Manaus, AM: 13 de dezembro de 2018.

Do IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas para o Brasil

Documento Final do IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas

Alto lá! Nossas terras são inalienáveis e indisponíveis e nossos direitos inegociáveis!

Nós tuxauas, caciques, professores, profissionais de saúde, de 30 povos e 50 organizações indígenas, de 35 municípios do Amazonas, lideranças indígenas provenientes dos estados do Acre, Rondônia, Pará, Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul, nos reunimos nos entre os dias 12 a 14 de dezembro de 2018, no IV Encontro de Educação e Saúde Indígena do Amazonas, organizado pelo Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas, Foreeia, com a presença de representantes de entidades aliadas e instituições governamentais, com o objetivo de analisar a realidade e discutir a estratégias de ação do movimento indígena, num cenário que aponta para a redução dos direitos indígenas conquistados através de anos de luta.

É explicita a postura política do novo governo federal de negar os direitos humanos fundamentais, individuais e coletivos, com manifestações preconceituosas, racistas e discriminatórias, atingindo os povos indígenas, negros, mulheres, comunidade LGBT, trabalhadores, idosos, pobres e marginalizados em flagrante desrespeito com a Constituição Federal e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Constatamos, em relação a Amazônia e a natureza, sagrada para nós, absoluta falta de juízo uma vez que o objetivo se volta para a descaracterização dos territórios indígenas de uso coletivo e das áreas de proteção ambiental em benéfico da ganância insustentável do agronegócio, do uso extensivo da monocultura, das empresas madeireiras e de mineração. Além disso, tal dinâmica estimula a presença de grileiros, aventureiros, e toda sorte de práticas ilegais que favorecem o desmatamento, a contaminação do meio ambiente e aumentam a violência do campo atingindo diretamente os povos indígenas, populações tradicionais e trabalhadores rurais. Essa lógica é absolutamente incompreensível para nós, uma vez que, em nossos territórios, todos indistintamente, fazemos uso coletivo dos recursos naturais oferecidos pela natureza garantindo vida e futuro para as próximas gerações.

É clara a intenção de atingir os nossos povos, negando a nossa identidade e os laços que nos unem a terra mãe e aos nossos territórios tradicionais, inclusive, valendo-se do proselitismo religioso, para transformar-nos em simples produtores integrados a comunhão nacional sem qualquer reconhecimento dos direitos étnicos específicos que nos diferenciam enquanto povos indígenas de tradição coletiva. Querem nos integrar ao mercado e, dessa forma, confiscar e dividir as nossas terras entregando-as ao capital para a exploração irracional dos recursos naturais.

Nesse mesmo impulso, a política educacional orientada a partir da proposta da Escola sem partido pretende calar os nossos povos, restringir a nossa capacidade de pensamento crítico e cercear a nossa liberdade de expressão. A estratégia visa colocar os jovens a serviço do mercado e a subserviência do capital negando a importância do debate, da expressão pedagógica criativa e da reflexão sobre os direitos que prepara para o exercício da cidadania e a valorização da democracia. A perseguição aos professores é mais uma das estratégias voltadas para este objetivo, transformando esses educadores em reprodutores da ideologia dominante.

Nos campos da educação escolar e da saúde indígena os desafios continuam enormes, apesar das conquistas do movimento indígena nos últimos anos.

Na educação, verifica-se a falta de implementação das políticas públicas especificas fazendo com que 60 % das escolas indígenas não dispõem de prédios e de condições estruturais e pedagógicas adequadas que atendam nossas especificidades socioculturais e sociolinguísticas.

As ofertas de cursos de formação inicial em nível médio (magistério indígena), formação continuada e superior são reduzidos e não conseguem atender à demanda de nossos povos. Não existem programas de produção de material didático específico à realidade de cada povo, a merenda escolar não é regionalizada, entre outras questões que inviabilizam a oferta de uma educação de qualidade aos povos indígenas do Estado. Muitas línguas indígenas estão ameaçadas e caminhando para o processo de extinção. Nossos jovens estão sendo excluídos dos diversos níveis de educação, em especial do ensino médio, obrigação constitucional do Estado, onde são raras as propostas formatadas a partir dos princípios da interculturalidade e especificidade. Dessa forma, a educação não contribui para a efetivação de nossos projetos societários de futuro enquanto povos indígenas ligados aos nossos territórios.

Na saúde, verifica-se insuficiência e a baixa qualidade do atendimento realizado nas aldeias, nos polos bases, nas sedes municipais e nos demais pontos de atendimento médico. As unidades de saúde quando não são insuficientes, são inadequadas em suas estruturas físicas e na logística de seus funcionamentos, sendo comum a falta de equipamentos, instrumentos médicos, e medicamentos.

A política de saúde indígena implementada nas aldeias não aprendeu a dialogar com os princípios e práticas de medicina indígena tradicional com o uso de plantas medicinais e as curas espirituais através do xamanismo. Para isso é fundamental que os profissionais indígenas de saúde e não indígenas que atuam nas aldeias, nas CASAIs e nos hospitais recebam formação em cursos específicos e diferenciados. Preocupa-nos a descaracterização dos instrumentos de controle social no âmbito do subsistema de saúde indígena afetando a nossa capacidade de inferir nos processos de gestão e de decisão.

Considerando as lutas do movimento indígena assumidas ao longo de décadas pela afirmação da identidade e a demarcação dos territórios indígenas, das conquistas alcançadas no campo dos direitos e o que isso significou de sofrimento das nossas comunidades e povos indígenas, inclusive, o sangue derramado de muitas lideranças, reafirmamos que:

  • Não desistiremos da luta por nossos direitos
  • Enfrentaremos quaisquer ameaças, obstáculos e desafios que atentam contra a vida e a identidade de nossos povos
  • Não nos calaremos diante da violação dos direitos humanos assim como não pactuamos com políticas de exclusão e marginalização
  • Uniremos as nossas forças e nossas vozes junto a de outros segmentos da sociedade urbana e rural, incluindo as comunidades tradicionais também marginalizadas e esquecidas.
  • A nossa autonomia frente ao Estado, com pleno e efetivo direito de consulta em relação a todas as políticas, projetos econômicos e a legislação que nos dizem respeito.
  • Não abriremos mão de lutar pela demarcação de nossos territórios, declarados pela constituição como indisponíveis e inalienáveis, regularizados, exercendo o usufruto exclusivo de suas riquezas.
  • Os nossos territórios são sagrados e continuaremos defendendo-os contra todo tipo de invasão, desmatamento e depredação sabendo que com isto estaremos contribuindo com o bem-viver de toda a humanidade e o futuro do planeta.
  • A necessidade de uma política indigenista do governo do Amazonas de fortalecimento de nossos projetos de vida que venha atender as enormes demandas dos 65 povos indígenas do estado e em sintonia com a legislação vigente.
  • A importância da criação de uma Subsecretaria de educação escolar indígena do Amazonas, para atender a enorme diversidade sociocultural e linguística do Amazonas.

Fonte: https://racismoambiental.net.br/2018/12/17/lideres-indigenas-do-amazonas-denunciam-alto-la-nossas-terras-sao-inalienaveis-e-indisponiveis-e-nossos-direitos-inegociaveis/

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