Rio de janeiro, 23 de setembro de 2004

Dos escritores indígenas para brasileiros

CARTA da KARI – OCA

Nós, escritores indígenas, estivemos reunidos no Rio de Janeiro nos dias 22 e 23 de setembro de 2004, para realizar o I Encontro Nacional de Escritores Indígenas. Nosso evento fez parte da programação do 6o. Seminário FNLIJ de Literatura Infantil e Juvenil que aconteceu durante o VI Salão do Livro Infantil e Juvenil organizado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ, teve como tema “O Direito Autoral e a Proteção dos Conhecimentos Tradicionais”, cujo objetivo era debater formas alternativas para o incremento de uma política de proteção dos conhecimentos coletivos de nossos povos.

Durante estes dias pudemos conversar com o público leitor, editores, autores e ilustradores de literatura infantil e juvenil e aprender os mecanismos para a publicação dos textos de autoria indígena. Foi um encontro recheado de boas surpresas e aprendizado para nós e para a sociedade brasileira, representada pelo acolhedor povo carioca. Nosso evento, organizado pelo Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual – INBRAPI -, apoiado pela Fundação Ford e pela Embaixada da Noruega – NORAD, tornou-se um marco importante no estabelecimento de uma nova relação com a sociedade e com os organismos responsáveis pela proteção dos conhecimentos tradicionais e pelas leis de proteção ao direito autoral. Reunidos, assim, de forma pacífica, mas decisiva; de forma amorosa, mas contundente, conclamamos a sociedade brasileira a pensar conosco algumas de nossas conclusões:

1. Nosso conhecimento tradicional é coletivo e está vivo e presente em nosso país muito antes dos conquistadores europeus aportarem em nossas praias. É um conhecimento que abrange o material, mas principalmente o espiritual de nossa gente e não pode ser considerado domínio público, pois o uso indevido pode empobrecer seu verdadeiro valor moral e social e deturpar seu sentido poético e simbólico;

2.Nossa oralidade é parte fundamental para a manutenção dos nossos sistemas sociais, políticos, religiosos e educacionais. Entendemos a necessidade de revigorar nossa tradição e nossos valores a partir da oralidade, bem como entendemos que um meio disso ocorrer é através da edição e difusão de livros de autoria indígena, nos quais nossas crianças poderão encontrar incentivo e estímulo para o conviver com sua própria identidade étnica;

3. Os conhecimentos de nossos avós foram deixados para nossos netos de forma oral como uma teia que une o passado ao futuro. Esta fórmula pedagógica tem sustentado o céu no seu lugar e mantido os rios e as montanhas como companheiros de caminhada para nossos povos. Tais conhecimentos, em forma de narrativas – chamado mitos pelo ocidente – foram sendo apropriados por pesquisadores, missionários, aventureiros, viajantes que não levaram em consideração a autoria coletiva e divulgaram estas histórias não se preocupando com os seus verdadeiros donos e não repartindo com as comunidades os dividendos provenientes de sua comercialização no mercado editorial nacional e internacional. Consideramos este tipo de manipulação prejudicial e reivindicamos uma relação mais ética e transparente com o patrimônio cultural – material e imaterial – de nossos povos.

A partir destes pontos abordados durante nosso encontro, decidimos:
1. Fundar um núcleo de escritores indígenas que pretende reunir autores em torno de uma agenda comum na defesa dos direitos autorais coletivos de nossa gente. Tal núcleo estará ligado ao Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual – INBRAPI – e agirá junto às instâncias governamentais e não-governamentais que operam com a defesa dos conhecimentos tradicionais. Além disso, o NEI prestará consultoria para o mercado editorial, procurando ser uma referência para a sociedade;

2. Sugerir às editoras maior cuidado com a edição e publicação de livros ligados à temática indígena. Semelhante cuidado ajudará a diminuir a exclusão social de nossos povos e a aproximar nossas sociedades e a sociedade brasileira;

3. Propor a criação de um selo de Responsabilidade social e Repartição de Benefíciospara ser usado em livros publicados com histórias tradicionais identificadas. Tais benefícios seriam depositados num fundo especialmente criado para o gerenciamento do mesmo sob a responsabilidade do NEI;

4. Alertar os governos (federal, estadual e municipal) para a necessidade urgente do desenvolvimento de políticas públicas para implementar, em nossas comunidades, bibliotecas especializadas bem como projetos de incentivo ao livro e à leitura;

5. Articular politicamente junto aos governos (Federal, Estadual e Municipal) rubrica orçamentária específica para viabilizar as ações do NEI;

6. Sugerir à Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ – a manutenção, em sua agenda, dos concursos CURUMIM e TAMOIOS para incentivar a leitura de livros de autoria indígena bem como incentivar o surgimento de talentos literários entre os indígenas brasileiros. Acreditamos que nosso encontro foi muito proveitoso para nós e para a sociedade brasileira e temos certeza que avançamos, ainda que a passos lentos como pede a sabedoria de nossos ancestrais, de chegarmos a um momento de verdadeira troca com a sociedade nacional.

Ailton Krenak – Krenak
Álvaro Fernandes Sampaio – Tukano
Daniel Kabixi – Paresi
Daniel Munduruku – Munduruku
Dorvalino Fernandes – Desana
Eliane Potiguara – Potiguara
Lúcio Flores – Terena
Luis Lana – Desana
Olívio Jekupé – Guarani
Ozias Gloria – Saterê-Mawé
René Kithaulu – Nambikwara
Sulami Katy – Potiguara

 

Fonte: Inbrapi, http://www.inbrapi.org.br/artigo.php?id=11

 

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