Brasília, 08 de maio de 1985

Das Lideranças do povo Kaxinauá para o Ministro da Reforma Agrária

Excelentíssimo Senhor Ministro da Reforma Agrária, Dr. Nelson Ribeiro.

         Nós somos a liderança do povo Kaxinauá do Rio Jordão, do município de Taraucá-Acre, formada por 800 Índios. Vimos em sua presença e em seu Ministério fazer as seguintes reivindicações:

         1) O Presidente da República do Brasil já assinou o Decreto nº 90.645 para a demarcação da nossa área indígena Rio Jordão (92.000 hectares), no dia 10 de dezembro de 1984. Desde então já se passaram quase 5 meses e até hoje não ouvimos falar quando é que vão mesmo demarcar as nossas terras. Vimos resolver aqui na FUNAI essa questão, mas até agora, não tivemos com quem falar porque ainda não foi escolhido o novo Presidente do orgão. Sob a situação da FUNAI o senhor tomará conhecimento lendo as denúncias e reinvindicações apresentadas pela União das Nações Indígenas (UNI) em documento em anexo. Por isso, viemos falar diretamente com o Sr. Ministro, porque é responsável por fazer a reforma agrária em todo o nosso país, inclusive demarcando as nossas áreas indígenas. Queremos lhe dizer, Sr. Ministro, que decidimos junto com toda nossa comunidade; que nós mesmos vamos começar a demarcação de nossa área indígena, no mês de junho próximo. Já estamos cansados de esperar pelas promessas da FUNAI, porque desde 1975 aquele órgão promete demarcar a nossa área do rio Jordão e até agora não demarcou. Promessa, pra nós, é dívida. Sabemos que a FUNAI não tem recursos suficientes para demarcar a nossa área, também sabemos que seu Ministério também não dispõe desses recursos. Não estamos aqui atrás de dinheiro, muito menos esmolas ou presentes para nós próprios. Nós, Kaxinauá, não precisamos disso. Nós mesmos, índios, vamos demarcar por conta própria e nem o seu Ministério não vai precisar pagar Cr$ 400.000.000 de cruzeiros como a FUNAI pagou no ano passado ao Serviço de Topografia do Exército para demarcar a área dos lauanaua/Katuquina do Rio Gregório, da mesma extensão da nossa área e localizada no mesmo município de Tarauacá, em 1984. Prá demarcar a nossa terra não vamos exigir dinheiro de seu Ministério. Simplesmente reivindicamos que o Sr. O Ministro autorize um Cartógrafo ou Topógrafo, de seu Ministério para acompanhar o nosso trabalho de demarcação para dar algumas orientações técnicas, porque nós conhecemos muito bem quais são os limites de nossas terras e seringais. Sabemos que os limites de nossa área é pelas terras “chefe”, pelos divisores de águas, que separam o Jordão dos outros rios da nossa vizinhança, como o Tarauacá, o Breu e o Tejo. Fazendo o serviço pelas “terras-divisor”, nós estaremos também respeitando os limites dos seringais que não nos pertencem, não criando nenhum problema com os proprietários da vizinhança.

         2) Vamos fazer por conta própria a demarcação de nossa área, mas precisamos também de recursos para financiar as nossas safras anuais de borracha. Além de um povo indígena, somos também povo de índios-seringueiros do Acre. Estamos produzindo, todos anos, 26 toneladas de borracha, contribuindo desse modo para o desenvolvimento de nossa região. Também não estamos pedindo estes cursos de graça. Queremos condições para financiar nossa safra de borracha, pelo menos nas mesmas condições que os seringalistas de nossa região acreana são financiados pela Sudhevea e pelo Banco da Amazônia. Estamos sofrendo uma exploração econômica muito grande, Sr. Ministro, porque somos obrigados a vender por antecipação de 6 a 8 meses as nossas produções de borracha, para esses mesmos patrões seringalistas financiados pela Sudhevea. Por não dispor de financiamentos próprios, somos obrigados a vender nossa borracha a preços muito inferiores ao preço de mercado, de aproximadamente 75% abaixo do preço mínimo estabelecido pelo Governo para borracha Estes comerciantes ou atravessadores chegam também a ter lucros muito grande quando nos vendem as mercadorias (estivas; armas e munições, instrumentos de trabalho, tecidos, remédios e miudezas) que são necessárias ao nosso fabrico de borracha Somos bem dizer, duas vezes explorados. Também não estamos lhe pedindo dinheiro, nem que este financiamento seja dado de graça. Queremos pagar integralmente, sem exploração econômica, do mesmo modo que os seringalistas de nossa região. Ou dispomos de recursos para continuar ocupando produtivamente as 300 estradas de seringa existentes dentro de nossa área, ou nunca poderemos garantir a posse plena das riquezas ali existentes. Na nossa região, o Sr. Ministro, ter condições para financiar as nossas safras extrativistas e realizar a comercialização de nossa borracha por conta própria, é tão importante quando a demarcação de nossas terras. Por isso, estamos lhe solicitando que interfira junto ao Ministério da Indústria e Comércio e a Sudhevea, que faça um convênio entre a FUNAI/Governo do Estado do Acre/Comissão-Pró-Índio do Acre, para que possamos financiar anualmente as 26 toneladas que nosso povo Kaxinauá do Rio Jordão produz anualmente.

         Certos de que seremos compreendidos e atendidos nessas duas simples reinvindicações que lhe apresentamos, esperamos que o Sr. Ministro da Reforma Agrária, Dr. Nelson Ribeiro, as analise com atenção e carinho.

Getúlio Sales Kaxinauá
Chefe da Aldeia Kaxinaua do rio Jordão

Ozair Sales Kaxinauá
Conselheiro das aldeias Kaxinauá do rio Jordão

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-min-nelson-ribeiro-da-reforma-agraria-sobre-questao-da-demarcacao-da-ai

Original: 1985.05.08 Das Lideranças do povo Kaxinauá para o Ministro da Reforma Agrária

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