Brasília, 22 de outubro de 2007.

Das Organizações Indígenas para a SECAD

Ilmo. Secretário

Sr. André Luiz Figueiredo Lázaro

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD

Ministério da Educação – MEC

Esplanada dos Ministérios – Bloco L – Ed. Sede – 7º Andar

70200-670 – Brasília – DF

 

Prezado Senhor Secretário,

 

Cumprimentando- o, vimos novamente manifestar nossa preocupação em relação aos novos procedimentos anunciados pelo MEC para a disponibilização de recursos para as ações de educação escolar indígena no Brasil. 

As organizações indígenas e indigenistas que compõem a Rede de Cooperação Alternativa – RCA Brasil, enquanto organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, dependem para a execução de suas atividades de recursos provenientes da cooperação internacional e dos recursos disponibilizados, por meio de editais, pelo Governo brasileiro.  

Nos últimos anos, o apoio da cooperação internacional para programas de educação indígena no país tem diminuído. Este apoio foi, durante anos, fundamental para a criação e sistematização de experiências inovadoras no campo da educação indígena, conduzidas por organizações não governamentais, que serviram de referência para a atual política de educação escolar indígena no país. Em anos recentes, as propostas do movimento indígena e indigenista em prol de uma educação diferenciada impactaram positivamente a legislação e as políticas públicas. Nesse novo cenário, em que parcerias entre governo e sociedade civil organizada foram estabelecidas, a cooperação internacional iniciou um processo de diminuição do apoio financeiro a várias iniciativas que passaram a contar com o apoio do Governo brasileiro. No caso da educação indígena, este apoio veio num primeiro momento por meio de seleções públicas com recursos do PNUD e, no atual Governo, com recursos do FNDE, por meio de resoluções específicas. Hoje, o suporte da cooperação internacional limita-se a apoios institucionais, pelos quais as organizações não governamentais oferecem, como contrapartida, a realização de cursos/ oficinas/ elaboração de material didático, passíveis de serem implementados com os recursos que vinham sendo obtidos, em editais anuais, junto ao FNDE e, mais recentemente, pela CAPEMA 

As novas diretrizes recém estabelecidas pelo MEC, anunciadas durante a audiência que a RCA Brasil teve com o Senhor Secretário, posteriormente confirmadas pelo Diretor Prof. Armênio Schimdt durante a última reunião da CNPI e postadas na lista superior indígena como nota técnica assinada por Susana Guimarães Grillo, impedem às organizações da sociedade civil, indígenas e indigenistas, o acesso a estes recursos, que serão doravante repassados somente para as instâncias governamentais (secretarias estaduais de educação) Sabemos que a obrigação legal pela oferta da educação escolar indígena é dos Estados, obrigação que esta nova orientação e a resolução do Governo federal vêm reforçar, ao mesmo tempo em que alija atores fundamentais deste campo de relações, notadamente as organizações indígenas, entre as quais as de professores indígenas, e as organizações não governamentais de apoio aos índios, que conduzem vários e importantes programas de formação de professores indígenas. 

Ao determinar como ator principal os sistemas de ensino estaduais e direcionar os recursos federais exclusivamente a eles, o MEC indiscriminadamente altera a correlação de forças nos contextos estaduais e locais, onde ocorrem inúmeros enfrentamentos, desconsiderando a atuação das organizações indígenas e indigenistas, as quais, muitas vezes, contaram com apoio do próprio MEC para validar processos e fazer avanços na consolidação do direito dos índios a uma educação diferenciada e de qualidade. 

No nosso entender a nova sistemática de financiamento proposta pelo MEC retira, nos contextos locais, todo e qualquer protagonismo indígena e indigenista, submetendo-os aos sistemas de ensino que, em várias regiões do país, não contam com quadro técnico especializado, apresentam baixa capacidade operacional, pouca visibilidade e pouca importância administrativa. Ao encaminhar esta nova sistemática, o MEC coloca em risco as ações educativas que as organizações não governamentais, entre elas as que compõem a RCA Brasil, vêm desenvolvendo, e retira a nossa autonomia na interlocução com as secretarias de educação. 

