Brasília - Distrito Federal

De Mário Juruna para as Autoridades Brasileiras

Brasília, 19 de abril de 1983               

Sr. Presidente da Câmara dos Deputados,

                 A minha voz representa a de milhares de irmãos Índios que nesta hora e neste dia se levanta contra quatrocentos anos de extermínio.

                 A minha voz vem das selvas desconhecidas, dos longínquos sertões e fala como se fôsse uma buzina avisando que ainda existem Índios sofrendo perseguições e sendo vítimas das mais cruéis atrocidades cometidas pelo invasor desalmado de nossas terras.

                 A minha voz representa o choro e o grito de dor de mães, Índias, que viram seus filhos serem assassinados pela mão criminosa do invasor. São clamores de esposas que viram seus maridos morrerem fulminados pela bala do caçador de Índios.

                 A minha voz representa os mesmos Índios que receberam o colonizador de braço aberto e com festas; Os mesmos Índios que ensinaram ao colonizador os caminhos deste território chamado Brasil. Representa o mesmo povo que entregou aos colonizadores as nossas riquezas. Representa também aquêles que mesmo oferecendo ajuda aos colonizadores, foram traídos e cruelmente mortos traiçoeiramente.

                 Senhor Presidente, a minha voz neste congresso tem um significado muito importante para o seu povo. Depois de mais de quatrocentos anos de colonização é a primeira vez que um nativo, um Índio, como somos conhecidos chega onde cheguei, em condições de falar o que aconteceu e vem acontecendo com o meu povo.As notícias sobre os índios e as denúncias sobre os crimes cometidos contra o nosso povo, só chegava ao conhecimento desta casa através de porta-vozes não índios e que isoladamente tentavam denunciar o que ocorria nas nossas aldeias e com o nosso povo.

                 Agora eu estou aqui. Estou aqui para falar a todos. Para denunciar 28 atrocidades que ocorrem ainda com os meus irmãos. Estarei sempre aqui para denunciar o que está acontecendo com os povos indígenas habitantes no Brasil e no mundo.

                 Sr. Presidente, quero aproveitar este dia, o dia do Índio, para DENUNCIAR a situação do meu povo no Brasil.

                 Quero denunciar que o Índio continua sendo perseguido pelo colonizador e caçado a bala, como aconteceu desde a chegada do primeiro não índio a esta terra.

                 Quero denunciar que o Índio continua sendo expulso de seu território como vem acontecendo há quatrocentos anos.

                 Quero denunciar que os territórios indígenas continuam invadidos por fazendeiros e por empresas agro-pecuárias e muitas delas de capital multinacional.

                 Quero denunciar aqui e agora que os índios no Brasil continuam morrendo de sarampo, de gripe, de febre e de fome e de outras doenças evitáveis e transmitidas pelo não índio.

                 Denuncio também que o órgão de assistência aos Índios – FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, continua inoperante não cumprindo a sua finalidade, gastando vultosas somas com salários pagos a 2.300 funcionários que nada fazem em favor do índio.

                 Denuncio, Sr. Presidente e peço providências para o descalabro administrativo que é a FUNAI, cuja administração está entregue a um grupo ou melhor a um destacamento militar, composto de 22 coronéis da reserva e mais de uma dezena de militares de patentes inferiores, que encastelados nos cargos de direção do órgão cometem todo o tipo de desatino e perseguem sistematicamente os índios.

                 Denuncio ainda a utilização desonesta dos recursos alocados para a FUNAI, que a pretexto de garantir a vitória do PDS, o partido do governo, nas eleições de novembro de 1982, gasta a soma de 80 milhões de cruzeiros na transferência provisória dos Índios PATAXÓ na Bahia de seu território para uma fazenda de experimentação agrícola do governo do Estado da Bahia.

                 Denuncio a participação da FUNAI no escândalo CAPEMI, quando cedeu toda a área PARAKANÃ, que será inundada pelas águas do lago que será formado com a barragem de TUCURUÍ, para a própria CAPEMI, para extração de madeira, cedendo inclusive a própria serraria adquirida com recursos das comunidades indígenas.

                                  DENUNCIO a invasão, por garimpeiros, da área indigena IANOMAMI, interditada por decreto presidencial sem que a FUNAI tenha tomado nenhuma medida para impedir a invasão e afastamento dos invasores.

                 DENUNCIO a invasão do território dos índios KAIAPÓ, por 04 frentes de garimpos pertencentes a empresas chefiadas por militares da ativa, que usam suas patentes para intimidar os que se colocam contra a delituosa invasão.

ACUSO O Governo Brasileiro, de entregar mais de 1/3 da reserva indigena WAIMIRI ATROARI a empresa de mineração PARANAPANEMA, que através de ação corruptiva, conseguiu a extinção da reserva WAIMIRI ATROARI e a posse de forma ilegal de 526.800 hectares de terras e lå se instalou e se encontra explorando a grande jazida de estanho existente dentro do territorio AIMIRI ATROARI.

