01 de julho de 2006.

Das lideranças indígenas para o Brasil.

CARTA DE VITÓRIA

 

Nós, reunidos no Seminário “Os Direitos dos Povos Indígenas e o Avanço do Agronegócio: Questões e Desafios”, realizado no dia 1º de junho de 2006, na cidade de Vitória/ES, aproveitamos esse momento histórico para expressar os pontos fundamentais a respeito dos conflitos fundiários envolvendo índios Tupinikim e Guarani e a multinacional Aracruz Celulose, no município de Aracruz,ES; e as exigências de uma solução por parte do Governo Federal, instância da qual se espera, com grande expectativa, uma decisão definitiva sobre os referidos conflitos.

É importante lembrar que a Aracruz Celulose ocupa hoje no ES, cerca de 150 mil ha, dos quais 18.070 ha pertencem ao patrimônio da União e destinados à posse exclusiva e permanente dos povos indígenas Tupinikim e Guarani, como determina a Constituição Federal. Embora essas terras tenham sido identificadas pela FUNAI, a conivência do governo brasileiro, desde 1967, tem sido fundamental para garantir a continuidade dessa invasão. Apenas 7.061 ha foram recuperados pelos índios, após muita luta e sofrimento. Os 11.009 ha restantes encontram-se ainda ocupados pela empresa, aguardando a Portaria de Delimitação pelo atual Ministro da Justiça, desde maio/2005.

Sendo assim, a solução do conflito está nas mãos do Ministro da Justiça. Todos os estudos técnicos para dirimir a questão dos direitos às terras em disputa já foram produzidos e seus resultados são por demais conhecidos. Por isso, não há lugar para dúvidas, pelo menos do ponto de vista técnico. Na última década foram produzidos quatro estudos de identificação da área indígena, pelos grupos de especialistas da FUNAI, cujos resultados constataram e reafirmaram que as terras em disputa são tradicionalmente ocupadas pelos povos Tupinikim e Guarani. Mais, os estudos técnicos da FUNAI concluíram que aquelas terras são fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos indígenas.

Assim, a questão passou agora para o complicado campo das definições políticas, no qual cabe ao governo decidir por uma posição, pressionado por todos os interesses em jogo. Sabemos que durante todas essas décadas de apropriação de privilégios junto ao governo federal, desde o período da ditadura militar, a Aracruz Celulose tornou-se um grupo econômico muito poderoso, com capacidade de influir nas mais variadas esferas de decisão da República.

Por isso mesmo, advertindo sobre as arbitrariedades que se acumularam e as perversas conseqüências sobre as comunidades indígenas do ES, exigimos que desta vez os direitos humanos indígenas sejam privilegiados sobre os interesses meramente econômicos da multinacional do eucalipto.

É necessário alertar que esta associação entre os interesses privados e a esfera pública, tão usual em nossa história republicana, é o maior poder de pressão que a empresa possui. Indo de encontro à própria legislação brasileira, a Aracruz Celulose tenta desqualificar a via administrativa e forçar que a resolução se dê através da Justiça. Devemos nos opor a esta medida e denunciá-la como um desrespeito à legislação brasileira, pois o decreto 1775/96 dispõe sobre os procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas. Além disso, fica claro que a intenção da empresa é apostar na lentidão da justiça e nas brechas jurídicas que têm favorecido o poder econômico e financeiro. Enquanto isso, poderá continuar lucrando com o plantio de eucalipto nas terras indígenas.

Por fim, posicionados na trincheira dos direitos indígenas, exigimos que o governo brasileiro pague a dívida social com os Tupinikim e Guarani; e que obedeça os artigos 231 e 232 da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, da qual é signatário. Que a FUNAI emita um parecer bem fundamentado sobre as contestações a serem oferecidas pela Aacruz Celulose e num prazo de até 30 dias. Que o Ministro da Justiça assine a Portaria de Delimitação no prazo estabelecido de 30 dias, sem solicitar novos estudos.

 

Assinam,

  1. Pedro da Silva – Cacique Guarani da Aldeia de Piraque-Açú
  2. Valdeir A. Silva – Cacique Tupinikim da Aldeia de Pau Brasul
  3. João Mateus – Cacique Tupiniquim da Aldeia de Comboios
  4. Luciana Bento Carvalho da Silva – Aldeia Tupinikim de Irajá
  5. Paulo Tupinikim – Coordenador da Comissão de Caciques Tupinikim e Guarani
  6. Jonas Ernesto da Silva – Aldeia Guarani de Boa Esperança
  7. Dom Tomáz Balduíno –CPT Nacional – Comissão Pastoral da Terra
  8. Jorge Eduardo Saavedra Durão – ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais / FASE Nacional – Federação de Órgãos p/ Assistência Social e Educacional
  9. Magnólia Azevedo Said – Rede Brasil / ESPLAR – Centro de Pesquisa
  10. Marcelo Oliveira da Silva – Cacique Guarani da Aldeia Três Palmeiras
  11. Tânia Aparecida de Souza – MMC – Movimento das Mulheres Camponesas/Brasil
  12. Ademilson Pereira da Souza – MST/ES
  13. Elizabeth Ferreira das Mercis Vasconcelos – AMUS-CONMUS
  14. Arlete Mª Pinheiro Schubert – COMIN / IECLB
  15. Rosa Dárquis Alves – Sindilimpe
  16. Isaias Santana da Rocha – MNDH / CECUN-ES
  17. Pedro Kitoko – CONSEA/ES
  18. Ana Flávia Rocha – ABRANDH – Associação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos
  19. Relatoria Nacional para o Direito Humano à Alimentação, Água e Terra Rural – Flávio Valente
  20. Wilson Mário Santana – CIMI – Conselho Indigenista Missionário
  21. Marilda Telles Maracci – Associação dos Geógrafos Brasileiros
  22. Leomar Honorato Lírio – MPA – Movimentos dos Pequenos Agricultores
  23. Elda Alvarenga – Coletivo Capixaba de Apoio ao FSM
  24. Luciana Silvestre Girelli – ENECOS – Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social
  25. Marta Falqueto – MNDH/ES Movimento Nacional de Direitos Humanos
  26. Helder Gomes – COOPEMULT Consultoria
  27. Nilma do Carmo de Jesus – Irmãs Missionárias Combonianas
  28. Paulo Roberto Rodrigues Amorim – Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória
  29. Maureen Cristina Martins dos Santos – FASE Nacional
  30. Isabel Cristina Martinez de S. Pereira – Projeto DESC/FASE
  31. Fernando Pinheiro Schubert – DCE/UFES
  32. Sebastião Ribeiro Filho – Advogado (OAB/ES 4060)
  33. Lígia Moysés Nascimento – Brigada Indígena/ES
  34. Joselito Nascimento Maciel – Frente de Resistência e Luta Pataxó
  35. Marina Filetti – Gabinete Deputado Estadual Cláudio Vereza – PT/ES
  36. Ivonete Gonçalves – CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul/BA
  37. Cláudio Vereza – Deputado Estadual – PT
  38. José Koopmans – CDDH Teixeira de Freitas / BA
  39. Roberto Cosme do Santos – Comissão Quilombola do Sapê do Norte
  40. Vanessa Vilarinho Moraes – Gabinete Deputado Estadual Carlos Casteglione / PT e Rede Alerta
  41. Iraneide Pimenta – Centro Acadêmico de Serviço Social – Faculdade Salesiana de Vitória/ES

 

Fonte:

http://www.fase.org.br/v2/pagina.php?id=827

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