Das organizações indígenas para ministro da saúde

Brasília, 22 de junho de 2005.

Ao

Excelentíssimo Senhor 

Ministro da Saúde

Humberto Costa

 

Prezado Senhor:

 

Nós, lideranças abaixo assinadas, dirigentes de organizações indígenas conveniadas com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e/ou membros da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), atendendo demandas dos nossos povos e comunidades, vimos através desta expor:

1 – Avanços, problemas e desafios da gestão da saúde indígena

A gestão do atendimento à saúde indígena, através dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s), certamente tem tido avanços importantes nos últimos anos. Entre esses avanços destacamos, por exemplo, o incremento do orçamento para a saúde indígena, mesmo que não saibamos com detalhes a sua destinação.

O subsistema, porém, continua com sérios problemas que se não forem resolvidos, seguirão impedindo a execução de um atendimento mais eficaz junto às comunidades. Sobre muitos desses problemas, senhor Ministro, lideranças nossas já conversaram, em 27 de novembro de 2002, antes da posse do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, quando a vossa excelência era coordenador da equipe de transição do governo para a área da Saúde. Na oportunidade entregamos um documento expressando nossa confiança nos avanços que haveriam no novo governo. Muitos dos problemas, no entanto, continuam insolúveis e outros mais apareceram, agravando o quadro e as perspectivas da saúde indígena.

2 – Principais problemas do subsistema de saúde indígena

2.1. Falta de autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s). 

Os DSEI’s são hoje, em sua maioria, meros departamentos das coordenações regionais da FUNASA, que decidem todas as questões importantes e estratégicas, em detrimento de um atendimento mais ágil e eficiente. Consideramos também muito grave o uso político eleitoral que muitas dessas coordenações estão promovendo, e a presença de chefes de distrito e coordenadores regionais ligados a interesses regionais anti-indígenas.

2.2. Ausência de uma política de recursos humanos com formação específica, valorização e profissionalização de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e técnicos das próprias comunidades nos diversos segmentos da saúde.

Essa insuficiência de incentivo à formação, valorização de profissionais indígenas tem levado a uma relação onde não há eqüidade entre os índios e os profissionais de saúde, a deficiência no atendimento e à não valorização da medicina tradicional praticada por pajés e parteiras indígenas.

2..3. Falta de uma gestão participativa, com controle social efetivo.

A falta de um controle social eficaz e eficiente por parte das comunidades e lideranças indígenas, decorre da falta de compromisso da maioria dos coordenadores regionais e chefes de distrito em prover os recursos tanto para a capacitação continuada dos conselheiros como para o próprio funcionamento regular dos Conselhos Locais e Conselhos Distritais de Saúde, inviabilizando uma gestão realmente participativa, que envolva os indígenas no planejamento, execução, monitoramento e avaliação do atendimento à saúde indígena. Além da insuficiência de financiamento, também é rotina a falta de valorização dos conselheiros indígenas. O desrespeito às decisões por eles tomadas os desestimula muitas vezes a seguir participando das reuniões.

2.4. Municipalização da gestão da saúde indígena.

Rechaçamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena, promovida pelo Ministério da Saúde, através do Departamento de Saúde Indígena (DESAI), apesar dos “discursos” não reconhecerem isto. Exemplos desse processo são os termos de compromissos assinados por DSEIs e organizações indígenas com prefeituras por imposição do DESAI, e a grande facilidade das prefeituras em receberem recursos do Incentivo para Atenção Básica da SAS (PSF Indígena) sem critérios populacionais ou epidemiológicos, mesmo sem fazerem Prestação de Contas ou uma assistência minimamente satisfatória às comunidades indígenas. A tendência é preocupante, pois a concentração de verbas e do poder decisório nos municípios normalmente gera uso político –ou mau uso- dos recursos, enquanto isso os problemas da saúde indígena continuam insolúveis, perante a insensibilidade de prefeitos e secretários de saúde. Somos por isso contra a municipalização da gestão da saúde indígena, decidida pelo Ministério sob critérios desconhecidos por nós.

2.5. Demora na regulamentação das parcerias com as organizações indígenas que atuam na Saúde Indígena.

A falta de regras claras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA, tem sido responsável por situações de conflito. Apesar de muitas vezes a FUNASA ter assumido o compromisso de implementar esta decisão, até agora nada foi feito neste sentido; ao contrário, o mecanismo de convênio torna-se cada vez mais burocrático e “pesado”, com atrasos permanentes nos repasses, não há investimento em equipamentos e capacitação gerencial, e nem se fala em outros termos de parceria ou fortalecimento institucional dos setores de saúde das Organizações Indígenas para fazerem frente aos problemas e desafios que decorrem deste processo. A FUNASA, porém, tende a debitar as falhas do sub-sistema às organizações indígenas conveniadas.

3 – Reivindicações

Em face à situação exposta, Senhor Ministro, solicitamos:

3.1. Garantia da autonomia administrativa e financeira dos DSEIs, visando mais agilidade e eficiência nos serviços de atendimento à saúde dos povos e comunidades indígenas.

3.2. Garantir a implementação integral do modelo de gestão da saúde construído a partir das Conferências Nacionais de Saúde Indígena e baseado nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS). Para isso é fundamental garantir a participação efetiva dos representantes dos povos indígenas no planejamento, na execução e avaliação das ações, priorizando os Agentes Indígenas de Saúde, Microscopistas Indígenas, Agentes da Medicina Tradicional e todas as demais funções que puderem ser desenvolvidas pelos próprios membros das comunidades, como preconizam a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ( OIT).

3.3. A capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para garantir uma fiscalização e monitoramento eficiente da aplicação dos recursos e da execução das ações da FUNASA.

3.4. A estruturação da FUNASA para assumir de fato suas responsabilidades com a saúde indígena e impedir a municipalização da gestão do setor. 

3.5. A criação de regras claras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA, conforme deliberação explícita da última Conferência Nacional de Saúde Indígena, ratificada pela XII Conferência Nacional de Saúde.

3.6. Garantir ampla participação dos povos e organizações indígenas na construção e realização da próxima Conferência Nacional de Saúde Indígena.
 

Assinam:

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indígena de Roraima (Cir), da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja),  Associação dos Povos Indígenas de Tumucumaque (Apitu), Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) e várias lideranças que compõem a Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi).

 

Fonte: Coiab; http://www.coiab.com.br/jornal.php?id=304

CARTAS RELACIONADAS