25 de maio de 2013

De Marciano Rodrigues Guarani para o Brasil

O QUE PENSO SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL DOS POVOS INDÍGENAS E DO RADICALISMO E PENSAMENTOS ANTI INDÍGENAS

(Não pensei em um título, só pensei e escrevi) 

Nos últimos dias tenho visto, ouvido e observado tantas críticas, comentários pró e contra, denuncias e defesas sobre a atual situação da politica indigenista e questões que envolvem os Povos Indígenas.

Sempre soube que não é fácil ser indígena neste país, que não é moleza ser defensor dos direitos indígenas, que é sofrido se um verdadeiro militante e quanto é árduo ser indigenista por amor a causa. Mas nunca foi tão forte e explicita a investida e ataque como esses dias. E nunca foram tão impactantes para mim todas estas declarações tão preconceituosas. Por um momento senti que não nos veem mais como serem humanos, como filhos do mesmo deus que este país acredita. 

Eu particularmente tenho uma vida já bem inteirada com a sociedade, muitos anos morando na cidade, estudando, trabalhando, muitos verdadeiros amigos não indígenas, mas sou um Guarani Nhandewa sempre com muito orgulho e sempre apregoando isso onde quer que eu esteja. Filho de pais Guarani, nascido no seio da aldeia, criado entre os costumes tradicionais, nos rituais sagrados que guardo e pratico sempre que possível, falo minha língua e aprendi a ser militante incansável na defesa dos direitos do meu Povo e acima de tudo prevendo e sonhando com um futuro melhor para nossas tão sofridas comunidades. 

Dessa forma pretendo por toda minha vida continuar na luta, anunciando minha tão rica e linda cultura, disseminando nossa visão de mundo, nossas práticas conscientes e éticas por um mundo mais justo, com mais vida espiritual e ambiental. Tudo isso na tentativa de amenizar um pouco todos os preconceitos e discriminação que enfrentamos de todas as formas, nas universidades, no trabalho, nas ruas, nas festas, nos hospitais, enfim, no dia a dia. Quem é índio sabe do que estou falando.

Quem me conhece sabe que também não sou um militante radical ou revolucionário, mas é claro que sempre estou junto com meus parentes quando temos que agir com um pouco mais de energia (tem situações que é só assim). Quando digo que quero sempre defender o direito da população indígena, penso também num trabalho voltado para sua formação politica e social que os torne cidadãos aptos e ativos no cenário sociopolítico nacional, desenvolvimento e potencialização das comunidades em seus conhecimentos no crescimento do país, sem sentirem menos índios por isso, sem perderem suas raízes. Sempre tenho comigo que desenvolvimento ético e consciente não fere os princípios tradicionais e culturais de um povo. Desenvolvimento e valorização cultural podem caminhar juntos. Claro que penso em mais de 230 Povos que temos aqui e que cada um tem suas particularidades e isso deve sim ser respeitado. E tratado com muito cuidado cada uma dessas diferenças. Mas em uma região como a minha, onde vivemos em minúsculos territórios, que nos restaram, devastado pelo colonialismo e degradado pelas politicas agrícolas de produção e propósitos integracionistas dos órgãos “protetores” dos índios, a realidade é outra e o tratamento deve ser outro. Nossas comunidades que vivem na base, meus nobres companheiros de luta que conhecem a real situação, sabem das batalhas diárias e dos desafios cotidianos que se deparam para conseguirem suprir, parcialmente, suas necessidades. Depois desta degeneração toda da consciência dos nossos avós e pais iludidos pelos negócios produtividades desta vida, desvalorizando seus modos próprios de viver, somos taxados de vagabundos, empecilhos e atrasados. Querem que sejamos obrigados a dar um salto evolutivo na vida de um “selvagem” pra este mundo contemporâneo num tempo recorde de 100 ou 50 anos? Isso é impossível! Isso é tortura psicológica.  Coisa que a na historia da evolução social humana levou milhares de anos, querem que adequemos e aceitemos tão rápido a vida neste sistema, achando que não há impactos, sentimento e sofrimento. Por isso a gente vê tantas comunidades sendo extintas, sem esperança de sobrevivência, porque acabam ficando a margem deste sistema, sem ter mais como viver das alternativas que a natureza oferecia, e do jeito próprio que eles faziam, sem ter mais como seguir orientações de sabedorias ancestrais, milenares e sem condições de sobreviver com as formas convencionais do “homem branco”. 

