NOTA EM REPÚDIO A NOMEAÇÃO DE COORDENADOR REGIONAL DA FUNAI DO AMAPÁ E NORTE DO PARÁ EM DESRESPEITO AO DIREITO CONSTITUCIONAL DE CONSULTA PRÉVIA, AMPLA E INFORMADA AOS POVOS INDÍGENAS DO AMAPÁ E NORTE DO PARÁ
(des)GOVERNO DE BOLSONARO DESFERE MAIS UM ATAQUE AOS POVOS INDÍGENAS
Macapá, 04 de janeiro de 2021
O Governo Federal desde a posse de Bolsonaro vem atacando os Povos Indígenas de todas as formas, a nomeação de chefes regionais da Funai escolhidos sem consulta aos povos indígenas destinatários da política indigenista federal é uma das mais malignas formas de destruição das conquistas do movimento indígena, é o modo pelo qual Bolsonaro faz escárnio das garantias inseridas na Constituição Federal de 1988 e nas normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos, é seu modo perverso, consentido por parte da sociedade brasileira, de retornar os Povos Indígenas à condição de barbárie e submissão à lógica integracionista e genocida empreendida de modo sistemático por governos e instituições que sempre desejaram que esse país fosse nada mais do que um simulacro europeu, branco e homogêneo.
A Constituição Federal de 1988 consignou em seu texto o direito à diversidade cultural, consagrando como atributo da brasilidade a diversidade de origens étnicas e modos de viver e, para o desagrado dos currais reacionários, reconheceu os direitos originários aos Povos Indígenas sobre seus territórios e, de igual modo, estendeu sua proteção a nossos modos de viver, exigindo do país por meio da administração pública que nenhum direito nos fosse segregado e, ainda mais, que outros advindos das normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos e próprios a nossa condição de povos originários nos fossem garantidos, com destaque para o direito à consulta ampla, prévia e informada, sempre que direta ou indiretamente nós, os Povos Indígenas do Brasil e nossos territórios, sejamos impactados por medidas administrativas ou legislativas.
A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Estado do Amapá e Norte do Pará (APOIANP) é a instância máxima do movimento indígena da nossa região, tendo por propósito reivindicar do Estado e da sociedade brasileira o respeito total aos direitos fundamentais dos povos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal.
A APOIANP exerce legitimamente a representação política externa dos Povos Indígenas habitantes das Terras Indígenas Uaçá, Juminã e Galibi, no norte do Amapá; Waiãpi, no oeste do Amapá e Rio Parú d`Este e Parque do Tumucumaque, no norte do Pará, sendo a voz de mais de 15.000 indígenas de 13 etnias originárias pertencentes aos troncos linguísticos Karibe, Tupi e Aruak.
A APOIANP vem a público manifestar veemente repúdio pela nomeação de Ilton Lima da
Silva, por meio da Portaria nr. 1.595, da Secretaria Executiva do Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicada no último dia 14, para exercício da função de Coordenador Regional do Amapá e Norte do Pará da Fundação Nacional do Índio.
Esse ato de repúdio é motivado pela inexistência de conexões ou contribuições do recém nomeado em trabalhos técnicos ou científicos ligados a temática indigenista, o que nos leva a considerar a escolha como ideológica e meramente instrumental, destinada à implementação no plano local dos retrocessos observados em todas demais coordenações regionais em que houve a imposição de chefias com igual perfil e ausência de prévio currículo indigenista legitimado pelos povos indígenas atendidos.
Além disso, observamos como impeditivo ao ato de nomeação a ausência de consulta, posto que a função pública a ser desempenhada reveste-se de grande significado para os povos indígenas, cujas relações de conhecimento e afinidade programática com os agentes públicos responsáveis pelas políticas públicas são essenciais para a legitimação da política indigenista, não havendo, no âmbito das Terras Indígenas do Amapá e Norte do Pará caso anterior de nomeação de Coordenador Regional que não fosse indígena ou servidor da Funai.
Mas, não somente no plano das relações subjetivas somos desrespeitados, nossa vida e nossos territórios possuem próxima relação com as diretrizes políticas adotadas pela Administração Pública, sendo a FUNAI o órgão público federal mais importante para o rumo das políticas públicas que acessamos, posto que cabe à FUNAI a proteção e promoção dos direitos indígenas, portanto, são os agentes públicos do órgão federal indigenista fundamentais para a condução das políticas públicas e suas respectivas nomeações para os cargos com poder decisório não podem ocorrer sem que sejamos ouvidos e nossa decisão respeitada.
