20 de setembro de 2008.

Do Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe para o Brasil

Nós, índios Pataxó Hãhãhãe vimos a público expor nossa expectativa e preocupação no que se refere a Ação Cível Originária (ACO312-1BA) de Nulidade de Títulos Imobiliários, que há 26 (vinte e seis) anos tramita no STF – Supremo Tribunal Federal, e que, finalmente, será julgada no dia 24 de setembro do corrente ano. 

Nosso território possui uma área de 54 mil e 105 hectares e está localizado entre os municípios de Pau Brasil, Camacan e Itajú do Colônia no sul da Bahia. A demarcação inicial foi feita com fundamento na Lei estadual n 1.916 de agosto 09 de 1926, mas a delimitação se efetivou somente em 1937.

Em 1940, o Instituto do Arrendamento de Terras Indígenas instituído pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) desconsiderando nossos direitos, passou a favorecer, com arrendamentos, os grandes fazendeiros de cacau e gado da região sul do Estado. Tais arrendamentos visavam, principalmente, a ocupação das terras pelos não-índios, e ocorreu de forma violenta, com espancamentos, perseguições e mortes dos que não concordavam em desocupar a área, fazendo com que fossemos expulsos para as periferias das cidades vizinhas, fugindo a cada ataque dentro do próprio território e até para outros estados vivendo, muitos, em estado de mendicância. Não obstante, jamais abandonamos a nossa Mãe Terra, mas sim, apenas resistimos.

Nas décadas de 60 e 70, mais precisamente em 1976 e 1980 os governos de Antônio Carlos Magalhães e Roberto Santos, sob a alegação de que não havia mais índios na região, oficializaram esta invasão e a violência contra o nosso povo, com a distribuição de títulos imobiliários aos grileiros, atualmente fazendeiros de má-fé.

Com a retomada da luta pelo nosso território em 1982, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio – ajuizou a ACO312-1 BA, figurando todos os invasores como réus por se tratar de posse precária, inclusive, o Estado da Bahia em decorrência da ingerência de seus governadores respectivamente. Ressaltamos que em virtude disso a violência cresceu, pois os réus insistem em violar as nossas garantias previstas nos artigos 231§ de1ºa¨º e 232, e, sobretudo, a nossa dignidade humana, art.1º, III, todos da CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, causando a morte de mais de 20 lideranças que lutavam pela terra, entre elas: Antônio Júlio da Silva (1983), Jacinto Rodrigues e José Pereira (1986), Djalma Souza Lima – que antes morrer foi barbaramente torturado – ( 1988 ), João Cravim – irmão de Galdino – (1988), Galdino Jesus dos Santos – que foi covardemente queimado vivo por jovens de classe/alta em Brasília – (1997), Raimundo Sota (2002), Aurino Pereira dos Santos (2007).

Todas essas mortes, com exceção a de Galdino (devido a grande repercussão na mídia), não foram elucidadas por parte das autoridades. Os suspeitos nunca foram intimados e muito menos processados ou condenados, apesar dos fortes indícios apontarem claramente os autores. A sensação que temos é que estamos a 508 anos atrás, quando o extermínio era claro e nada se fazia porque diziam que não eramos humanos. Depois de tantos séculos, as atrocidades continuam e praticamente nada é feito para punir os exterminadores.

Nossos antepassados tombaram na defesa do nosso território Pataxó Hãhãhãe, morreram com a esperança de um dia esta Ação de Nulidade de Títulos ser julgada e a justiça se concretizar. Por isso não desistimos, mesmo com toda a violência, com todas as dificuldades, continuamos lutando e seguindo em frente, nos impondo enquanto povo indígena, exigindo respeito e reivindicando nossos direitos, conscientes que, tudo o que conquistamos até agora aconteceu através de muita luta, união e organização.

Estamos confiantes que com a farta documentação e provas favoráveis que constam no processo, com a ampla participação da comunidade, e com a colaboração e apoio dos amigos e parceiros sairemos vitoriosos desta luta, e, assim, finalmente a Justiça será feita!

Será que é muita terra para pouco índio (4 mil Pataxó Hãhãhãe)? Ou muita terra nas mãos de poucos fazendeiros (3 fazendeiros)?

Consciente da sensibilidade de todos para com a nossa causa agradecemos,

 

Atenciosamente:
POVO PATAXÓ HÃHÃHÃE

 

Fonte: https://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1242934778_FolderPHHH.pdf

CARTAS RELACIONADAS