Sinceramente não dá para entender a intensão da sociedade opressora e dos governos, o que ele querem de nós. Somos considerados os guardiões da biodiversidade, mas cadê o valor por essa nossa boa atitude? Falam por ai que temos muito que ensinar quando o assunto é práticas sustentáveis e consciência ambiental, mas não nos dão condições praticarmos isso e sobrevivermos disso. 

Tudo o que fizeram pra gente nesta trajetória foi com atitudes paternalistas e assistencialistas sem olharem para nosso futuro. Está aí toda a consequência. Tanto sofrimento, tanta vulnerabilidade, tanta falta de perspectivas, tanta insegurança social e alimentar. 

O que vi neste tempo também, na maioria das vezes, foram muitas ações de má fé e interesses por trás das nossas causas e situações precárias. Induzem e corrompem muitos de nossos parentes esse tal capitalismo e neodesenvolvimentismo. Isso tudo acaba desarticulando nosso povo e tirando de deles o foco maior e principal que é o fortalecimento coletivo, politico e social das nossas comunidades. Parece que fazem tudo de uma forma para não dar certo mesmo e depois jogam na nossa cara e indagam os governos contra nossas desvantagens e julgam nossa desgraça. 

Para esse posicionamento do governo e sua cúpula não acho necessários ler e citar palavras por palavras, capitulo por capitulo, onde estamos assegurados e nos baseando, porque a Constituição Brasileira, OIT 169, Declaração das Nações Unidas, Declaração dos Direitos Humanos, Legislação Indigenista e tantos outros regimentos acho que já conhecem e como pessoas publicas e maiorais na nação devem saber melhor que qualquer um. E tem a obrigação de saber, penso eu. 

Diante de todo esse turbilhão de declarações, anúncios e atitudes, o que gostaria na verdade, é que eles pronunciassem claramente qual a verdadeira intenção com os Povos Indígenas. 

Sei que a população indígena não pensa em radicalizar, reivindicar a retomada de todas as terras que nos foram tiradas, senão teríamos que retomar todo o território nacional. Nós sabemos o que queremos e do que precisamos. Isso tudo é uma pequena porcentagem do que é de direito. Agora, acho equivocada e radical a decisão de pedirem pra mudar tudo para dificultar a demarcação de nossas terras ou de pedir a paralização de tudo, como foi no Paraná. Queremos de melhorem e que sejam mais sérios os processos demarcatórios. Queremos que nossos irmãos ocupantes de boa fé de nossos territórios sejam também atendidos satisfatoriamente. Queremos que os processos não fiquem parados por décadas como acontece atualmente, gerando muitos conflitos, confinamentos e desumanidades, como na vida de centenas de grupos, que vivem em acampamentos na beira das estradas e das fazendas, ou mesmo em favelões indígenas com alguns lugares. Acabam ainda que no final e alguns situações de demarcação, os atritos perduram por muito mais tempo. A insatisfação entre índios e não índios, quando não é lavado em conta certos detalhes causam como já sabemos juras de vinganças e violências mesmo depois que aparentemente se tenha resolvido o problema. Porque durante um processo territorial tem um monte de gente envolvida. Desde da assistência jurídica do MPF até da Policia Federal em alguns casos. Mas quando acham que está tudo resolvido, na verdade mal resolvido, todos vão para suas bases de origem. Os representantes das organizações indígenas, as instituições indigenistas, outros defensores, o GT da FUNAI. Tudo ainda segue perigosamente pra muitas lideranças e comunidade, porque o proprietário que foi prejudicado não vai atrás do GT de demarcação, ou PF ou do MPF, vão atrás dos próprios índios que lutaram para rever suas terras. E ai pode algum mal acontecer. Está tudo demarcado? E agora? O compromisso do estado acaba ali? 

É hora de mudar sim, ou talvez simplesmente, fazer valer e cumprir o que já está determinado. Tem é que intensificar a cobrança dos órgão responsáveis pelo processo territorial e da politica indigenista, não dificultarem ainda mais a ação. É hora de mudar a forma indenizar e dar condições de continuidade de vida a esses proprietários, não de paralisar tudo. É hora de fortalecer a FUNAI, com pessoas, estrutura e recursos e não planejar em acabar com ela. É hora de gestão dos territórios indígenas demarcados e dos que irão ser demarcados para também produzirem e gerarem renda, alimento e tornarem nossas comunidades autossustentáveis. É hora do governo olhar com outros olhos para os Povos Indígenas sem ser influenciado e pressionado pelas mentiras e desprezo dos ruralistas, evangélicos e tantos outros anti indígenas. Deveriam acreditar que nós temos sim um grande potencial, só nós restam oportunidades e valorização, mesmo do nosso modo diferenciado de ser e de fazer.

