Aldeia Kumaruman, 22 de novembro de 1977.

Do Tuxaua Manoel Floriano Macial para o presidente da FUNAI

           Senhor Presidente da FUNAI, general Ismarth de Araújo Oliveira, meu coração estava muito triste. Nada para fazer Índio triste do que saber que parte de sua terra vai ser tirada. Terra é alimento para nós, alimento dá fôrça para nosso corpo. Terra é origem da vida de Índio. Não, coisa alguma vale mais que esta terra onde repousa, nossos antepassados ou do que êste rio que estronda de vida. Meu povo chorou a perda da terra. Não compreendo porque depois de tantas cartas que enviamos para FUNAI, depois de tantos documentos que nosso Chefe enviou, vieram os calinã trazendo mapa sem nossa reserva de madeira. Meu povo ficou revoltado. Uma parte me pediu para mandar calinã da Plantel ir embora. Outra parte já pensava ir para Guiana Francêsa, dizendo: “FUNAI está nos enganando”. Pedi calma. É calma que vence dificuldade, não a fúria. Escrevi carta para coronel Nogueira pedindo providência. Veio providências graças ao nosso Pai Grande. Meu coração se alegrou como bando de aves quando manhã vem chegando. Agora vai sair limites como desejamos. Meu povo está feliz novamente. Não quer mais partir, vai ajudar calinã da demarcação para ser mais rápido o trabalho. Êste velho tuxáua fala por seu povo galibi. Fala também pelo povo Palikur e pelo povo Karipuna, a voz da gratidão ao nosso Pai Grande, por seu gesto. Êste velho tuxáua sempre vai escrever ao nosso Iaputuri quando tiver problema na reserva, pois sabe que vai ser atendido. Muitos calinã tem pedido minha palavra sôbre FUNAI, pedido para escrever nossos problemas e entregar a êles para levarem para autoridades do sul ajudarem meu povo a resolver os problemas, como o da terra que ficou fora do mapa da demarcação. Meu Chefe avisou-me para não confiar em todos os calinã, pois só FUNAI pode resolver nossos problemas. Estou contente com nosso Pai Grande pois está cumprindo palavra dada a meu povo. A Demarcação está saindo. Escola já vai ser construida, motor-de-centro já foi comprado, prêço do artesanato melhorou. Muito bom. Não foi como outras vêzes, Presidentes muito prometendo, tempos passando, nada acontecendo. Ficou apenas Fazenda de búfalos irritando meu povo, materiais da oficina-serraria que não recebemos ainda e “E.V.S” que faz um ano que não aparece. Meu povo sofre de dor-de-dente. Nosso Chefe já fez muitos documentos pedindo vinda de “equipe médica” mas não vem. Sabemos que nosso Pai Grande está lutando para conseguir isso tudo para meu povo. Mas tudo não pode ser feito ao mesmo tempo. Êste tuxáua está estudando “Educação Integrada” para ter mais instrução e poder defender seu povo, como nosso Pai Grande faz, e também poder escrever as histórias que meu povo sabe para que não se perca. Eu queria fazer um pedido ao nosso Pai Grande. Queria conhecer Brasília em janeiro do ano que vem. Estou guardando dinheiro para despesas. Irei com meu Chefe Frederico. Queria autorização do nosso Pai Grande para fazer essa viagem pois o Sr. Delegado diz ser preciso. Ficarei muito satisfeito em visitar e levar presente que meu povo vai dar ao nosso Pai Grande. Peço também ao nosso Deus que dê fôrças ao nosso Pai Grande para continuar a defender todos nós, Índios do Brasil. Mandei passar para máquina minha carta, pois minha vista ultimamente não está boa. Vou ter de usar óculos dos calinã para poder escrever. Fiquei preocupado do nosso Pai Grande não atender minha carta.

Manoel Floriano Marcial (Panapen)

Tuxáua dos Índios Galibis do Rio Uaçá.

 

Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/carta-ao-presidente-da-funai-gen-ismarth-oliveira-sobre-os-limites-da-ri-uaca 

Original: 1977.11.22 Do Tuxaua Manoel Floriano Macial para o Presidente da FUNAI

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