Manaus, 25 de dezembro de 1983

De Alvaro Tukano para o GTME

Caros companheiros do GTME.

Cheguei por aqui no dia 14 do corrente mês. De certo modo, foi interessante a minha chegada. Fiz contato com os professores da Universidade, com GIMI, e de modo especial com os superiores dos salesianos. Todos eles me receberam muito bem, mas, antes tivemos que discutir feio, isto é, logo depois do Tribunal que me queimou.

Já enfrentamos três vêzes com japones, Kazuto Kavamoto, delegado da FUNAI.Primeiro fomos com os Sateré Mawé, porque morreram alguns índios. Eles morreram envenados de matéria de dinamite que a Elf enterrou na reserva deles. Essas mortes está sendo polêmica entre os índios, e eles estão revoltados com a FUNAI que deixou invadir sem que os donos soubessem. Assim, os Índios decidiram fazer uma reunião de todos líderes durante o Natal e farão o processo contra o Kazuto. O capitão geral me disse que vai fazer essa reunião só para processar o delegado, e inclusive já arranjaram até advogado. Mas, vamos ver como vai ser. Porém, o Kazuto como bom sem vergonha, disse na TV Amazonas, que oficialmente não sabia de nada das mortes dos índios, e por outro lado, os líderes sustentam a palavra, que houve morte, sim.

Também vieram os Tikunai, os Kokma e os Kanamari. Foi outra parada. Os índios quase que bateram no Kazuto e foi uma troca de palavrões. O Kazuto gritou mas, no fim teve que abrir brecha para os índios. O problema desses índios, não é muita coisa, por que o INCRA está loteando e dando a terra dos índios para os brancos. Também vieram os Munduruku e foi outra parada. Então Edin, a minha vida para cá ficou do jeito que está vendo. Estou acompanhando sempre os índios, e quando eu não estou eles mesmo me procuram e aí só lhes oriento como devemos brigar juntos. Creio que esse tipo de trabalho merece atenção, porque os imimigos ficam furiosos. Por exemplo, o Kazuto me disse, que temos que conversar e discutir democraticamente. Mas, no fundo mesmo não há democracia. Existe muita malandragem dentro da administração.

Quando vi toda essa confusão, pensei que era somente isso. Foi grande equivoco. Trata-se no caso do Rio Negro. Na verdade não se pode dizer do Rio Negro, porque é a questão de família. Então Edin, o prefeito de São Gabriel é imposto pelo governo, não foi eleito e também faz o que ele quer. Naturalmente, todos os líderes políticos são alguns índio e outros brancos que vieram do NE,dentro do PDS. Um dos meus primos que foi vereador durante oito anos e que não fez nada também é um dos líderes do partido. Ele é gente sem vergonha como maioria do PDS. O nome é Pedro Machado, e trabalhava na Rádio Nacional, e se me parece já não trabalha mais, foi demitido devido certa malandragem. O Pedro tem outro irmão, o Carlos que é o caçula. Esse é ladrão já provou de muita malandragem. É muito perigoso, porque ele anda entre pessoas do SNI, PF e outros brancos que não gostam índios. O fato de ele ser ladrão provocou uma desunião muito grande entre os parentes dele, mais ainda dentro da cooperativa do irmão dele. Ele é um dos traficantes de cocaína. Assim que ele roubou de mim tive dizer a outras pessoas que o Carlos era ladrão e outros confirmaram. Depois de minha vinda de são Gabriel os Machado ficaram bravos, e disseram que vão me agredir para que eu nunca mais fale deles. Na hora fiquei nervoso e me deu vontade de arrancar os dentes do Carlos. Também um dos meus primos que não é Machado está foragido por essas bandas devido a ameaça dos mesmos desde de junho corrente ano.

A jogada é seguinte. O prefeito de são Gabriel está querendo ser Deputado Estadual para próximas eleições. Para isso ele quer limpar ou fracassar o PMDB. O meu primo, Américo Maranhão é líder do PMDB em Pari Cachoeira. Ele é que está por essas bandas. Assim, os meus primos são rivais entre si e já discutiram várias vêzes aqui e lá também. Tanto os Machado e Maranhão são meus primos por parte de minha mãe, e são Tukano de um só grupo ou clã e todos moram na vila de Pari Cachoeira, e só. Os demais Tukano são de outros grupos e moram nos povoados à margem do rio, eles não brigam e eu faço parte deles e por cima, somos a maioria.

Antes das eleições, depois de ter contato com pessoal do PT em Manaus, e quando vi que esse partido estava muito fraco tive que chamar gente de minha confiança para fazer parte no partido que era necessário. Então, chamei o Américo e outros companheiros e falei-lhes sobre a importância de participação de índios na concorrência. Logo, o Américo e Gabriel Gentil se candidataram como vereadores, e eu só fiz entrozar com Gilberto Mestrinho e outros assessores. Tudo e como pensei deu certo. Os meus amigos souberam fazer um bom trabalho. Dentre os 700 eleitores de Pari Cachoeira o partido do meu primo Machado só teve 27 votos e foi uma confusão tremenda. Foi assim que tiramos o Pedro do poder e que até hoje está bravo conosco, e de vez em quando ele nos chama de “subversivos” e agentes de contra governo. É amigo do prefeito.

E, porque tenho dito que o Carlos é ladrão, então, os Machado prometeram de me agredir e um deles fez bruta carta de ameaça. Tudo bem, enfim, os meu primos estão sendo usados pelo prefeito, eles querem me agredir sem saber o que está por de trás e quem ganha com isso é só o prefeito.

Pera qualquer coisas que me acontecer, para conhecimento, falei com delegado da FUNAI, CIMI, Padre Inspetor e Madre Inspetora. Assim, como se trata de questão política de branco a vida corre o risco. Eles sabem que sou muito perigoso para o partido deles. Estou mais dentro de casa, aqui, em Manaus. Não é que estou com medo, porque recebo visitas de índios conhecidos porque sou conhecido. Como diz o Cristo – ninguém é profeta dentro de terra natal.

Creio que o meu trabalho está valendo, porque no mundo de hoje é dificil tornar pessoa de confiança ou articular trabalho entre os Índios. E tem mais, sou diretor de uma revista que se chama KUKURO. Essa revista será lançada antes do dia 15 de janeiro e vamos fazer muito barulho diante desse governo e FUNAI. Essa revista vai falar sobre as questões indígenas da Amazônia. Creio que até o dia de lançamento do jornal já estaremos mais fortes, e para isso, estou organizando os companheiros indígenas. A nossa intenção é de introduzir a questão indígena nas escolas primárias e na universidade.

Edin, vou ficar aqui até no dia 15 e depois vou dar um giro no Alto Solimões, e vou para uma reunião de índios Tikuna e outros. Na volta tenho que ir a Brasília para articular o encontro que vamos ter no fim de março. Jé escrevi a vocês que nos veremos nesse encontro, pois creio que o GTME tem que se engajar mais na questão indígena, e eu, de modo especial, vou dá muita força para isso. Os convites serão enviados assim que eu chegar a Brasilia.

Meus abraços a todos.

Álvaro Fernandes Sampaio
        Doéthiro.

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/cartas-de-alvaro-tukano-ao-gtme-cedi-e-cpi-sp
Original:1983.12.25 De Alvaro Tukano para o GTME

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