Nossos povos, todos, possuem suas tradições e normas sociais internas, somos reconhecidos por nossos avanços consignados em documentos de conhecimento público, com destaque para os Planos de Vida, os Programas de Gestão Territorial e Ambiental e, mais recentemente, os protocolos autônomos de consulta e consentimento, já conquistados pelos povos Wajãpi, do Oiapoque e do Tumucumaque.
As razões para a elaboração de protocolos autônomos estão dispostas como fundamentos jurídicos e políticos nos próprios documentos, cujos trechos essenciais abaixo transcrevemos.
PROTOCOLO DE CONSULTAAOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE
“Há muito tempo respeitamos nossas regras para manter a harmonia entre nós e com quem vem de fora. Em 2009, quando decisões importantes dos povos indígenas passaram a ser ignoradas pelo governo, decidimos organizar um documento escrito com a nossa história e com as nossas prioridades para o futuro: esse foi nosso Plano de Vida.”
O Protocolo serve para que os governos municipal, estadual e federal conheçam quais são as regras para realizar uma consulta de boa-fé e adequada para os Povos Indígenas do Oiapoque, e assim respeitar as leis em vigor no Brasil, como a Convenção 169 da OIT (ratificada pelo Decreto 5.051/2004) e a própria Constituição Federal de 1988. O Protocolo de Consulta também deve ser aplicado nos casos de consulta prévia para as decisões legislativas em todos os níveis e que tratem de nossos direitos ou que nos afetem.”
Acesso https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/0DL00019.pdf
PROTOCOLO AUTÔNOMO DE CONSULTA E CONSENTIMENTO DOS POVOS INDÍGENAS DO TUMUCUMAQUE E RIO PARU D’ESTE
“A Consulta Prévia é uma obrigação do Estado brasileiro de perguntar, adequada e respeitosamente, aos povos indígenas sua posição sobre decisões administrativas e legislativas capazes de afetar suas vidas e seus direitos.
A Consulta Prévia é um direito dos povos indígenas de serem consultados e participarem das decisões do Estado brasileiro por meio do diálogo intercultural marcado por boa fé.
Esse diálogo deve ser amplamente participativo, ter transparência, ser livre de pressões, flexível para atender a diversidade dos povos e comunidades indígenas e ter efeito vinculante, no sentido de levar o Estado a incorporar o que se dialoga na decisão a ser tomada.
A Consulta Prévia está garantida na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil desde 2004 (Decreto Presidencial no. 5051).”
Acesso https://institutoiepe.org.br/wp-content/uploads/2020/11/PROTOCOLO-TUMUCUMAQUEe-PARU-CAPAe-MIOLO-final-espelhadas.pdf
PROTOCOLODECONSULTAECONSENTIMENTOWAJÃPI
“Nós resolvemos fazer este documento porque muitas vezes vemos que o governo quer fazer coisas para os Wajãpi, mas não pergunta para nós o que é que estamos precisando e querendo.”
[…]
“Sabemos que a Convenção 169 da OIT, sobre a relação dos governos com os povos indígenas, é lei no Brasil desde 2004, e que nessa lei está garantido nosso direito de ser consultados e de escolher nossas prioridades de desenvolvimento. A Convenção 169 da OIT também fala que só os povos indígenas podem decidir como o governo deve fazer as consultas. Então fizemos esse documento para dizer como o governo deve consultar os Wajãpi.” Acesso https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/WAL00006.pdf
Desse modo, entendemos que o Governo Federal desrespeitou a Constituição Federal e as normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos ao nomear um novo coordenador para a Coordenação Regional do Amapá e Norte do Pará sem consultar os Povos Indígenas, razão para publicamente repudiarmos a nomeação e, ao mesmo tempo, demandar ao Ministério Público Federal que exerça suas atribuições constitucionais para garantia de nossos direitos violados, recorrendo, caso necessário, à justiça para invalidação do ato administrativo.
Por fim, reafirmamos nossa autonomia política e nossa persistente determinação em avançar na luta por nossas organizações e pela garantia dos nossos direitos, repudiando quaisquer tentativas de retrocesso de nossas conquistas e exigimos que nossa voz seja ouvida e que essa nomeação seja revogada.
Não somos pedra, somos gente, sentimos, pensamos, falamos e ouvimos como todas demais gentes, estamos em nossas aldeias e não nos negamos a ouvir quem quer que seja. Se o Governo Federal nos convidar para ouvir suas razões, ouviremos e com seus agentes debateremos, mas, ao fim, nossa decisão haverá de ser respeitada.
Coordenação Geral Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará