CARTA ABERTA ÀS LIDERANÇAS INDÍGENAS E PARTICIPANTES DA
XXXVII ASSEMBLÉIA GERAL DOS POVOS INDÍGENAS DO ESTADO DE RORAIMA
Prezados parentes e amigos,
A saúde indígena em Roraima está atravessando a sua mais grave crise desde a criação dos Distritos Sanitários Indígenas pelo governo federal no ano de 1999. Os parentes Yanomami estão sem uma assistência de saúde permanente, e a maior parte de suas comunidades está sendo atendida por trabalhadores temporários desde que o convênio com a Fundação Universitária de Brasília foi suspenso devido a denúncias de irregularidades. O Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima está também com sua assistência seriamente comprometida, provocando o aumento de doenças e da mortalidade, a superlotação da Casa de Saúde do Índio em Boa Vista, e gerando uma enorme insatisfação nas comunidades em relação à Fundação Nacional de Saúde – FUNASA e ao convênio administrado pelo CIR. As principais causas para esta situação são as seguintes:
- Sucateamento dos veículos e equipamentos de saúde – A situação da frota de veículos a serviço do Convênio CIR-FUNASA é dramática, colocando em risco a vida dos profissionais, pacientes e usuários dos serviços de saúde; todas as vinte e uma camionetes do convênio estão com mais de cinco anos de uso intensivo, em condições de estradas extremamente precárias, sendo quinze camionetes com mais de oito anos de uso; OS custos de manutenção e o tempo parado para conserto após as viagens aumentam a cada ano; a direção da FUNASA de Brasília prometeu repassar para o convênio quatro camionetes novas adquiridas no final de 2007, mas a coordenação regional da FUNASA agora está falando em repassar apenas duas; os mesmos problemas ocorrem em relação aos sistemas de radiofonias, microscópios, balanças, bicicletas e demais equipamentos para as equipes e postos de saúde.
- Falta de medicamentos e materiais básicos para os postos de saúde e laboratórios – A aquisição de medicamentos básicos e de materiais médicos para os postos de saúde é de responsabilidade da FUNASA, que repassa para o convênio fazer a distribuição e controle do estoque nas comunidades; as duas últimas remessas enviadas pela FUNASA para o quarto trimestre de 2007 e primeiro trimestre de 2008 correspondem a menos de dez por cento das necessidades do convênio, faltando principalmente os itens mais utilizados como antibióticos e remédios para a febre; os postos de saúde estão totalmente desabastecidos, causando o aumento de doenças e de remoções de pacientes para Boa Vista e para as sedes dos municípios.
- Diminuição drástica das horas de vôo destinadas à assistência – As regiões do distrito sem acesso por via terrestre abrangem atualmente um número de 42 comunidades e 3.500 habitantes, o que aumenta no período de inverno de acordo com a sua intensidade; a necessidade de frete de aeronaves para atender estas comunidades está em 1.800 horas de vôo por ano, com uma média de 150 horas de vôo por mês, nas atividades de imunização (quatro visitas por ano), controle de endemias (três visitas por ano em média), assistência médico-odontoló gica, supervisão e abastecimento dos postos de saúde, vigilância epidemiológica, remoção e retorno de pacientes, capacitação de recursos humanos e controle social; no ano de 2007 as horas de vôo foram reduzidas em mais de quarenta por cento em relação ao ano anterior, alcançando um total de 1.021 horas de vôo cedidas para o convênio, o que comprometeu seriamente a assistência nos pólos-base da Pedra Preta, Caracanã, Campo Formoso e Serra do Sol
- Atrasos freqüentes nos repasses para o funcionamento do Convênio CIR-FUNASA – No ano de 2007 houve um atraso de três meses no repasse da parcela do convênio efetivada no mês de outubro, e no início de 2008 a parcela que deveria ter sido repassada no mês de fevereiro se encontra novamente atrasada; a situação administrativa do convênio é considerada exemplar pela própria FUNASA e as prestações de contas são encaminhadas sempre dentro dos prazos estabelecidos; as eventuais pendências encontradas não justificam a freqüência e a intensidade dos atrasos que são observados em praticamente todos os convênios da FUNASA no país; esta situação provoca o atraso no pagamento dos salários dos profissionais e agentes de saúde, comprometendo a continuidade da assistência prestada às comunidades devido à falta das condições mínimas para a alimentação das equipes, manutenção de veículos, aquisição de insumos e o próprio funcionamento da sede em Boa Vista, levando à suspensão de inúmeras atividades na área e determinando sérios riscos para a integridade das comunidades envolvidas.
Apesar de todos estes graves problemas, conquistamos importantes vitórias no ano de 2007: o reconhecimento profissional dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS), obtido por meio da certificação promovida pela Escola Técnica de Saúde do SUS (ETSUS-RR), e sua regularização trabalhista através da contratação via CLT pelo Convênio CIR-FUNASA; a redução de 50% na incidência de Malária pelo segundo ano consecutivo nas comunidades indígenas; a manutenção de índices satisfatórios de Cobertura Vacinal em todas as comunidades; a continuidade dos programas de atenção básica à saúde, de capacitação de profissionais indígenas de saúde, e de apoio ao controle social e gestão participativa. Estas conquistas só foram possíveis graças ao empenho dos agentes indígenas de saúde e de endemias, microscopistas indígenas, profissionais de saúde, conselheiros e lideranças indígenas de todas as comunidades.
O gestor público deve cumprir o que determina a Constituição Brasileira, a Política Nacional da Saúde Indígena e as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde, assegurando as condições adequadas para o funcionamento efetivo dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
Onde está o compromisso do governo com os povos indígenas?
É preciso destravar a saúde indígena!
Chega de irresponsabilidade!
Clóvis Ambrósio
Setor de Saúde do CIR / Convênio CIR-FUNASA
Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador Rafael Xucuru-Kariri.