21 de novembro de 2016.

De Pretinha Truká para o Brasil

Eu, Edilene Bezerra Pajeú, Pretinha Truká, venho a público manifestar meus  agradecimentos e compartilhar com minha família, amigos e aliados minha indignação pelas agressões, ofensas e assédio moral pelos quais fui bombardeada covardemente nesses últimos dias. Todavia, não tomo isso como ataque pessoal, pois estou convicta que o intuito dos meus detratores foi atingir o movimento indígena em Pernambuco, no Nordeste e no Brasil.

Os ataques foram deflagrados no último dia 04 de novembro do corrente ano, quando na Veja online foi publicada uma matéria caluniosa, fazendo interpretações tendenciosas e distorcendo imagens, numa  tentativa clara de desqualificar todo o trabalho realizado pelo nosso coletivo de professoras e professores indígenas de Pernambuco. Na sequência, alguns jornalistas desinformados acabaram reproduzindo as inverdades ali contidas. Até mesmo o Ministro da Educação, numa demonstração clara de seu total desconhecimento sobre educação escolar indígena, teceu comentários totalmente descontextualizados, reproduzindo o preconceito do senso comum.  

Aproveito a oportunidade para me dirigir a esses senhores e lhes informar que todas as atividades que desenvolvemos têm como objetivo despertar o senso crítico e valorizar a sabedoria das nossas crianças, que já entram nas nossas escolas com saberes prévios e nós professoras e professores ampliamos, corrigimos, sistematizamos oportunizando assim, a produção de novos saberes.

A tal Pretinha Truká, a qual o autor do primeiro texto se refere, não é uma jornalista, tão pouco “blogueira”, mas uma ativista política, conhecida pelos lutadores e lutadoras de todo território nacional e respeitada pelo movimento indígena do nosso país. Esse respeito por mim conquistado é resultado do meu compromisso e engajamento nas lutas sociais. Sou educadora por natureza e militante da causa indígena, uma mulher simples e de origem humilde, por isso mesmo, profundamente comprometida com minhas raízes indígenas e consciente de meu papel e do meu lugar no mundo. Fui uma criança indígena que desde cedo aprendeu com os ensinamentos dos mais velhos como funciona a sociedade indígena e a sociedade dos brancos. E é assim que acontece com todas crianças das nossas comunidades.

Por esse motivo, causa-nos estranheza as acusações de que elas são usadas como “estandartes e escudos humanos”. Tal absurdo só se justifica pela ignorância sobre a cultura dos nossos povos. Nossas filhas e nossos filhos pensam, constroem, produzem e são importantes em nossos processos de lutas. Desde cedo nossas crianças são preparadas para serem defensoras de seus direitos, contribuírem com as lutas de seus povos a se defenderem de seus agressores e das pessoas de caráter duvidoso.

Procedimento asqueroso é apenas da parte daqueles que querem escravizar as mentes humanas e coagir a voz da liberdade. Molestamento ideológico quem pratica são os colunistas de má fé, quando sentam nas madrugadas para tramar contra a vida de pessoas de bem. Doutrinação foi o que os colonizadores fizeram com os nossos antepassados, quando não conseguindo exterminar todos através de seus ataques genocidas recorreram ao etnocídio como forma de dizimar nossas culturas.

Recomendo aos senhores que cuidem das suas crianças, são milhares delas a passar fome pelas ruas das cidades, sendo aliciadas por traficantes, submetidas à violência sexual e assassinadas cotidianamente. Dos direitos das nossas crianças cuidamos nós, povos indígenas. Não se utilizem de nossas crianças para se promoverem, não se apropriem de imagens, vídeos e escritos de nossas crianças sem a devida autorização legal como o fizeram. