Da COIAB para o Presidente Lula

Manaus, 09 de agosto de 2006.  

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), como instância máxima de articulação do movimento indígena  nesta região, vem por meio desta nota pública manifestar o seu apoio e solidariedade aos povos e organizações indígenas do Xingu, que há alguns meses vêm se posicionando e mobilizando contra a implantação de empreendimentos hidrelétricos que impactarão de forma irreversível as suas terras, ameaçando de morte o Rio Xingu e afluentes, os peixes e outras formas de vida, enfim, os recursos naturais e da biodiversidade que compõem o bioma local, e exigindo pela inoperância da Funai e pela prática antiindígena de seu Presidente, a exoneração do antropólogo Mércio Pereira Gomes.

  A indignação pela gestão adversa aos interesses indígenas do Senhor Mércio Gomes, fica evidente quando caciques, lideranças e organizações indígenas de diferentes regiões da Amazônia se posicionam publicamente apoiando as demandas do movimento indígena do Xingu. Assim, lideranças Kaiapó, presididos pelo cacique Raoni,  depois de impugnar a construção da BR 163, Cuiabá-Santarém, e de se queixar da falta de apoio da Funai, afirmam e exigem: “Este presidente que está na Funai não gosta de índio. Nós não confiamos mais nesse presidente. Ele só fala nos jornais que índio tem muita terra. Pouco índio para muita terra. Desde que ele falou isso, perdemos a confiança nesse Mércio Pereira Gomes. Ele vem comparando a terra dos índios com as terras dos países da Europa e alguns estados do Brasil. Para nós está claro que ele quer diminuir a terra dos índios. Presidente (Lula) tirem logo este presidente da presidência da Funai. Está na hora de um índio assumir o comando da Funai”. Da mesma forma a Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (OPIN) manifesta apoio ao movimento indígena do Xingu, endossando o pedido de exoneração imediata do Presidente da Funai, Mércio Gomes, a nomeação de um índio no cargo e a construção de uma política indigenista que atenda as necessidades e perspectivas dos povos indígenas O Conselho Indígena Tapajós (CITA), também se diz revoltado com a situação vivida pelos povos indígenas e solidário com os povos indígenas do Xingu que exigem a retirada de Mércio Gomes da presidência da Funai. Pois se não atende a nós indígenas quem ele atende? Se não está a favor da causa indígena está contra, afirma o Citado. A Organização Indígena de Tocantins (OIT) também se manifesta a favor da reivindicação do Movimento Indígena do Xingu, pedindo a retirada imediata do presidente da Funai, preferindo um índio à frente do órgão indigenista. O Conselho Indígena Mura (CIM), também se solidariza e concorda com as reivindicações dos povos indígenas do Xingu, uma vez que a Funai não tem mesmo ajudado a resolver os problemas dos povos indígenas.

  A Coiab entende como justas e adere o posicionamento de suas organizações de base e exige do Governo Lula a exoneração imediatamente do Senhor Mércio Gomes do cargo de presidente da Funai, por ter sido nos últimos anos, de fato um dos não índios que mais trabalhou contra os direitos indígenas mesmo presidindo o órgão que tem por obrigação zelar pela garantia dos direitos indígenas.

  Em efeito, entre outros feitos, Mércio Gomes é o principal responsável pela paralisia das demarcações das Terras Indígenas, chegando a declarar publicamente, de forma deslavada, que está na hora do Supremo Tribunal Federal (STF) limitar o direito territorial dos povos indígenas, que já teriam ou querem terra demais. A serviço de um Ministro da Justiça que não queria saber nada da questão indígena, Mércio exerceu no Governo Lula o papel de amortecedor das demandas e reivindicações dos povos e organizações indígenas, organizações estas que ele não reconhece como interlocutores legítimos.

  O Senhor Mércio Gomes, sempre justificou a sua má gestão com o limitado volume de recursos disponíveis  no orçamento da Funai. No entanto, conforme denuncias veiculadas em jornais e revistas de circulação nacional nas últimas semanas, para ele nunca faltaram recursos, de tal forma que o Tribunal de Contas da União está investigando o porquê o presidente da Funai teria gastado 252 mil reais na compra de 235 bilhetes aéreos nos últimos 35 meses, em viagens principalmente para o Rio de Janeiro (118), alguns para fora do país e outros poucos para terras indígenas.

  É esse o tipo de gestor que o Governo do Presidente Lula mantém a frente do órgão indigenista, endossando práticas que afrontam a dignidade dos povos indígenas e constituem ofensa para as condições de miséria e morte em que muitos destes povos vivem, decorrentes da falta de regularização, desintrusão ou proteção de suas terras e da ausência ou precariedade das políticas públicas de saúde, educação e sustentabilidade  voltadas a eles.

  Por tudo isto, a Coiab exige que o Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva atenda com urgência  as demandas dos povos indígenas do Xingu, comuns a muitos povos da Amazônia, no sentido de colocar fim a quaisquer procedimentos de licenciamento ou implantação de empreendimentos hidrelétricos que impactam Terras Indígenas, que acontecem sem garantir a esses povos o direito ao consentimento prévio e informado, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Constituição Federal.

  A Coiab exige ainda, acompanhando o grito de suas bases, a exoneração imediata do antropólogo Mércio Pereira Gomes, provadamente contrário aos interesses dos povos indígenas, que aspiram a ter um novo patamar de relacionamento com a Funai e todos os órgãos de governo envolvidos com os direitos indígenas, no contexto de uma nova política indigenista há muito tempo prometida pela atual administração federal.

  A Coiab exige, por fim, que o Governo Lula, dê uma demonstração de vontade política e de identificação histórica com as causas populares e sobretudo indígenas, regularizando as terras indígenas conforme prometeu na campanha eleitoral de 2002, resolvendo situações graves de abandono na saúde indígena como no Vale do Javari e no Mato Grosso do Sul, reafirmando junto ao Fundo Global do Meio Ambiente (GEF) que o Projeto de Preparação do Programa Nacional de Proteção da Biodiversidade em Terras Indígenas, mais conhecido como GEF Indígena, é prioritário para seu Governo, e instalando  imediatamente a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), como passo fundamental na construção e efetivação de uma nova estrutura, prática e dinâmica institucional da Política Indigenista, no horizonte de uma nova relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, longe da política tutelar, paternalista e assistencialista, enfim, integracionista atual, que contradiz os princípios do respeito à diversidade e especificidade étnica e cultural dos povos indígenas  garantidos pela Constituição Federal vigente.

  

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Fonte: https://pib.socioambiental.org/es/Not%C3%ADcias?id=44770

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