Porto Alegre (RS), 31 de janeiro de 2002.

Das lideranças indígenas para o mundo

Neste dia em que se inicia o 2º Fórum Social Mundial em Porto Alegre, nós, lideranças indígenas, representantes dos Povos Indígenas do Brasil articulados na Comissão Pós-Conferência, criada após a Marcha dos 500 Anos no litoral da Bahia, vimos através deste documento repudiar junto ao mundo as injustiças, massacres e todas as formas de violência que o governo brasileiro vem cometendo contra nós, indígenas. Prova disso foi que em 22 de abril de 2000, numa caminhada pacífica em Coroa Vermelha, que mostrava para o mundo a política de descaso e abandono do governo Fernando Henrique Cardoso para com os nossos direitos, nos deparamos com a Polícia Militar armada com metralhadoras e bombas, com a intenção de impedir a nossa manifestação podendo até nos matar. Como resultado dessa truculência temos até hoje parentes deficientes. 

Como se não bastasse, o presidente FHC continua nos expulsando de nossas próprias terras, como é o exemplo do povo Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. E mais grave, está desrespeitando a Constituição Federal em seu art. 231, que garante aos povos indígenas a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam, bem como seu usufruto exclusivo. Portanto, discordamos de todas as iniciativas que visem a compra de terras por governos estaduais, desconsiderando as terras tradicionais.

Mediante esta situação, viemos trazer ao Fórum Social Mundial as nossas propostas, visando um mundo mais justo e democrático, onde seja respeitada a diversidade étnica e cultural de todos os povos:

  1. Que as políticas dos governos respeitem a autonomia dos povos dentro de seus territórios tradicionais, reconhecendo suas culturas, crenças, costumes e tradições;
  2. Que os governos cumpram suas responsabilidades constitucionais, assegurando políticas sociais diferenciadas, com ampla participação dos povos indígenas em todas as suas etapas de discussão e implementação, evitando com isso a terceirização dos serviços nas áreas de saúde, educação, auto-sustentação, demarcação e proteção das terras indígenas. Para isso, os governos deverão garantir os recursos necessários em seus orçamentos;
  3. Que todos os governos ratifiquem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que normatiza as relações dos Estados Nacionais com os Povos Indígenas;
  4. Que o Congresso Nacional Brasileiro aprove a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas apresentada pelas lideranças indígenas há mais de dez anos e reapresentada em 19 de abril de 2001;
  5. Que todos os governos reconheçam os povos indígenas ressurgidos e demarquem os seus territórios tradicionais;
  6. Que os governos realizem censos populacionais indígenas, para que o mundo saiba o número de povos, sua diversidade étnica e cultural e suas respectivas populações, sob o acompanhamento dos povos indígenas e suas organizações;
  7. Que o governo brasileiro indenize os povos indígenas pelos danos morais, físicos e culturais causados pela violência praticada pela Polícia Militar da Bahia durante as comemorações dos 500 anos e as vítimas das agressões;
  8. Que sejam apurados os crimes praticados contra lideranças e demais membros de comunidades e povos indígenas, punidos todos os responsáveis, assim como, sejam estabelecidos mecanismos de combate à violência e à impunidade;
  9. Que os governos sejam responsabilizados por genocídios e etnocídios cometidos contra os povos indígenas;
  10. A não construção de hidrovias, ferrovias, hidrelétricas, rodovias, quartéis e exploração turística que atinjam direta e/ou indiretamente territórios indígenas e suas populações e que causem danos sócio-ambientais;
  11. Que o governo brasileiro não implemente o projeto de Transposição do Rio São Francisco e outros, pois esse projeto causará a morte dos rios e de todas as populações que deles dependem, portanto deverá buscar outras alternativas que não causem impacto aos seres vivos;
  12. Que os governos façam a desintrusão (retirada dos invasores) imediata de todas as áreas indígenas, com indenização das benfeitorias feitas de boa-fé e garantia de reassentamento para os pequenos posseiros;
  13. Que os governos criem mecanismos de proteção e fiscalização dos recursos naturais, de conservação de seus ecossistemas e de sua biodiversidade, evitando a exploração indiscriminada dos conhecimentos tradicionais, suas águas, suas madeiras, seus animais e seus minérios.

Pretendemos contribuir, com estas propostas apresentadas ao II Fórum Social Mundial, na construção de um mundo de Justiça, Igualdade e Paz.

 

Comissão Indígena

– Joel Braz – Pataxó (BA)

– Antônio Pereira – Xukuru (PE)

– José Barbosa dos Santos – Xukuru de Ororubá (PE)

– Diná G. Patté – Xokleng (SC)

– Olímpio A. I. Guajajara (MA)

– Mariano W. Bobaté – Xavante (MT)

– Piná Tembé (PA)

– Lourdes Tapajós (PA)

– Maria José Gomes Marinheiro – Tumbalalá (BA)

– Manoel Karajá (TO)

– Débora Umutina (MT)

– Sílvia Umutina (MT)

– Eliel Rondon – Terena (MT)

– Gildo Terena (MT)

– Aurivan Santos Barros – Truká (PE)

– Dionito José de Souza – Makuxi (RR)

– Simeão Messias – Wapixana (RR)

– Lourenço Krikati (MA)

– Maninha Xukuru (AL)

– Luiz Titiá – Pataxó Hã Hã Hãe (BA)

– Leonardo Gonçalves – Guarani (SC)

– Bruno Xavante (MT)

 

Fonte: http://memoriafsm.org

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