Brasília, 25 de novembro de 2004.

Dos Povos Indígenas para Presidente Lula

Brasília, 25 de novembro de 2004.

Nós, representantes de 35 Povos Indígenas presentes na Conferência Nacional Terra e Água, manifestamos nossa insatisfação com a política indigenista do
governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que esta tem se pautado pela
omissão diante das violências praticadas contra nossos povos, pela
negligência aos nossos direitos constitucionais e a falta de interesse em
estabelecer um processo de diálogo para a estruturação de uma nova política
indigenista. Pelo contrário, o governo promove e incentiva a criação de
comissões para discutir e pensar políticas para os povos indígenas,
compostas por pessoas e autoridades que se manifestam contrários aos nossos
direitos constitucionais.

Em nossas comunidades existia muita esperança no atual governo, porque este
tinha, antes de eleito, relações e compromissos históricos com a defesa dos
nossos direitos, de modo especial, o direito a demarcação e proteção das
terras. Durante décadas nos relacionamos com o Partido dos Trabalhadores e
este sempre se colocou na defesa intransigente da causa indígena. Tínhamos
nos seus parlamentares, aliados importantes dentro do Congresso Nacional e
acreditávamos que depois da eleição de Lula nós manteríamos a mesma
interlocução na discussão e implementação de nossas propostas, de modo
especial a que regulamentará a Constituição Federal através de um novo
Estatuto dos Povos Indígenas.

Passados quase dois anos deste governo, nos sentimos traídos porque as
terras não estão sendo demarcadas, conforme promessas e compromissos de
campanha. Pelo contrário, existe uma política explícita de revisão de
demarcações já concluídas e até de redução de áreas demarcadas, como o que
aconteceu com a terra Baú, do Povo Kayapó, no Estado do Pará. Nos sentimos
traídos porque no atual governo a violência contra lideranças, comunidades e
povos tem aumentado assustadoramente. Nestes dois últimos anos 40 pessoas
foram assassinadas, na grande maioria em função da luta pela terra.
Fazendeiros, garimpeiros, grileiros, madeireiros e arrozeiros, sentindo a
falta de interesse do governo em solucionar os problemas indígenas se
articulam e promovem invasões sistemáticas em nossas terras, saqueando as
nossas riquezas, destruindo nossas matas, poluindo e envenenando nossos rios
e lagos, devastando a nossa biodiversidade, destruindo nossas culturas e
matando nossa gente.

São inúmeros os exemplos destas invasões. Destacamos neste manifesto, a
invasão de milhares de garimpeiros na terra do Povo Cinta Larga, em
Rondônia, promovida no ano 2000 e por diversas vezes denunciada para as
autoridades federais, sendo que nunca foram tomadas medidas concretas que
resolvesse definitivamente a ilegalidade da invasão e exploração garimpeira.
As conseqüências dessa omissão são a violência entre índios e garimpeiros, a
devastação do meio ambiente e o contrabando de pedras preciosas; a invasão
da terra Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde no dia 23, às seis da manhã,
quarenta pessoas entre fazendeiros, peões e pistoleiros invadiram três
malocas quando queimaram todas as casas, destruíram roças, balearam e
espancaram pessoas; a invasão de fazendeiros na terra indígena Marãiwatsedé,
do Povo Xavante, o que ocasionou a expulsão violenta de sua terra, o
alastramento de doenças e mortalidade infantil.

Nos estados do Sul do Brasil o Povo Guarani luta intensamente pela
demarcação de suas terras, nas quais não podem mais entrar porque estas
foram cedidas pelos governos para a colonização e para o latifúndio ou em
função da sobreposição de unidades de conservação ambiental. Hoje dezenas de
comunidades vivem acampadas entre as cercas de grandes fazendas e as
estradas, sem direito de acesso a terra mãe. No Nordeste são mais de
sessenta povos que reivindicam a posse da terra, sendo que dos 490 mil
hectares que lhes são de direito, apenas 88 mil estão em processo de
regularização. Nessa região também somos vítimas de projetos equivocados
como a transposição do Rio São Francisco. No Centro-Oeste nossas terras são
invadidas com a construção de hidrovias e pelo processo de devastação de
nossas matas para a implementação das grandes plantações da soja, atendendo
a demanda do agronegócio. No Mato Grosso, milhares de hectares de terras são
desmatados para o plantio da soja, sendo que muitas destas terras são
indígenas. No estado do Tocantins, o Povo Krahô-Kanela foi brutalmente
expulso de suas terras e obrigado a viver durante décadas em assentamentos
do Incra. Hoje esse povo luta pelo direito às terras que lhes foram
saqueadas e entregues a latifundiários.

Além de todo o descaso com relação aos direitos indígenas, constatamos com
perplexidade que a política energética do atual governo mantém a mesma
lógica das políticas anteriores, tendo como base a privatização das empresas
e das águas e a construção de barragens e hidrelétricas que destroem o meio
ambiente, que inundam terras ancestrais, desalojando povos indígenas,
comunidades quilombolas e de pequenos agricultores. Estão projetadas dezenas
de barragens pelo país afora e muitas delas com processos de licitação
irregulares como é o caso da barragem de Barra Grande, no sul do Brasil. A
terra indígena Rio Branco, em Rondônia, atingida pelo empreendimento de sete
barragens, sendo que três já estão em funcionamento, acarretará a morte do
Rio Branco e comprometerá o futuro dos Povos que ali vivem.

Lamentavelmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva priorizou nestes dois
anos as relações com os setores oligárquicos dos estados, com os políticos
conservadores e com as elites do campo, das cidades, do sistema financeiro.
Estes segmentos colocam obstáculos intransponíveis para a implementação de
ações governamentais destinadas a demarcação das terras, a reforma agrária,
a proteção do meio ambiente, a agricultura familiar, a justiça e paz no
campo.

Diante dessa realidade perversa, reafirmamos a necessidade de fortalecimento
de nossas organizações, das alianças entre nossos povos, na luta pela defesa
de nossos territórios e pela defesa de nossos direitos constitucionais.
Também reafirmamos a necessidade de ampliar as alianças com os movimentos e
organizações que lutam pela democratização da terra e da água, que lutam
pela reforma agrária, e que lutam por uma sociedade mais justa, pluriétnica
e pluricultural. Precisamos, todos juntos, acreditar na nossa força
mobilizadora e transformadora para construir uma terra sem mal, uma terra
repleta de vida, uma terra mãe de todos os povos.

Povos Indígenas presentes na Conferência Nacional Terra e Água:

Sabanê – Mamaindê – Lakondê – Puruborá – Wajuru – Migueleno – Oro Mon – Karitiana – Arara – Gavião – Zoró – Aikanã – Kampé – Makurap – Tupari – Kwaza – Terena – Guarani kaiowá – Guarani – Kaingang – Xokleng – Xukuru – Potiguara – Tupinambá – Pataxó Hã-hã-hãe – Xukuru Kariri – Macuxi – Wapichana – Igarikó – Apinajé – Javaé – Xerente – Krahô-Kanela – Krahô – Karajá

Fonte: https://pib.socioambiental.org/en/Not%C3%ADcias?id=13788

 

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