Boa Vista - RR, 18 de maio de 2004.

Do CIR para Presidente Lula

Boa Vista – RR, 18 de maio de 2004. 

“Somos filhos desta terra, aqui nascemos, aqui morreremos” [Aldeia Kaxirimã, agosto/2003] 

Senhor Presidente, 

Nós, povos e comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que  integram o Conselho Indígena de Roraima (CIR), a Associação dos Povos  Indígenas de Roraima (APIRR), a Organização dos Professores Indígenas de  Roraima (OPIR) e a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima  (OMIR), perante a grave situação que envolve nossos direitos territoriais,  vimos manifestar nosso repúdio às ações que são contrárias a nossa  existência enquanto povos e comunidades. 

Somos legítimas e autênticas organizações dos povos indígenas do estado  de Roraima. Sem vínculos políticos ou religiosos, defendemos nossos direitos  e interesses ao reivindicarmos a imediata homologação da TI Raposa Serra  do Sol, nos termos da Portaria 820/1998. Nestes últimos anos trouxemos ao  conhecimento público a gravidade da demora em assinar o decreto  homologatório da nossa terra. No entanto, não tivemos respostas concretas,  pelo contrário, os interesses particulares foram se sobrepondo aos direitos  coletivos dos nossos povos. 

Por isso, responsabilizamos o Governo Federal, em especial o presidente  Luis Inácio Lula da Silva por qualquer violência contra índios ou não-índios,  que venha ocorrer na TI Raposa Serra do Sol, conseqüência da disputa por  terra e dos conflitos patrocinados pela classe política local, fazendeiros,  grileiros de terras da União e índios por eles “cooptados”. 

É sabido por todos que o processo de reconhecimento legal da TI Raposa  Serra do Sol arrasta-se desde 1917 (Lei Estadual do Amazonas Nº 941/1917)  e, apesar de avanços e recuos, teve sua demarcação consolidada com a  assinatura e publicação da Portaria 820/1998. Puramente para questões  administrativas ou burocráticas, o presidente da República deve assinar  decreto de homologação da Portaria, simples ato que já leva quase seis anos  sem resposta concreta.

Mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não tendo assinado a  homologação, o processo da TI Raposa Serra do Sol avançou no seu  governo, principalmente com a edição da portaria, assinada pelo ex-Ministro  da Justiça, Renan Calheiros. Porém, no governo do presidente Lula, o que  avançou foram as pressões de setores contrários à homologação da referida  terra. 

Por isso, as organizações indígenas, acima citadas, vêm a público manifestar  repúdio à forma como os direitos indígenas estão sendo tratados pelas  autoridades brasileiras, sejam dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo  que não estão agindo de forma eficaz para que esses direitos sejam  efetivados, mas, ao contrário, criam condições para que retrocedam,  principalmente, os direitos territoriais, sendo a não homologação da TI  Raposa Serra do Sol, em Roraima, o caso emblemático. Os Três Poderes  deveriam ser instrumentos legais para garantir a efetividade desses direitos,  mas o que se verifica é exatamente a sua negação. 

Nesse caminho, destacamos as palavras do professor e jurista Dalmo Dallari  que diz: “o índio brasileiro tem direitos. Direitos definidos na Constituição. Eu  insisto neste ponto, na existência de direitos, porque tenho ouvido e lido  palavras a respeito da conveniência de respeitar esses direitos. No momento  em que eu abandono a Constituição, acabou o Direito, acabou a Justiça,  acabou a paz social. Não há inconstitucionalidades convenientes”. 

As demarcações das terras indígenas, em especial a homologação da TI  Raposa Serra do Sol, ficou vulnerável à pressão de grupos econômicos e  políticos que se utilizam da violência, de parlamentares para fazer lobby no  Congresso Nacional, da chantagem e da barganha políticas ao presidente  Lula, e de Ações Judiciais com a intenção de fazer retroceder a homologação  desta terra indígena. 

Durante 14 meses do Governo Federal não teve nenhuma Liminar da Justiça  que de alguma forma suspendesse os efeitos da Portaria 820/1998, porém, o  presidente Lula apenas assistiu, ouviu ou nomeou grupos de técnicos para  estudar a homologação de Raposa Serra do Sol. Com isso deu tempo aos  latifundiários e grileiros de terras da União de organizarem atos violentos,  como os acontecidos em janeiro deste ano no estado de Roraima, que incluiu  o seqüestro de três pessoas, o bloqueio de rodovias e a invasão de prédios 

públicos. Nesse sentido, o presidente até agora se omitiu da  responsabilidade que lhe compete. 

Na única audiência que teve com líderes indígenas em 16 meses de governo,  o presidente Lula da Silva pediu paciência e disse mais uma vez que a  solução está próxima e que vai agradar aos índios, ao estado de Roraima e  ao Brasil. Porém, a paciência dos povos indígenas está se esgotando, assim  como também pode chegar ao fim a esperança de que o presidente Lula  tenha a coragem de enfrentar as oligarquias antiindígenas de Roraima e  fazer prevalecer a Justiça aos povos indígenas. 

As organizações indígenas de Roraima, a partir desta data, responsabilizam  o Governo Federal, especialmente o presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da  Silva, por qualquer atentado contra a vida e os direitos das comunidades e  lideranças indígenas da TI Raposa Serra do Sol. 

Saudações, 

Jacir José de Souza 

Conselho Indígena de Roraima 

Firmino Alfredo da Silva 

Associação dos Povos Indígenas de Roraima 

Ivete Cruz 

Organização das Mulheres Indígenas de Roraima 

Sobral André 

Organização dos Professores Indígenas de Roraima 

Fonte: https://pib.socioambiental.org/en/Not%C3%ADcias?id=12229

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