22 de abril de 2000
Aos Srs. Presidentes do Brasil e Portugal
Fernando Henrique Cardoso e Jorge Sampaio
Estamos aqui com toda verdade de nossa Tradição. Sem rancor, sem raiva. Mas, também não estamos comemorando nada. Esta não é nossa comemoração. Apesar de toda distância e dificuldade, viemos porque temos que falar com vocês. Estamos aqui para fazer um novo contato.
Nossos antepassados, nossos avós aceitavam os “presentes” que vocês deixavam para enfeitiçar nosso povo e pensavam que era uma atitude de amizade verdadeira. Acreditavam que aceitando os presentes vocês iam nos respeitar, que estaríamos protegidos. Mas essa história se repete. As frentes de atração continuam usando essa mesma tática para atrair e iludir nossos parentes que nem sabem que o Brasil existe.
Vivemos neste lugar há muito tempo, muito antes dele se chamar Brasil. Nossos ancestrais andavam aqui em liberdade…
Hoje vivemos cercados, em pequenos pedaços de terra. Para todo lado que andamos existem sinais daquilo que vocês chamam progresso.
Mesmo nossos territórios demarcados continuam sendo ameaçados pelos projetos de desenvolvimento que não levam em consideração nosso pensamento e nossa vida. Não entendemos o significado das palavras democracia e liberdade que vocês tanto usam. Vocês dizem que gostam da terra. Isso não é verdade. Seus descendentes são numerosos mas viraram a face para a verdade da Criação. Mal sabem quem são.
O povo brasileiro não conhece o povo indígena. Vocês não sabem quem somos, nunca entraram em nossas casas com respeito para compartilhar nossa sabedoria e amizade.
Agora estamos aqui para revelar a vocês a beleza e a força, o que há de mais profundo e verdadeiro na nossa Tradição. O ritual que aprendemos com nossos ancestrais na origem do tempo, a nossa herança.
Que esta revelação possa despertar o encontro com a verdadeira natureza que está dentro de vocês, que possa fortalecer o espírito criador contra o avanço do lado obscuro.
Estamos aqui com nossa verdade e isso dói. Traz dúvidas e dor. Porque não sabemos se vocês vão ser capazes de enxergar o que estamos trazendo.
Estamos fazendo um ritual de passagem para transformar este lugar num país onde nosso povo possa permanecer vivendo com sua identidade e patrimônio, dentro de sua tradição. Onde nossos filhos e os seus filhos possam conviver de uma forma mais justa e respeitosa compartilhando o conhecimento e a sabedoria, construindo um jeito novo de viver.
Povo Xavante – Aldeia Eteñiritipá
Povo Mehinaku – Aldeia Uiaipiuku
Fonte:https://www.folhadelondrina.com.br/geral/indios-protestam-em-carta-a-fhc-e-sampaio-278078.html