Aldeia Marãiwatsédé, Mato Grosso, 07 de setembro de 2013

Da Comunidade Marãiwatsédé para a FUNAI

Carta aberta da comunidade Marãiwatsédé sobre a Funai e o CT

À Fundação Nacional do Índio – Funai

Ao Ministério Público Federal

Ao Conselho Indigenista Missionário – CIMI

À Confederação  Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB

 

Pretendemos colocar toda a nossa preocupação em relação ao atendimento aos indígenas de Mato Grosso, em especial, aos xavantes. Já há alguns anos, mesmo antes das recentes mudanças de presidentes da Funai, percebemos que existe uma manobra muito grande dentro da Funai por parte de organizações não-governamentais, especificamente, o CTI – Centro de Trabalho Indigenista. Esta ong tomou conta da Funai.

Ninguém mais sabe resolver a situação do índio, os seus projetos e tudo mais que os indígenas precisam. Até mesmo dentro da Funai, o papel da presidente de decidir, assinar e resolver a questão do índio está em função da decisão da CTI. A presidente da Funai aceita a decisão do CTI para resolver as questões da Funai.

O próprio índio tem dificuldade de entender se está conservando com a presidente da Funai ou com o CTI. Isso vem acontecendo há anos e ainda existe neste exato momento. Para clarear as questões para que os indígenas entendam, deveriam dizer que o CTI não é a Funai. O CTI não tem o papel para decidir nas questões governamentais dos indígenas. A Funai precisa se livrar do CTI, dentro do trabalho e também dentro do prédio. A Funai tem que ter sua sede e o CTI tem que trabalhar em outro lugar. A Funai tem que tirar de cargo de confiança do alto escalão pessoas ligadas diretamente ao CTI, como o Aluísio Azanha, que está como assessor da presidência da Funai.

Dentro da Funai há muita burocrática, atendimento confuso, enganação para com os indígenas. Nada se resolve e fica por isso mesmo.

Fala-se de ter mais servidores da Funai. É importante, mas a própria Funai deveria valorizar mais os servidores antigos. Esses servidores e servidoras, alguns estão encostados, sem poder contribuir com mais nada. Os servidores novos, que entraram no concurso, alguns estão sem condições de trabalhar e outros já estão dentro da política do CTI na Funai.

Hoje quem está na direção ou nas coordenações da Funai, depois que teve a reestruturação, são pessoas de confiança do CTI. Na região dos xavantes, por exemplo, quase todos que são nomeados para assumirem cargo de confiança de coordenadores e chefes das CTLs da Funai são pessoal ligado ao CTI ou indicados por eles. Os índios vão à Brasília-DF para pedir a saída ou exoneração do se coordenador, porque não corresponde a atual estrutura de trabalho nas aldeias. E os índios não são ouvidos, e fica assim sem ninguém ser exonerado do cargo de coordenador.

Na região dos xavantes, o CTI tem contato muito forte com a Associação Warã, por isso, essa associação tem tido o direito de indicar os cargos de confiança da Funai na região. A Associação Warã tem tido poder de influenciar no trabalho da Funai nas aldeias, de sugerir e cancelar projetos de acordo com seus interesses. E sempre conta como apoio muito forte do CTI. Hiparidi, da Associação Warã, é amigo íntimo de Aluísio Azanha e seu pai, Gilberto Azanha, os dois ligados ao CTI e também comandando a Funai.

O Hiparidi se diz nomeado da própria CTI para representar nacionalmente o xavante em geral, e muitos órgãos e pessoas de Brasília ou outras cidades acreditam que ele é o representante dos xavantes. Mas na verdade, os xavantes não reconhecem ele como liderança. Existem inúmeras denúncias e acusações contra ele, como roubo de carro oficial da Funai, estupro, formação de quadrilha entre outras, os xavantes exigem sua retirada, alegando falsa representatividade do povo Xavante. Muitos xavantes, e muitos servidores da Funai tem medo de denunciar o Hiparidi e a Associação Warã, porque sofrem ameaças e até violência física.

Por algumas vezes, Hiparidi Toptiro e Associação Warã tem estado à frente de negociações com grandes empreendedores, que querem investir em áreas que envolvem direta e indiretamente o povo Xavante, conseguindo com falsa representatividade negociar de forma ilegal, abrindo caminho para empreendimentos sem consulta prévia com as comunidades e suas lideranças. A Warã faz reunião só com os conhecidos deles e não com toda a comunidade, para dizer que fez reunião e que os xavantes estão de acordo. CTI faz reunião com os indígenas nas suas aldeias para aceitarem as usinas hidrelétricas, não pensando na destruição que vai acontecer depois da construção das barragens. A associação Warã pede recurso para a Funai de Brasília que repassa para Barra do Garças, que entrega para eles fazerem estes trabalhos. Enquanto isso, nenhum projeto da Funai com os xavantes é tocado adiante.

Um exemplo claro do modo de agir de Hiparidi e seus amigos foi no processo antes da desintrusão de Marãiwatsédé. Ele, não sendo de Marãiwatsédé e tendo desavenças com nossa comunidade, estava interessado no recurso dos fazendeiros e se aliou a APROSUM – Associação dos Produtores Rurais de Suiá Missu. Ele tentou fazer com que os xavantes desistissem da área e se ofereceu em apoiar e ajudar a levar alguns grupos de xavantes de outras áreas, fazendo-se passar pela comunidade de Marãiwatsédé, para ficarem do lado dos posseiros, dizendo que eles aceitavam ir para o Parque do Araguaia e deixassem Marãiwatsédé para os invasores não-indígenas. E ele ia com a viatura oficial da Funai até a aldeia Belém para falar com finado Rufino sobre essas estratégias, onde também ia Luis Alfredo Ferrezin, o advogado dos invasores falar com ele. Mas, mesmo com Hiparidi agindo contra, saiu a desintrusão em 17 de dezembro de 2012.

A Funai em Ribeirão Cascalheiras hoje está muito frágil, sem coordenador forte, identificado. Lá está agora a Terezinha, é uma boa pessoa, mas não corresponde ao momento atual de recente desintrusão, que precisa de pulso firme. A Funai está indo embora, está deixando a área da desintrusão, está cada vez menos presentes e com menos recurso e assim, os invasores podem voltar a qualquer momento.

Do jeito que está a Funai hoje, pelo menos na região dos xavantes, não tem conseguido trabalhar com nada e atender as demandas das comunidades. Ainda se trabalha um pouco em Marãiwatsédé, mas nas outras aldeias, não tem mais presença de funcionários da Funai.

A atual presidente da Funai deveria ter coragem para encarar esse domínio do CTI, pedir ao Ministério da Justiça tirar o CTI fora da Funai. Para encerrar nosso depoimento ainda quero insistir em falar da Funai. A Funai tem que ser a Funai. Ela é a primeira responsável em atendimento aos indígenas e não o CTI. Temos que recuperar o respeito com as lideranças indígenas e ouvir as falas deles e atender o que eles estão dizendo.

Cacique Damião Paridzane.

Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador Rafael Xucuru-Kariri

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