Boa Vista-RR, 22 de março de 2001

Do Conselho Indígena de Roraima para o Presidente Fernando Henrique Cardoso

Boa Vista-RR, 22 de março de 2001

 

Ao Exmo. Sr.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Presidente da República

 

Excelentíssimo Presidente,

O CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA-CIR,  organização indígena voltada para a defesa dos direitos e interesses dos Povos Indígenas de Roraima, Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang, Wapixana , Wai Wai e Yanomami, vem manifestar-se  acerca da matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo de 22 de março de 2001, intitulada “ Quintão condena demarcação de área ianomami”, e das afirmações feitas a impressa de Boa Vista-RR, em sua visita nos dias 20 a 22 do corrente onde há afirmações gravíssima feita pelo Exmo. Sr. Ministro da Defesa, Geraldo Quinhão, colaborador direto no governo de Vossa Excelência.

Na matéria supramencionda,  “o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, classificou como “um erro a demarcação dos 8 milhões de hectares da reserva indígena ianomami, em Roraima e sugeriu que a decisão do ex-presidente Fernando Collor seja revista” e afirmou “Pode ser que amanhã algum Presidente da República queira consertar isso, mas por enquanto, está cedo ainda” e ainda declarou “já ter discutido o assunto com o presidente Fernando Henrique Cardoso”.  Tais declarações, demonstra uma posição meramente ideológica, sem respaldo legal ou político, gerando um posicionamento negativo frente aos direitos indígenas assegurados e ainda reinvidicados   sua consolidação. Redução de terras indígenas é inconstitucional e inceitável.

Em visita a Aldeia Uiramutã, Terra Indígena Raposa Serra do Sol-RR,  questionado das alegações das comunidades indígenas litigantes  para a não construção do 6º PEF, o Ministro afirmou: “ É natural que relacionamentos aconteçam. É um direito das índias procurarem se relacionar com os soldados, para se juntarem, casarem”, complentou ao acrescentar que bloquear essa relação “ é querer impedir o fruto da natureza humana”[Jornal Folha de Boa Vista em 21/03/2001]. È inadmíssivel a aceitação desses delitos como fatos naturais, configuram-se  sim violação de direitos humanos que deverão ser apurados e os responsáveis punidos.

A Constituição Federal de 1988, reconheceu aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, além de estabelecer que compete à União Federal demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens [artigo 231]. A observância desse preceito constitucional é fundamental para a proteção dos direitos dos povos indígenas bem como para a consolidação do Estado Democrático e de Direito no país.

Tais declarações vislumbra-se contrariamente com a política indigenista adotada pelo Governo de Vossa Excelência, diante do avanço na situação fundiária indígena, destacando-se como o que mais demarcou terras indígenas no Brasil,  esta posição do Sr. Ministro, está gerando uma posição negativa a questão indígena, e promovendo retrocessos  para  reconhecimento dos direitos indígenas.

É infudada a acusação de que o Conselho Indígena de Roraima- CIR, tenha “o objetivo em formar uma área  contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol a ser enquadrada depois como território internancional”, pois demonstra desconhecimento da legislação indígenista. Vossa Excelência é sabedora que quando defendemos nossa terra, defendemos de fato terras da União”. Somos Povos Indígenas sim,  somos e queremos ser reconhecidos como tal. O Brasil possui essa pluralidade cultural, temos nosso próprio modo de viver, se de organizar. Somos Povos diferentes, por nossas crenças, costumes e tradições, é neste contexto que reivindicamos o respeito a esta realidade sócio-cultural.

È contrária ao diploma  constituicional a afirmação que terras indígenas em áreas contínuas tendem a  formação de “território internacional”, são contínuam por serem reconhecidas como ocupação tradicional e advindo do direito originário sobre a terra, e ainda assim pertencem a União. O CIR atua para proteção e concretização dos direitos já existentes e defende o reconhecimento como POVOS INDÍGENAS,  denominação já reconhecida em Convenções Internacionais, como da 169 da IOT, e em diversos países. A  resistência nessa denominação demonstra o grau de violência contra a integridade  sócio-cultural dos Povos Indígenas, nada afeta o território nacional.

O conceito de soberania nacional é um conceito  antigo e desgatado, gestado pela Ditadura Militar. Não há conflitos entre o Brazil e os Países vizinhos envolvendo a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, nem sequer motivos  que determinam a construção do 6º Pelotão Especial de Fronteira  exatamente dentro de Aldeia Indígena Uiramutã. As declarações feitas publicamente e vinculadas a nível nacional, expressam um terrorismo ideológico, não somente contra  o Conselho Indígena de Roraima, como organização indígena, mas à todos indígenas que defendem seus direitos.

Destacamos ainda, que fatos como esses, somam para a Invasão as Terras Indígenas,  uma vez que há objetivo de consolidar o Município de Uiramutã, ora questionado judicialmente, face  sua inconstitucionalidade,  localizado dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Exemplos concretos de instalações militares, favorecem a expansão de vilas que consequentemente desestruturam a organização sócio-cultural indígena , além de restringir o usufruto de recursos naturais e redução da terra,  como verifica-se na Terra Indígena São Marcos, onde está localizado o 3º Pelotão Especial de Fronteira.

As Instalações Militares não poderão desconsiderar a existência das diversas comunidades  e Povos. Defenderemos nossos direitos ainda que autoridades públicas tenham ideologias diferentes. Lamentamos que o Ministro da Defesa se manifeste publicamente contra os direitos indígenas, tendo envolvido o nome de Vossa Excelência.

Face ao exposto,  solicitamos a Vossa Excelência manifestação acerca  dos fatos narrados, como medida saneadora do Brasil para com os Povos Indígenas. ”

Carta aberta do conselho indígena de Roraima (CIR)

Fonte: http://www.proyanomami.org.br/frame1/calha1.htm#fica

 

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