Brasília, 07 de novembro de 1989. 

Das Lideranças Nambikuara para o Procurador Geral da República

EXMO. SR. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA 

 

Orivaldo Nambikuara Halotesu, cacique da aldeia do PIN Nambikuara, na área indigena Nambikuara, Estado do Mato Grosso; Eutimio Nambikuara, brasileiro, cacique da mesma aldeia; Fuado Antenor Nambikuara, também cacique da mesma aldeia; Daniel Nambikuara Wakalitesu, da aldeia do PIN Nambikuara; João Maxixe Nambikuara Wakalitesu, da mesma aldeia; Donaldo Kithãulu, cacique da aldeia do PIN Kithãulu, na área indígena Nambikuara; Jônatas Kithãulu, desta mesma aldeia; e Francisco Manduca, da aldeia do PIN Aroeira, da área indígena Pirineus de Souza, todos brasileiros, lideranças indígenas da nação Nambikuara, vêm à presença de Vossa Excelência, conforme o item XXXIV do art. 58, da Constituição Federal, REPRESENTAR para que esta Procuradoria-Geral defenda os direitos e interesses da Nação Nambikuara, como diz o item V do art. 129 da Constituição Federal, diante da seguinte situação:

I. Como já é do conhecimento desta Procuradoria-Geral, as empresas de construção Goes Cohabita e Eletrogoes S.A., junto com suas empreitadas Santerra, Sondotecnica e Engenorte, com autorização do presidente da Fundação Nacional do índio – Funai, sr. íris Pedro de Oliveira, estavam fazendo estudos preliminares de investigação geológica e Levantamento topobatimétrico, nas áreas ocupadas pela nação Nambikuara, visando implantar, no futuro, uma pequena usina hidrelétrica (conforme autorização com data 11 de julho de 1989). Isto já foi informado a esta Procuradoria por ofícios dos senhores deputados federais Plínio de Arruda Sampaio e Antero de Barros.

II. Nós sabemos que de acordo com a nova Constituição, a construção de hidrelétricas em terras indígenas deve ser regulamentada pelo Congresso Nacional, como diz o § 1º do art. 176, através de lei especial, que ainda não existe. Também sabemos que é o Congresso que deve autorizar a construção de hidrelétricas em terras indígenas, depois de ouvidas as comunidades afetadas, como está no § 3º do art. 231 e no item XVI do art. 49, também da Constituição. Mas enquanto não existe a lei especial, o Congresso não pode dar esta autorização.

III. Sabemos também que o Dr. Carlos Victor Muzzi mandou ofício para o presidente da Funai, para parar os estudos das empresas, até que o Congresso Nacional desse a autorização. Mas os funcionários das empresas continuaram na área, e por isso o deputado federal Antero de Barros foi ver a situação, e fez outro ofício para a Procuradoria.

IV. Nós tínhamos autorizado as empresas a terminar os estudos, em troca de alguns benefícios, como está na cópia da ata da reunião de 14 de setembro; mas isto não quer dizer que estávamos aceitando a construção da hidrelétrica. E muita coisa que foi prometida naquela reunião, não foi cumprida. Nós havíamos dado um prazo de 780 dias para as comunidades decidirem se aceitariam ou não a construção da usina; mesmo antes de terminar este prazo, já discutimos entre todas as aldeias das áreas indígenas Nambikuara e Pirineus de Souza, e foi tomada nossa decisão: nós não queremos a hidrelétrica na nossa terra, e é isto que vamos dizer ao Congresso Nacional.

V. Depois da visita do deputado Antero de Barros, os últimos funcionários das empresas saíram da área, com os estudos já terminados. Mas ficaram muitos prejuízos para os Nambikuara: foram feitas derrubadas de mato, abriram picadas, fizeram perfurações, e famílias da aldeia Kithâulu tiveram que se mudar. Foi até feita a topografia para as linhas de transmissão e estrada até Vilhena, sem nossa autorização, porque isto não faz parte dos estudos preliminares.

VI. Nós estamos informados que a Sphan — Pró-memória, através da responsável pelo escritório técnico em Cuiabá, Maria Lúcia Franco Pardi, disse que o RIMA feito na nossa terra não cumpre com a lei, porque não tem levantamento arqueológico. Também sabemos que a assessoria jurídica da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEMA) disse que a hidrelétrica não pode ser feita, sem a lei que o Congresso tem que fazer e sem a autorização do próprio Congresso; por isso, a FEMA não vai fazer parecer sobre o RIMA. E a Coordenadoria de Assuntos Indígenas do Estado de Mato Grosso mandou um antropólogo na nossa área, Rinaldo Arruda, que pegou depoimento de todas as famílias que seriam atingidas pela construção. Todas estão contra a hidrelétrica.

VII. Além disso, existe também a situação dos nossos parentes Salumã (Enawenê-Nawê), que vivem para baixo, nos rios que seriam atingidos pela construção da barragem. Estes parentes vivem de pesca, e vão ter muito prejuízo se a hidrelétrica for construída. Mas ninguém ainda foi dar informação para eles, e perguntar se eles aceitam. 

Por isso, nós queremos pedir para a Procuradoria-Geral da República que mande parar qualquer estudo para construção de hidrelétrica nas nossas terras; que qualquer estudo, visita ou ingresso de pesquisadores, técnicos ou funcionários de Órgãos governamentais, empresas ou mesmo da Funai, seja antes comunicado à comunidade indígena, que então vai autorizar ou não; que também seja responsabilizado o presidente da Funai, que deu a autorização para este estudo, sendo que nós não fomos consultados e antes não sabíamos que a Constituição exige uma lei especial e autorização do Congresso; e que a Funai e as empresas sejam obrigadas a indenizar todos os prejuízos que tivemos com estes estudos, que já estão relacionados pelos técnicos da FEMA e da Sphan – Pró-Memória, que foram na nossa área. 

É o que pedimos, esperando a atenção de Vossa Excelência. 

 

Orivaldo Nambikuara Halotestu 

Eutímio Nambikuara

Fuado Antenor Nambikuara 

Daniel Nambikuara Wakalitesu  

João Maxixe Nambikuara Wakalitesu 

Donaldo Kithâulu 

Jônatas Kithâulu

Francisco Manduca.

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/representacao-para-que-procuradoria-geral-da-republica-defenda-interesses-dos

Original: 1989.11.07 Das Lideranças Nambikuara para o Procurador Geral da República

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