                 ACUSO empresas multinacionais de invadirem os territórios dos índios SATERÊ-MAUÊ E MUNDURUKU, destruindo parte de seu ecossistema, fazendo prospecção petrolífera.

                 ACUSO O sistema economico vigente neste país, que promove sistematicamente a invasão dos territórios indígenas e através de sua influência destrói todo o sistema economico-social das comunidades indígenas que mantem contato com as frentes de expansão brasileira.

                 ACUSO a Fundação Nacional do Indio-FUNAI, de tutora infiel, que vem sistematicamente traindo os seus tutelados através de medidas anti-índio e contra os principais interesses das comunidades indígenas.

                 ACUSO a FUNAI de não cumprir a Lei 6.001./73, Estatuto do Índio, não demarcando as terras Indígenas até o ano de 1978, como era prevista naquele documento.

                 DENUNCIO a morte de 21 Índios WAIMIRI ATROARI vítimas de sarampo transmitidos por transeuntes da estrada MANAUS-BOA VISTA, sem que a FUNAI tomasse nenhuma providência para socorrê-los.

                 DENUNCIO a falta de assistência na área de saúde e educação por parte da FUNAI, que apesar de sua grande estrutura administrativa, não atende as comunidades indígenas dentro de suas necessidades.

                 Quero ainda protestar contra as palavras do General Figueiredo, quando referindo-se a minha eleição pelo Estado do Rio de Janeiro, criticou o povo carioca de não saber escolher os seus representantes nesta casa. PROTESTO pois não vejo nele, no Presidente Figueiredo, autoridade para criticar os 31.000 eleitores que me elegeram Deputado Federal, principalmente ele, que foi escolhido por um único voto solitário o do seu colega GENERAL GEISEL.

                 O General Presidente, deveria utilizar o seu precioso tempo e seu espaço político para tomar medidas em favor do tão sofrido povo brasileiro, que está desempregado e passando fome, devido a sua política econômica desastrosa e incompetente.

                 REVERENCIO os índios assassinados, ANGELO KRETAN, ANGELO PEREIRA PANKARARÉ, QUIRINO KAINGANG, MATEUS GUAJAJARA, MOREIRA GUAJAJARA, SIMÃO BORORO E JOÃO CAMILO WASSU, que foram mortos quando estavam defendendo as suas proprias terras. Os assassinos destes índios continuam impunes sem que sejam molestados.

                 Esta é a situação dos índios no Brasil, Uma política GENOCIDA encontra-se em prática desde o dia em que o primeiro colonizador pôs o pé nesta terra. Somente uma reforma total na política indigenista colocada em prática pelo Governo Brasileiro, poderá reverter esta situação de desgraça.

                 Peço o apoio de todos os DEPUTADOS desta Casa e dos Senadores, para que, juntos possamos tentar modificar todo este sistema que se encontra montado para o extermínio das populações indígenas.

                 De imediato, proponho o seguinte: 

                 1) Que se demarque as terras dos índios para por fim aos conflitos de terras existente entre índios e invasores e faça com que as comunidades indígenas tenha a tranquilidade necessária para a sua sobrevivência.

                 2} Que se faça uma reformulação completa na estrutura administrativa da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI na política indigenista colocado em prática pelo governo brasileiro.

                 3) Que retorne para os quartéis, ou para os seus pijamas, o mais rápido possível, os militares reformados que se encontram refugiados na administração da FUNAI;

                 4) Que a administração da FUNAI, seja entregue para Índios e indigenistas realmente voltados para a causa do Índio;

                 5) Que se crie na FUNAI – em substituição ao Conselho Indigenista atual, que é Inoperante, um novo Conselho composto por líderes indígenas escolhidos pelas comunidades indígenas;

                 6) Que os projetos faraónicos de desenvolvimento comunitário, feitos atualmente pela FUNAI através de seus técnicos e burocratas, sejam entregues a pessoas que realmente conheçam a realidade indígena e com a participação das comunidades interessadas.

                 7) Que a pessoa do índio seja respeitada e considerada como raiz da sociedade e do povo brasileiro;

                 8) Que seja aprovada, com maior urgência possível por esta CASA, O PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 16/83, que cria a “COMISSÃO DO ÍNDIO”, mecanismo indispensável para equacionar os problemas das comunidades indígenas diante da atual realidade.

                 Senhor Presidente, Senhores Deputados muito obrigado pelo apoio.

MARIO JURUNA
LIDER XAVANTE
DEPUTADO FEDERAL

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-presidente-da-camara-dos-deputados-por-ocasiao-da-semana-do-indio

Original: 1983.04.19 De Mário Juruna para as autoridades brasileiras

 

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