Goiania

Das Lideranças Indígenas para Presidente Fernando Henrique Cardoso

CARTA AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Goiania, 05 de novembro de 1998.

As Lideranças e Organizações Indígenas preocupadas com o destino de mais de 350 mil índios brasileiros, que às vésperas do 3 0 milênio, ainda enfrentam sérias dificuldades na caminhada para a sua autodeterminação, reunidas na cidade de Goiânia, de 03 a 05 de novembro de 1998, vem registrar:

  1. Em 1500, quando aqui chegaram os colonizadores, éramos mais 6 milhões, hoje somos apenas 350 mil habitando em 559 terras indígenas, portanto para nós o descobrimento trouxe apenas recordações de morte, doença, fome e dor.
  2. Queríamos hoje poder dizer que 1500 é apenas a recordação de um passado distante, entretanto, lamentavelmente, essa não é a verdade. Ainda amargamos em vários pontos do Brasil, a ausência de assistência mínima necessária, em todos os aspectos (saúde, educação, apoio para a produção etc..) e mesmo decorridos vários prazos estipulados pela sociedade nacional, para a efetiva demarcação de nossas terras, temos ainda 257 que se quer foram demarcadas, por outro lado, a simples regularização fundiária, não tem sido garantia suficiente para barrar a ação de diversos invasores (madeireiros, garimpeiros, posseiros, fazendeiros, griteiros etc…) em nosso maior património, a terra que vivemos, e que é o único local que temos para garantir a existência das gerações futuras.
  3. Esses fatos, inquestionáveis, são para nós, indicadores de que ainda não foi possível o estabelecimento de uma relação digna, justa e respeitosa entre os povos indígenas que aqui habitam, e o Estado Brasileiro, Buscar o estabelecimento dessa relação é dever de todos e direito imemorial do nosso povo.
  4. Nesse contexto, é que por iniciativa própria das Organizações e Lideranças Indígenas, iniciamos neste ano uma agenda de consultas junto à sociedade indígena como um todo, e a profissionais e Organizações da sociedade não índia, interessadas na questão, visando definir metas básicas, a seguir relacionadas, que apontam para o estabelecimento de uma nova relação das Sociedades indígenas com o Estado Brasileiro.
  1. Reivindicar uma mudança qualitativa na política indigenista do Governo Federal, que contemple uma definição clara do papel do órgão indigenista oficial, respeitando os direitos indígenas, garantidos pela Constituição Federal.
  2. Maior agilidade para implementar as políticas públicas para as sociedades indígenas (Educação, saúde, meio ambiente, produção, criança e adolescente etc..)
  3. Pressionar e sensibilizar os parlamentares para que agilizem a aprovação do Estatuto das Sociedades Indígenas no Congresso Nacional, bem como a ratificação da Convenção 169 da OIT, no Senado federal.
  1. e) Empenho pela não aprovação da Lei de Mineração em Terras indígenas, proposto pelo Senador Romero Jucá, bem como pela revogação do Decreto N. 0 775/95, que dispõe sobre a demarcação de Terras Indígenas e dos demais Decretos que tiraram da competência do Órgão Oficial de Assistência ao Índio os serviços de saúde e educação.
  1. É de suma importância para as sociedades indígenas e suas organizações, que a sociedade nacional e Governo Federal tenham a compreensão de que, o processo de mudança é de iniciativa exclusiva dos índios, quer seja pelo justo reconhecimento do esforço e da capacidade do nosso povo na busca de soluções, quer seja para evitar a apropriação indevida de nossas idéias desenvolvidas até o momento.
  2. Queremos um Ministério do Índio, dirigido por um Conselho Diretor, competente e atuante, com autonomia política, administrativa e financeira, que discuta com o Congresso Nacional, o orçamento para a execução de uma política indigenista que dignifique, que valorize e que mude essa relação doentia, assistencialista e paternalista, que atualmente é praticada.

Queremos contribuir e participar ativamente de todo esse processo, para que o ano de 1999, seja o ano do indigenismo, e que seja conversado, discutido e aprovado em conjunto com as sociedades indígenas e suas organizações, raízes desse país, detentores da maior diversidade cultural do planeta, e que guardam 11% do território nacional. Acreditamos no merecimento desse tratamento, pois mais que um compromisso, é um débito da Nação e do Governo Brasileiro com os índios deste País.

Caminhando em direção ao futuro, nas trilhas de nossos antepassados, assinamos:

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-excelentissimo-senhor-presidente-da-republica

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