Das Lideranças Pataxó para a Presidente da FUNAI

19 de abril de 2012.

À presidente da FUNAI 

Dr. Senhora Marta Azevedo 

Assunto: Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco – Bolsa Prêmio de Vocação para a Diplomacia

Cumprimentando-os cordialmente, encaminhamos o presente documento que traz algumas indagações a respeito do programa de ação afirmativa do instituto rio branco – bolsa prêmio de vocação para a diplomacia, para que se possa proceder aos encaminhamentos necessários, caso haja certificação de violação dos direitos indígenas.

Ao se analisar dados contidos na Lei Orçamentária Anual (LOA) no site do Senado Federal nota-se que, desde o ano de 2003, consta no âmbito do orçamento temático indigenista o programa 0685 – ENSINO PROFISSIONAL DIPLOMÁTICO , que abrange a ação 0795 – CONCESSÃO DE BOLSAS DE ESTUDO A CANDIDATOS AFRO-DESCENDENTES A CARREIRA DIPLOMÁTICA, tendo como unidade orçamentária o Ministério das Relações Exteriores. Ao visualizar as peças orçamentárias dos anos posteriores percebe-se a recorrência do programa 0685 e a modificação da descrição da ação 0795, que, de 2003 à 2009 passa a ser apresentada como COONCESSÃO DE BOLSAS DE ESTUDO A CANDIDATOS AFRO-DESCENDENTES E INDÍGENAS A CARREIRA DIPLOMÁTICA. Entretanto, a partir de 2010 até o corrente ano, não apenas a ação que incluía indígenas, mas o próprio programa passa a não constar mais no orçamento indigenista.

O programa 0685 tem como objetivo “formar e aperfeiçoar pessoal para o serviço exterior brasileiro” e a ação específica mencionada acima tem a finalidade de “incentivar o ingresso de afro-descendentes e indígenas na carreira diplomática, mediante a concessão de bolsas destinadas ao custeio de estudos preparatórios ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata”. Sua operacionalização se dá através de concessão da “Bolsa-prêmio de vocação para a diplomacia” a ser utilizada pelos beneficiários para a preparação ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata promovido anualmente pelo Instituto Rio Branco.

O processo de seleção para a concessão dessas bolsas é realizado anualmente desde 2002, através de edital lançado pelo Instituto Rio Branco e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). No entanto em TODOS os editais exclui-se a possibilidade de que nós indígenas nos candidatemos à bolsa ao se instruir enquanto requisito básico a declaração de afirmação de afrodescendência.

De maneira alguma questionamos a concessão de bolsas aos afrodescendentes, ao contrário, rememoramos que o Programa de Ações Afirmativas no MRE foi lançado em 21 de março de 2002, em comemoração ao Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, sendo criado enquanto instrumento para eliminar barreiras institucionais que impedem que os sujeitos negros e indígenas mantenham uma interação integral e equânime com os outros atores da sociedade.

Nesse sentido, os questionamentos se direcionam à omissão do componente indígena nos editais supracitados, ao se estabelecer que apenas afrodescendentes podem concorrer às bolsas. Tendo em vista que na descrição da ação 079, nós indígenas estamos (ou pelo menos estávamos) incluídos enquanto público-alvo, a supressão desse público nos editais se constitui enquanto um elemento de distorção dos objetivos do programa e enquanto uma violação de direitos por nós adquiridos, os quais se materializam através de políticas públicas afirmativas, tal qual a que está sendo objeto desse documento.

É lamentável que está situação de exclusão tenha se prolongado por tanto tempo sem que os órgãos competentes tomassem as devidas providências no intuito de retificar os erros cometidos, minimizando os prejuízos aos povos indígenas. A perda da eficácia desta política e o desvirtuamento das suas metas são constatados na condição atual em que não se verifica a entrada de indígenas no corpo burocrático da Diplomacia Brasileira.

Com base o quadro evidenciado, apresentamos as seguintes proposições:

Entendendo que a função institucional da FUNAI, como consta o seu estatuto, é “exercer em nome da União, a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas”, além de “formular”, coordenar, articular acompanhar e garantir o cumprimento da política indigenista do Estado brasileiro” torna-se imprescindível o acompanhamento desta política por parte da FUNAI, além de uma intervenção institucional do órgão indigenista tanto para averiguar as razões que levam à exclusão do público indígena nas matérias dos editais passados quanto para tomar as providências imediatas cabíveis visando a inclusão efetiva do público indígena nesse programa, já que normativamente o programa já abarca esse grupo.

Entendendo ser o Ministério das Relações Exteriores através do Instituto Rio Branco e o Ministério da Ciência, Tecnologia e informação através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), os responsáveis pelo estabelecimento das regras e pela realização do processo seletivo do “Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco – Bolsa Prêmio de Vocação para a Diplomacia”, solicitamos esclarecimentos sobre as razões que levam à exclusão do público indígena nos conteúdos de todos os editais realizados até o ano de 2012 e a imediata mudança nos requisitos para concorrer à bolsa visando a inclusão dos indígenas como candidatos.

Atenciosamente,

Lideranças indígenas Pataxó

Fonte: arquivo pessoal do pesquisador Rafael Xucuru-Kariri

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