Neste novo contexto político desenhado pelo MEC, e com a ausência do apoio internacional para a educação escolar indígena, necessitamos urgentemente definir a nossa relação com o Estado brasileiro, não só quanto ao mecanismo de repasse de verbas, mas principalmente quanto ao lugar da interlocução da sociedade civil organizada com o Governo federal nas ações de educação indígena. 

Após nossa audiência, permanecemos aguardando a proposta do MEC quanto à continuidade do financiamento dos programas que estamos conduzindo junto a diferentes povos indígenas em várias regiões do país. Entendemos que uma tentativa de resposta veio com a nota “Educação Escolar Indígena – Ministério da Educação – PDE/PAR Indígena”, quando em seu último item se afirma que

“14 Quanto à parceria com as organizações não-governamentais, elas se darão no âmbito do PAR com os Estados onde existe essa possibilidade de articulação. Onde esse modelo não for possível a SECAD fará os convênios, mediando a articulação das ongs com o PAR”.

Porém, gostaríamos de reafirmar nossa preocupação com o fato de que, até o presente momento, o MEC não nos apresentou os mecanismos que pretende implementar para propiciar o diálogo e o acordo de parceria com as propostas encaminhadas pelos Estados, nem indicou os caminhos e as possibilidades que serão construídas para os contextos locais onde o trabalho que estamos conduzindo desafia e questiona as práticas dos sistemas de ensino, e que, nos últimos anos, contaram com apoio, não só financeiro mas também político, por parte do MEC. 

Como nos aproximamos do final do ano, sem que esta questão tenha sido encaminhada, estamos seriamente preocupados com os cursos de formação, inicial e continuada, de formação de professores indígenas que vimos desenvolvendo nos últimos anos e que correm o risco de serem interrompidos abruptamente pela falta de financiamento por parte do Ministério da Educação. Em 2007 não contamos com qualquer apoio financeiro do MEC para a realização dos cursos de formação, a não ser os recursos que foram alocados em 2006 e tiveram sua execução prorrogada para este ano. E nos aflige caminharmos para 2008 sem que esta questão esteja equacionada, ocasionando a interrupção de programas inovadores e de longa duração, que contaram com recursos públicos e da cooperação internacional nos últimos anos. Haverá um grande impacto negativo nos processos de formação que estamos conduzindo com a interrupção deste financiamento, afetando professores e comunidades indígenas. 

Finalmente, a RCA Brasil reitera seu interesse, enquanto uma instituição que detém significativo conhecimento e relações de confiança acumuladas durante anos de trabalho junto a várias comunidades indígenas, em assegurar a continuidade de suas ações na área da educação indígena, pois elas continuam sendo paradigmas da possibilidade de melhoria na qualidade na educação ofertada aos povos indígenas e de redirecionamento das ações do Estado brasileiro, em seus diferentes níveis, rumo ao cumprimento dos dispositivos constitucionais de respeito e valorização à diversidade étnica em nosso país. 

 

ATIX – ASSOCIAÇÃO TERRA INDIGENA XINGU

CCPY – COMISSÃO PRÓ-YANOMAMI

CPI/AC – COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DO ACRE

CTI – CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA

FOIRN – FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO RIO NEGRO

IEPÉ – INSTITUTO DE PESQUISA E FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO INDÍGENA

ISA – INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL

OPIAC – ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS DO ACRE

WYTY-CATË – ASSOCIAÇÃO DOS POVOS TIMBIRA DO MARANHÃO E TOCANTINS

RCA BRASIL – REDE DE COOPERAÇÃO ALTERNATIVA BRASIL

CC. Câmara Básica do Conselho Nacional de Educação – CNE

CC. Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI

CC. Procuradoria da República – 6ª. Câmara

CC. Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas

 

Fonte: https://rca.org.br/2007/10/carta-a-andre-lazaro/

 

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