Manaus - Amazonas, 17 de novembro de 1984

Da Associação Indígena Pari Cachoeira (AIPAC) para Álvaro Tukano

Ilmo. Sr.
ÁLVARO SAMPAIO TUKANO                   Associação dos Indígenas Pari
Rua Caiubi, 126 – Perdizes                                     Cachoeira (A I P A C)
05010 – SÃO PAULO – SP.                                     Estado do Amazonas

 

Estimado primo Álvaro.

Faço-te esta carta em nome da AIPAC e nas mesmas circunstâncias da mensagem cuja cópia faço anexa, isto é, de acordo com entendimento com os companheiros DICO, CHIQUINHO, JOÃO BOSCO, GABRIEL, FLÁVIO, JOÃO, PAULO MENDES e outros que temos por você um grande aprêço. O Paulo Lucena também lhe manda um fraterno abraço. 

A dita mensagem está por nós sendo levada a todas as lideranças indígenas do Amazonas. Estamos dando os primeiros passos para a organização do nosso projeto de luta referido na mencionada mensagem (leia-a). O assunto secreto (por motivos de segurança) a que nos referimos constitui os objetos prioritários das nossas reivindicações a saber:  

              a. Substituição do atual Delegado Regional da FUNAI no Amazonas – Lúcio da Costa, recentemente nomeado. Queremos que nossas lideranças comunitárias es democraticamente o Delegado, no caso sendo o nome debatido, e aceito por maioria esmagadora, o seu Álvaro Sampaio;
              b. Que, à medida do possível, tendo inclusive como critério de aproveitamento a habilitação profissional e funcional dos recursos humanos, o funcionalismo da Delegacia Regional e seus departamentos, seja exercido por elementos indígenas capazes;
              c. Que os postos indígenas, bases avançadas e ajudâncias da FUNAI, também, à medida das capacidades individuais e dos recursos humanos disponíveis, sejam exercidos por elementos indígenas da área.
              d. Que seja admitida pela FUNAI a existência permanente de uma espécie de “Conselho de Caciques” ou de líderes tribais de reconhecida identidade, indicados pelas próprias comunidades indígenas através de suas representações legítimas, e mantidos em suas funções no Conselho às expensas da FUNAI, assumindo por mandato periódico e na forma de Delegação, os encargos de supervisionar, fiscalizar e até propor substituições na administração regional da Delegacia, sobre o Delegado e demais altos Dirigentes Setoriais da DR.

Álvaro, este é um movimento de baixo pra cima que está surgindo espontaneamente, com muita força e muita garra pelo menos nas idéias e nas vontades. E nós não queremos nel as presenças ostensivas, como tem sido anteriormente, dessas manjadas entidades de brancos, ou pessoas não indígenas, como dissemos na MENSAGEM. Individualmente, no entanto, desde que sugerido internamente e aceito pelo grupo em consenso absoluto, e reconhecido como pessoa autenticamente ligada às nossas causas, é claro que não podemos dispensar ajuda fraterna e algum branco ou entidade de branco, aliás, como é o caso do nosso reconhecido amigo Paulo Lucena, que você conhece como pessoa bem intencionada e comprometida com os nossos problemas. Aliás, ele é nosso emissário ao Alto Solimões onde goza de conceito e estima dos povos indígenas da área. Esta é uma colaboração muito importante.

Estamos pensando num método de arregimentação bem prático e que de fato tenha representatividade e grande poder de pressão. Vamos estabelecer o debate profundo e demorado em cada comunidade, ouvindo sugestões das bases para levar a efeito o projeto final, cujo objetivo de luta será ocupar a sede da FUNAI, em Manaus, e exercer grandes pressões pacíficas mas enérgicas para demissão do Delegado e obtenção das reinvindicações acima expostas.

Cada comunidade emitirá um abaixo assinado coletivo crexenciando um ou dois líderes para representá-la e ser seu portavoz no movimento, evitando assim maiores despesas de estadia em Manaus.

Só do Alto Solimões esperamos ter mais de vinte comunidades representadas, e do Alto Rio Nggro outras tantas, enfim, há possibilidades de reunirmos em Manaus cerca de 60 (sessenta) líderes tribais DA MAIS ALTA CATEGORIA.

Agora surge-nos a questão do orçamento para suportar a estadia de toda essa gente na capital amazonense por mais de 15 dias, mesmo sabendo-se que o próprio prédio da Delegacia Regional poderá ser ocupado por nós e utilizado como acampamento, e que em tais circunstâncias de crise provocada o problema de alimentação torna-se menos difícil do que outras coisas.

Fazemos esta carta para motivá-lo, Álvaro, e chamá-lo também à luta. Esperamos da sua brilhante inteligência e de outros companheiros autênticos da UNI as contribuições necessárias e fortalecedoras ao sucesso deste projeto de luta em perspectiva, principalmente nestes três aspectos:

              a. Apoio moral e técnico à condução do movimento;
              b. Auxílio financeiro de terceiros por seus intermédios para a sobrevivencia na luta que, sabemos, não será fácil;
              c. Divulgação da luta perante a opinião pública.

Imaginamos até que, através de você e da UNI, o deputado Mário Juruna poderia também nos dar uma força (?), como apoio político e ajuda financeira também.

Ficamos na expectativa de uma resposta sua com brevidade.

                        Um abraço do primo e companheiro,
                        Américo Maranhão Tukano.
                        da AIPAC

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-alvaro-sampaio-tukano-sobre-o-projeto-de-luta-da-aipac

Original: 1984.11.17 Da Associação Indígena Pari Cachoeira (AIPAC) para Álvaro Tukano

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