Manaus, 17 de janeiro de 1984

De Alvaro Tukano para o GTME

Aos companheiros do GTME.

Faz pouco tempo que tenho escrito uma cartinha, na qual disse que lhes mandaria o relatório do nosso trabalho.

A minha chegada for no dia 14 de dezembro do ano passado e logo me encontrei com pessoa conhecidas da Universidade. Antes, o trabalho do CIMI e Kukuro estavam desativados, porque depois que houve comentários a meu respeito numa reunião de Humaitá – Rio Madeira, se não me engano deve ter sido muito feio o encontro dos brancos. Por exemplo, o bispo de Boa Vista, depois desse encontro não quis que eu pisasse na casa onde ele trabalhava numa ocasião que fui Junto com a Comissão Pró-Parque Yanomami – CPY, e andou dizendo que eu era contra igreja. Pois não, alguns brancos são assim, não sabem perder ou nem aceitam críticas. Depois que voltei de São Paulo, um dos membros do CIMI/Manaus me disse: “Você não deve cuspir no prato que você comeu…” Porém, na verdade, não foi isso que aconteceu. Entrei nessa luta por confiar nos meus companheiros do CIMI, porque um deles chegou a dizer que eu poderia dirigir ou tomar a direção da entidade, e mais outras promessas. O que me resultou foi muita fome, desamparo, a raiva e a casa por onde eu morava foi invadida pela PM e PF, razão, portanto, que não pude continuar vivendo dentro de Manaus. Os meus amigos deixaram de lado, mas como, mas me foram – “amigos”. E, além disso encontrei fortes facções dentre os missionários salesianos e mais nos índios. Tivemos usar a força física, e tive muito desgosto nesse tempo, mas não deixei a luta. Assim, eu não cuspi no “prato”, e, pelo contrário fui utilizado e cuspido. É isso que os meus companheiros não entendem.

Em princípio, quem me entendeu foi o Beto do CEDI, e depois de tanta peleja, o GTME. Pois não, a minha chegada por aqui foi muito importante.

01-) Me encontrei com destribalizados e contei-lhes como estava a luta indígena no país. O tema mais comentado por nós, foi a morte do Marçal, o juruna na época em que foi ameaçado de ser cassado. Percebi que eles tinham confiança em mim, e tivemos mais encontros e fomos descobrindo mais índios. Os índios estão com pensamento bom, e, pelo menos perderam o medo, e hoje, somos um grupo (do Rio Negro).

Também encontrei alguns líderes do Mundurucu, dos Sateré e Tikuna, e, falamos sobre a reunião que vamos ter em Brasília e como deveria ser a nossa organização dentro de Manaus. Também houve muita união, e, estes levaram novas mensagens para suas aldeias. Fizemos a reportagem diversas vezes, e sempre foi bom para nós, porém não estamos contentes com a FUNAI. Assim, depois do encontro de Brasília, virão uns 50 Tikuna e mais outros líderes, pois na volta da reunião estamos com a proposta de invadir a FUNAI para trocar o delegado Kazuto Kawamoto e sua secretária, a Laele, porque estes são demais. Os índios não aguentam mais de tanta promessa e engano. E, para termos um apoio moral entramos de acordo com pessoas da Universidade, com os estudantes do Segundo Gráu e outros, porque o Governador pode muito bem Jogar Polícia em cima da gente. É por isso que chamamos os brancos. Essa atividade está sob cautela. Mas, vai acontecer como os índios querem, pois, nós mesmos não decidimos nada. O que fazemos é dar-lhes a orientação.

02-) Reativei o CIMI/Manaus e formamos um conselho Editorial de um jornal que se chama KUKURO. Esse jornal está sendo lançado neste mês e vamos abordar somente os assuntos indígenas da Amazônia. O nosso desejo é para que esse trabalho sirva de material didático para muitas escolas de brancos e de índios. Assim, se por acaso o GTME estiver trabalhando junto com alguma comunidade indígena da Amazônia é só mandar inofromações para CIMI/Manaus.

03-) Fizemos duas reuniões com os professores da Universidade, para ver, se eles assumem a luta junto ao índio. Isso foi, porque, de modo geral o branco do Amazonas não gosta de estudar as coisas dos índios quando está aqui. Mas, só quando está em São Paulo ou no Rio. É isso que tenho falado, e eles me disseram que vão fazer agora. É por aí que fui abrindo o caminho, pois tive que conversar com os médicos e outros interessados nos remédios indígenas. Assim, um farmacólogo está fazendo o trabalho muito interessante. Ele estuda as plantas medicinais dos índios.

