Aos Tuxauas
Aos Professores Indígenas
Aos Agentes Indígenas de Saúde
Ao Movimento de Mulheres Indígenas
Prezados Senhores e Senhoras, na Assembléia dos Tuxauas, realizada em fevereiro deste ano, foi decidido que as comunidades indígenas apoiariam os candidatos indígenas nas eleições de 1998. O assunto foi discutido em reuniões ampliadas e foram lançadas as candidaturas de Nelino Galé e José Adalberto Silva para o cargo de deputado estadual.
Em outras eleições as comunidades já haviam decidido desta mesma forma sem que tenham cumprido seus compromissos. Mas nesta eleição parecia ser diferente. Parecia que havia maior consciência dos nossos parentes, pois além dos candidatos indígenas já terem feito muitos trabalhos para as comunidades, foram tantos cursos, tantos debates, tantas críticas aos políticos que compram os votos e depois trabalham contra os direitos indígenas, que não podia-se imaginar que seria repetido a venda de voto e a falta de compromisso por parte dos eleitores indígenas.
Realizamos assembleia no Maturuca, onde foi decidido que as comunidades não aceitariam as churrascadas com cachaça, compra de votos e manipulação de lideranças. Promovemos debate com os candidatos ao governo e levamos o resultado para as bases. Mas as notícias que recebíamos só falavam da venda de votos.
Por isso, os candidatos indígenas receberam uma votação pequena. E muitos eleitores indígenas ainda falavam que de forma nenhuma votariam em índio.
Essas questões merecem maiores reflexões. Precisamos saber o que realmente as comunidades pretendem. Muitas vezes falamos que os políticos compram os votos, mas tudo indica que são as próprias comunidades que se vendem.
Qual é o verdadeiro sentido de comunidade para as lideranças? A comunidade realmente significa uma forma de organização séria ou um modo de demonstrar força para receber dinheiro do governo?
Será que as comunidades querem fazer um trabalho sério ou só querem aproveitar os benefícios que conseguimos?
Porque as lideranças tomam decisões c assinam documentos sobre assuntos sérios, mas não cumprem os compromissos assumidos?
Será que os tuxauas realmente têm liderança?
Para que está servindo a educação diferenciada que os professores tanto defendem quando falam sobre a sociedade que temos e a sociedade que queremos?
Será que os agentes indígenas de saúde apenas estão preocupados com os benefícios pessoais e não reconhecem os esforços da entidade para manter o programa de saúde?
Os tuxaua, professores e agentes indígenas de saúde estavam fazendo boca de urna para os políticos contrários aos nossos direitos. Assim, quem é que representa as comunidades? São os políticos ou o CIR?
O movimento de mulheres indígenas realmente tem como objetivo defender os direitos indígenas ou é mais uma forma de demonstrar força política para conseguir recursos?
A igreja teve um papel importante na nossa luta e diz que defende a autonomia dos povos indígenas. Mas nas eleições não respondeu duas cartas em que o Conselho pediu apoio para os candidatos índios. Pelo contrário, os missionários organizaram cursos para levar os candidatos brancos para as comunidades indígenas.
Será que a igreja realmente quer a autonomia dos povos indígenas? E se quer, porque com tantos anos de trabalho com recursos recebidos pela Diocese, as comunidades ainda continuam na dependência?
A igreja não gera recursos próprios e vive de doações. Será que não foram os próprios missionários que acostumaram às comunidades a viverem com doações?
Qual o trabalho concreto dos catequistas? Estão servindo para melhorar a consciência sobre os direitos ou apenas fazem evangelização se aproveitando da luta pela demarcação das terras?
A nossa entidade tem procurado oferecer o melhor apoio para as comunidades. Temos feito muitos esforços para conseguir parcerias com os órgãos do governo brasileiro e de outros países, bem como de entidades nacionais e internacionais para garantirmos nossos direitos. Na medida do possível, estamos conseguindo bons resultados na demarcação das terras, compra de gado, assinatura de convênio com à FNS para atuação dos agentes indígenas de saúde, e contratação de professores indígenas para nossas escolas.
Até em questões que não tínhamos a previsão de trabalhar, como foi o caso das secas e queimadas, durante o período de junho a setembro garantimos a alimentação para 3.860 famílias com a distribuição de 534 toneladas e 425 kg de alimentos; levamos água para 09 comunidades e o hospital São Camilo-Surumu; incentivamos a produção agrícola com 190 toneladas de maniva, 31 toneladas de sementes de milho, 90 kg de sementes melancia e 47 kg de sementes de gerimum.
Merece destacar que o nosso objetivo é fortalecer as comunidades e torná-las autônomas. De forma alguma pretendemos nos transformar em uma instituição assistencialista. E muito menos atuar para alcançar resultados na política partidária. Inclusive, os candidatos indígenas não participaram da distribuição de alimentos para que ninguém relacionasse o trabalho do CIR com campanhas políticas. Talvez seja o momento para assumirmos o desafio da luta do movimento indígena e deixar de lado o item “Politica Partidária”, para passarmos a discutir “Política Indígena”.
Assim, temos duas situações: de um lado trabalhamos para fazer respeitar os direitos das comunidades e de outro, os políticos compram a consciência dos índios e não índios. Cabe às comunidades decidirem o caminho que vão seguir. Principalmente aos tuxauas, professores, movimento de mulheres e catequistas por serem lideranças participativas de nossa organização. Se a decisão é continuar vendendo a própria consciência, para que servirá os nossos projetos, cursos, debates, reuniões de educação diferenciada, e principalmente a entidade?
Infelizmente as lideranças ainda continuam entrando no jogo dos políticos. Não foram os candidatos indígenas que perderam as eleições. Os verdadeiros derrotados foram as comunidades que venderam seus votos.
Finalmente, no dia 6 de outubro de 1998, ligou no escritório do CIR um tuxaua para denunciar que tinha ouvido na rádio o senador eleito Mozarildo Cavalcante, falando em acabar com a FUNAI e em passar a competência da questão indígena para o governo estadual. Lembramos que o governador manifestou-se publicamente contrário à demarcação das terras indígenas. Destacamos que o dito senador foi eleito com os votos das áreas rurais, onde são os votos indígenas os que fazem a diferença.
Esperamos que este chamado de atenção nos sirva para repensar o caminho do movimento indígena, de tal maneira que possamos encarar satisfatoriamente os grandes desafios que temos pela frente.
Atenciosamente,
Jerônimo Pereira da Silva e Jose Adalberto Silva.