Por que pensar que a alternativa agora é tirar nossos direitos, enfraquecer a FUNAI, não demarcar mais terras, não nos ouvir, não nos consultar? 

Um caso que acompanhei: a denuncia nos últimos dias é que quase todos os índios que vivem na região de Guairá são paraguaios. E que ainda que o estudo feito na região pela FUNAI e por antropólogos são furados e que os depoimentos dos nossos parentes são mentiras. E agora acataram os relatórios da EMBRAPA (o mais absurdo das noticias que até agora vi) que contesta tudo isso e resolveu se então que muda tudo o que já estava encaminhado. E o que a EMBRAPA quer? Ou é só mais uma aliada dos ruralistas na missão de nos exterminar? Bom, analisando que realmente esta região é um pouco polemica por ser fronteira, o que fazer então? Quem conhece um pouco da cultura guarani vai sabe o que significa território para nós, o que significa fronteira para nós. E afinal se forem paraguaios, são guarani, são indígenas, são centenas de crianças e adolescentes vulneráveis as mais terríveis ameaças. Sei porque estive lá. Conheço um pouco a região. 

Por que a Senhora Ministra não nos chama para ajuda-los a atender e acompanhar esta demanda ou “problema”? Por não dialogar como uma personalidade mais humana, ao invés de rapidamente e radicalmente atender os interesses daqueles que a pressionaram a poucos dias? Como será que eles estão considerando essas pessoas que estão lá? O que estão pensando em fazer com nossos irmãos indígenas de lá? Ouvi políticos que se dizem civilizadas dizerem absurdos para a população dos municípios da região, induzindo e agitando a sociedade contra os indígenas. Disseram até que cada índio recebe um salario da FUNAI. Que a FUNAI é que incentiva as invasões. Olha sempre fui uma pessoa critica a FUNAI em alguns aspectos, confesso, mas isso é uma grande mentira. E tantas outras barbaridades que falam por lá contra nós e a consequências e reações são imediatas, principalmente contra nossos parentes que vivem nesta região. O preconceito cresce a cada dia contra nós, sem merecermos, só por causa de mentiras que políticos e indivíduos sem noção acabam falando, não sei com que intenção?  

Outro caso que ouvi é que um grupo de indígenas que estavam trabalhando na região do Rio Grande do Sul provenientes de aldeias do Paraná e Mato Grosso do Sul retornando para suas comunidades depois de uma temporada trabalhando arduamente, receberam seus pagamentos e ao passarem por uma cidade da região oeste do Paraná foram impedidos de fazer transações bancarias naquela cidade, simplesmente por serem índios. Atividade que qualquer cidadão brasileiro tem direito de fazer. Se isso não for preconceito não sei mais do que posso chamar isso. 

Tudo isso é um pouco do que acontece neste Brasil afora contra os Povos Indígenas e contra muitos outros que também estão à margem do sistema e da imposição do capital e do desenvolvimentismo. 

E eu sei um pouco o que é defender e pregar o respeito ao ser humano e à vida e consequências deste trabalho, porque já recebi ameaças e pressão psicológica pra fazer isso. Mas isso não nos amedronta e desanima porque se tivermos que morrer, morreremos, mas nunca podemos nos calar diante de tantas injustiças. 

Sem precisar matar, sem precisar ferir, sei não será necessário radicalizar nossa atitude diante dos fatos e sei que podemos dialogar de igual para igual com esses homens e mulheres que estão no poder e encontrar uma saída, uma solução humanista e respeitosa à nossa Constituição Brasileira, sem beneficiar um crescimento e desenvolvimento destrutivo e sanguinário, sem retomar e reavivar uma politica genocida. 

Basta ter vontade politica e mais humana com o povo brasileiro. 

Ou será que não podemos mais fazer parte deste Brasil também como um dia fizemos há 513 anos atrás?

 

MARCIANO RODRIGUES

TUPÃ MIRI GUARANI NHANDEWA

Terra Indígena Laranjinha – PR

 

ARPIN SUL  

Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul 

Av. Luiz Xavier, 68 – Edifício Galeria Tijucas, 11º andar, sala 1121 

Telefone: + 55 (41) 3092-4097

 

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