04-) No caso do Rio Negro foi muito triste. Encontrei os meus primos contra os meus companheiros, e mais contra mim. Foi uma ameaça de Caim ou de Judas. Para evitar muito sangue e para não dar muita força para o PDS e FUNAI fiquei por aqui mesmo. Enfim, entre os índios de Pari Cachoeira que são de um grupo e que influenciava politicamente à nível de outros, durante o Natal e Ano Novo houve muito sangue. Essa briga vai longe. Nesse caso, eu consegui fazer alguma coisa: chamei os companheiros que não estavam intrometidos na briga e formamos novo grupo de jovens para conscientizar os nossos parentes. Assim, a turminha do meu primo e Prefeito estão sem força política, porém estão com grana e o poder. Os meus companheiros foram mais espertos do que eu, e, antes pensaram que eu estaria do lado deles. E, quando contei-lhes tudo foi ótimo. Portanto, hoje, somos um grupo forte e vamos participar do trabalho do CEDI, e vamos para reunião na primeira quinzena de março, quando teremos o encontro com BETO e outros companheiros. E para grande reunião irão outros líderes das bases, porque estamos articulando para termos um barco para todo Rio Negro, sem distinguir as tribos. Para essa tarefa estamos juntando os companheiros que têm nível superior e pessoas engajadas nesse tipo de trabalho. Isso porque, os índios que nunca saíram das aldeias acreditam muito na palavra do padre ou da freira, e, enfim, eles que apanham mais. Assim, o nosso grupo é para conversar com os brancos, de acordo com a linguagem deles, mas deixar o povo no trabalho e na administração, porque só povo sabe o que quer. Assim, estamos com muita esperança. Ontem mesmo eu falei com Suzane da Oxfam, de Oxford, da Inglaterra a respeito disso. Creio que vai dar mesmo, pois somos muitos e vamos tocar para frente. No fundo, em princípio, o nosso desejo é que não vamos mais querer pessoas da FUNAI mandar em nós, e vamos negociar com os religiosos.

05-) Fiz uma tentativa positiva com os salesianos. Vai haver outro tribunal Russeull na Holanda. Eu sou um dos convidados. Participei isso ao Padre Inspetor e a Madre Inspetora. Na vez passada, o Dom Miguel quis me processar, porque segundo ele, eu o teria caluniado e me chamou na imprensa de “maçon”. Bem, cristão eu sou porque eles me batizaram, agora, não sei se existe o batismo para me ser “maçon”. Uma coisa eu lhes garanto, sou muito mais cristão do que de muitas seitas ou de congregações cristãs, porque o meu povo, já muito antes dos brancos, Já acreditava em DEUS, O CRIADOR. ESTE, O CRIADOR está no contexto de nosso mito de criação. Assim, o “mito dos salesianos” é incompleto para nós. E, não não sei o que vocês pensam. Mas, para nós é assim. Pois não, o Padro Inspetor foi para Itália fazer curso não sei de que. Mas, ele vai para esse tribuanl que será fechado, e vai levar um velho e um catequista. Para que ele não manipule muito estarei no meio da rennião, e, acho que vai muito bom. Assim estou com a maioria dos missionários, menos o Don Miguel Alggna. Mas, essa noite vou falar com ele. Ele está muito bravo comigo, não sei como vai ser a nossa conversa. só Deus mesmo quem sabe.

06-) Fiz uma viagem ao Solimões. Não foi mole. É muito caro demais e só arrependi. Lá o negócio está bravo. Os indios estão na luta séria. Estou só acompanhando e lhes contarei mais tarde.

Para terminar, estou muito contente, porque fiz muito trabalho positivo. Enfim, por tudo o que tenho feito gostaria que o GTME colocasse todo o meu trabalho dentro das atividades da UNIMEP. Foi bom o nosso trabalho, mas, muito mesmo.

Abraços a todos os companheiros,

Doéthiro Turo.

Fonte:https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/cartas-de-alvaro-tukano-ao-gtme-cedi-e-cpi-sp

Original: 1984.01.17 De Alvaro Tukano para o GTME

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