem testemunha desses fatos, de gente que ainda é viva e que conta o massacre dos homens da família Bastião que foram mortos porque quiseram defender sua terrinha. Por isso a gente sabe a razão do medo que ainda hoje existe no nosso meio.

Só para vocês ficarem entendendo melhor essa história, a gente bem recente teve um fato incrível entre nós. Um pai de família recebia essa ajuda do governo chamada emergência. É um dinheiro pouco mas que ajuda para quem não tem nada. Pois sim, esse pai de família fez uma viagem com nós, para Fortaleza, por causa da nossa luta pela terra. Quando voltou para Almofala seu nome estava cortado da emergência. É assim que nós somos tratados. Quem pode aguentar essa opressão quando não tem nada garantido para comer?

É verdade que nós passemos muitos anos sem falar, sem dizer nosso direito de índio. Com tanto medo era difícil. Quando a gente começou a ouvir falar num direito foi que se começou a ter coragem. Também agora é um tempo diferente. Temos algum apoio. Não estamos mais sozinho. E foi assim que as famílias da Varjota enfrentaram a DUCOCO, quando ela invadiu as terras lá na mata, na localidade chamada Varjota. Eles, muitos de nós aqui nessa luta hoje, nós enfrentemos, nós sofremos mas nós vencemos. Fizemos o usucapião e assim garantimos nossa pequena área de 389 ha. Na Tapera eles não conseguiram, e ainda hoje vivem dentro da firma DUCOCO. Nós estamos mandando pra vocês o depoimento das testemunhas que defenderam nos no Juiz do Acarau. Foi a primeira vez que nós enfrentemos e não fomos mortos. Nós vencemos.  Nós até pensamos em nos defender como índio Tremembé, mas não era fácil. Os índios não eram reconhecidos, apoiados, como agora. 

É uma história comprida e cheia de muito sofrimento. A gente quer que vocês conheçam também esse sofrimento, essa verdade. Esse momento que estamos vivendo é uma decisão importante para a vida do nosso Povo Tremembé, para a gente poder continuar vivo. Nós vivemos muito tempo escondido, sem poder gritar o sangue e a dor das nossas famílias. Agora nós começamos uma vida nova. Uma vida de enfrentamento, de querer viver nossa vida de índio.

Diante de tudo isso nós apelamos para a JUSTIÇA que deverá ser feita a nós Índios Tremembé de Almofala, porque nós merece essa JUSTIÇA. Apelamos para todas as autoridades do Brasil, do Governo do Ceará, do Ministério Público Federal, apelamos para os nossos Pastores, para os Parlamentares, para as entidades e as pessoas de boa vontade. Nós apelamos, que todos se juntem com nós índios do Ceará, para que as nossas terras sejam demarcadas e os nossos direitos reconhecidos. 

 

Assinaturas presentes no documento original.

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-presidente-do-ndi

Original: 1993 Liderancas Tremembe ao Presidente do Nucleo de Direitos Indigenas,

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