Aldeia Kumaruman, 08 de dezembro de 1976.

Dos Tuxauas Galibi do Uaçá para o presidente da FUNAI

Exmo. Sr. Presidente da FUNAI
Gen. Ismarth de Araújo Oliveira

Senhor Presidente.

Uma vez mais, em nome do meu povo, venho recorrer ao Senhor para que meu povo, como também os demais Índios da região não venham a sofrer males irremediáveis, em futuro próximo, com as medidas obscuras que estão sendo tomadas pelas pessoas encarregados da escolha definitiva dos limites da “reserva indígena do Uaçá”, para fim demarcatório. Durante a estada recente do Sr. Antonio Augusto Nogueira, Delegado Regional da FUNAI/2a. DR., nesta área indígena, tomamos conhecimento através do mesmo, inclusive sendo isso demonstrado no mapa que // possuía, que os limites fixados para a parte pertencente aos índios Earipunas (5 Km além da margem esquerda do rio Curipi), permaneceriam os mesmos; que permaneceriam os 5 Km além da margem direita do rio Uaçá desde sua nascente até às aproximidades do monte “Tipok”, incluindo todo e lago Ihruani, medidas essas com as quais concordamos; disse-nos / também que haveriam duas modificações: uma na parte alta, com a fixação dos limites, em grande parte do trecho, na BR-156 (rodovia Macapá-Oiapoque), com a qual concordamos a outra seria na parte baixa: serviria de limite o próprio rio Uaçá, desde às proximidades de sua foz, na Ponta Grossa, até às proximidades do monte Tipok, precisamente à altura do Lago Tipok, esta uma proposta com a qual não concordamos de maneira alguma, por ser prejudicial a nós índios, pois seria dar na bandeja para os pescadores e caçadores dos municípios de Oiapoque e Cassiporé, a nossa melhor área de pesca e caça, não somente pertencente ao meu povo como também aos índios Palikur. Tal medida, se aprovada pela FUNAI, certa de imensos e irreparáveis prejuízos para todos os índios da região, pois os civilizados teriam livre penetração pela margem direita do rio com seus barcos de pesca, geleiras, etc; trazendo um equipamento de pesca e caça capaz de acabar, dentro de pouco tempo, com  todos os peixes, jacarés tracajás, da área – além dos capivaras, porcos-do-mato e aves que habitam êsse trecho – transformando o rio Uaçá em um rio sem vida, como já fizeram com seus rios: Oiapoque e Cassiporé; tal medida, possivelmente, provocaria, em futuro próximo, sangrentos conflitos entre índios e civilizados, uma vez que nem Galibis e nem Palikur tolerariam os civilizados devastando essa área que sempre pertenceu a nós índios, que nossos antepassados souberam preservar para nós e que estamos preservando para os nossos filhos e netos. Seria doloroso para todo o meu povo ver o civilizado, na sua fome de destruição e de dinheiro, acabar com tudo isto que a natureza nos deu. Além disso nós, índios Galibis, ficaríamos entre dois inimigos rio abaixo os famigerados civilizados tudo destruindo e rio acima os odiados búfalos da Fazenda do Exército, invadindo nossas roças e nossa aldeia. Se a FUNAI aprovar isso temos certeza que dias piores virão para nós índios. Então o que esperar do futuro, senhor Presidente? Somente a fome, a miséria física e moral, as doenças, a humilhação de ver o civilizado, sob a proteção dos poderosos, nos roubando cada fatia de terra, nos expulsando de nossa área, nos transformando em um povo com destino, em um povo com alegria alegrias e sem esperanças. E nossos direitos como índios e acima de tudo como brasileiros? E nossos direitos como pessoa humana? Que ao menos isto não nos seja negado, que ao menos isto seja levado em consideração pois também somos filhos de Deus. Mas se êsse for o destino que as pessoas que não conhecemos – e que desconhecem nossos problemas e nossa cultura – estão nos preparando então seja preferível a morte de todo o meu povo, um fim mais humano do que continuar existindo como um corpo ôco, como um povo sem alma. Não somos gado que se troca de um lugar para outro, que se decide o destino friamente através de números ou de mapas, sem o direito de ser consultado, sem se procurar saber com êste povo se isto é bom ou não para ele. Êles já tiveram aqui, anteriormente, para nos dizer que os rios Curipi e Uaçá, da foz às nascentes, seriam partes do limite da “reserva indígena”, mas nem o meu povo e nem os índios Karipuna aceitaram e deixamos isso bem claro para a major Saul, pois perderiam áreas de roça à margem esquerda do rio Curipi e à margem direita do rio Uaçá como também ficaríamos na difícil situação referida acima. Não sabemos o que está por detrás dessa insistência em fixar no rio Uaçá o limite da “reserva indígena”, na parte baixa; mas o fato é que não aceitamos e nem aceitaremos isso, de jeito algum. Portanto apelamos ao Senhor, atual pai de todos nós, que não permita que seja concretizada mais essa injustiça contra meu povo. Por tudo o que o Senhor fizer por nós que se intensifique no coração de cada índio um sentimento de eterna gratidão e que o Senhor permaneça vivo na memória da tribo, através das gerações, com um grande amigo de nós índios, assim (permanece) como permanece vivo na memória do meu povo o nome de Rondon.

 

OBS: para que tôdas as minhas palavras fossem mais facilmente entendidas pelo Senhor, pedi ao Sr. Chefe do Posto que datilografasse a minha carta.

Manoel Floriano Marcial (Ponapen)

TUXAUA DOS ÍNDIOS GALIBIS DO RIO UAÇÁ

Manoel Felizardo dos Santos (Topen)

AJUDANTE DO TUXAUA DOS ÍNDIOS GALIBIS DO RIO UAÇÁ

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-dos-tuxauas-ao-presidente-da-funai-gen-ismarth-de-araujo-oliveira

Original: 1976.12.08 Dos Tuxauas para o Presidente da FUNAI

 

CARTAS RELACIONADAS