Boa Vista (RR), 07 de abril de 2003.
O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, solicitou através do Ofício Nº 92-GSIPR/SAEI, de 18 de fevereiro de 2003, pronunciamento do presidente do Senado Federal sobre projetos de decretos que objetivam homologar as demarcações administrativas das terras indígenas Jacamim, Wai Wai, Moskow, Muriru e Boqueirão no Estado de Roraima, e assim como Bajjonkôre(PA) e Cuiú-Cuiú (AM).
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou, no dia 2 de abril de 2003, parecer do Relator Senador Romero Jucá (PSBD-RR), favorável à edição de decretos homologando as demarcações administrativas das terras indígenas Banjonkôre e Cuiú-Cuiu, e o sobrestamento da homologação das terras Jacamim, Wai Wai, Moskow, Muriru e Boqueirão, alegando que devem merecer estudos mais acurados, por parte do Governo Federal, visando à solução definitiva dos casos conflituosos.
A Agência Senado divulgou que as homologações serão retardadas até que sejam consultados representantes dos governos federal e estadual sobre o tema. Acrescentou ainda que ‘O Senador [Romero Jucá] ponderou que a homologação dessas áreas, onde não vê problemas demarcatórios, poderá acirrar os conflitos em outras terras indígenas, como na Raposa Serra do Sol e na região da rodovia BR 174, que fica fechada à noite [TI Waimiri-Atroari-RR/AM]”.
O Conselho Indígena de Roraima – CIR, organização dos povos indígenas Ingaricó, Macuxi, Taurepang, Patamona, Sapará, Wai Wai, Wapichana e Yanomami que habitam o Estado de Roraima, extremamente preocupado com o tratamento aos direitos indígenas vem manifestar o seguinte:
A solicitação da Presidência da República em análise no Senado Federal, sobretudo à vista das bases de sua justificação, importa em subversão da ordem jurídica e da natureza das coisas, ao pretender que o parecer do relator Senador Romero Jucá acolhido pela Comissão de Constituição e Justiça que faz prevalecer interesses antiindígena sobre o próprio direito à vida, tenha o poder de paralisar as homologações.
As comunidades indígenas ao longo dos anos vêm reivindicando a regularização de suas terras. Porém, mesmo com os avanços no reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição Federal, continuam os constantes ataques por parte dos políticos do Estado de Roraima que se utilizam de todos os meios para irem contra os direitos indígenas. Lamentamos que políticos de Roraima atuam desta forma negativa, se contrapondo inclusive às normas constitucionais.
Entendemos que a regularização fundiárias das terras indígenas atende os critérios que a própria norma constitucional dispõem, ou seja, as necessidades dos povos indígenas para garantir sua sobrevivência física e cultural. É um dever da União fazer com que esse direito seja protegido.
Os atos concretos de demarcação das terras indígenas não carecem de confirmação do poder legislativo, uma vez que decorrem de imperativo constitucional, expresso no caput do art. 231 da Constituição Federal em vigor, que manda a União demarcar as terras indígenas. Tal determinação, ademais, configura competência administrativa federal, visto que representa atividade administrativa da União, a qual, nesse caso, está a reger bem próprio, pois, de acordo com o art. 20, XI, da Carta Magna, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens que lhe pertencem.
Observamos que os atos da Administração Pública devem dar-se nos limites da Lei, sendo assim a União está obrigada a editar as disposições legais ensejadoras da cobertura que lhe permitam concretizar os encargos a ela cometidos pela Constituição. Tais normas são: a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973 [Estatuto do Índio] e o Decreto n° 1.775, de 8 de janeiro de 1996 [que regulamenta o procedimento demarcatório das terras indígenas].
A competência do Ministro da Justiça de declarar, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinar sua demarcação foi conferida pelo art. 2° § 10, inciso I do Decreto 1.775/96. Ao editar essa norma legal, o Presidente da República exercitou a competência de que está investido pelo art. 84, inciso II da Carta em vigor, da qual deriva o poder de “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”.
Salientamos que no decorrer do procedimento demarcatório pelo Decreto 1775/96, o direito de contestação é aberto a todos os interessados, sendo ultrapassada essa fase segue o rito normal do processo declarando a posse indígena e devendo o Presidente da República confirmar os atos do Ministro da Justiça.
A amplitude dos direitos conferidos aos povos indígenas não oferece ensejo à possibilidade de restrições decorrentes dos fatos referidos na justificativa da proposição em exame. O surgimento de tensões sociais decorrentes das medidas demarcatórias ou a imposição de obstáculos ao desenvolvimento econômico do Estado pela suposta insuficiência de seu território não representam fundamento para se imporem obstáculos às demarcações das terras indígenas.
Ao contrário, verificadas as condições para a caracterização da natureza de terra tradicionalmente ocupada pelos índios, conforme disciplina o § 1° do art. 231, evidencia-se a posse indígena assegurada pelo § 2°, que prevalece contra qualquer outra. Tal posse prepondera, inclusive, à de portadores de alegados títulos de propriedade, por força das disposições do § 6°, que declara nulos, extintos e incapazes de produzir efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
A terra representa a condição imanente à vida dos indígenas, por ser indispensável à existência física e cultural, de gerações presentes e futuras.
Por ocasião da 32ª Assembléia dos Tuxauas, fevereiro de 2003, as lideranças indígenas cobraram da Presidência da República a agilização das 6 (seis) terras pendentes da homologação, Jacamim, Moskow, Muriru, Boqueirão, Wai Wai e Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.
Nossas posições foram sempre no sentido de solicitar as providências legais às autoridades competências, por isso pedimos a solução emergencial, para nos defendermos das pretensões dos que são contrários à demarcação das terras indígenas, sobretudo quanto a demarcação integral da TI Raposa Serra do Sol. A morosidade na regularização fundiária dos territórios indígenas incentiva, além do retardo, a inversão de direito.
Defendemos e buscamos. Queremos a garantia do cumprimento da Carta Magna Brasileira, queremos o respeito e reconhecimento dos nossos direitos originários sobre a terra, nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e reivindicamos que o Poder Legislativo contribua para a proteção e respeitos a todos os direitos amparados pelas Constituição Federal Brasileira.
Em nome dos povos indígenas de Roraima em especial das comunidades indígenas das TIs Jacamim, Mosckow, Muriru, Boqueirão, Wai Wai e Raposa Serra do Sol convidamos a se manifestar em prol dos direitos povos indígenas.
CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA
Fonte: https://cimi.org.br/2004/06/21924/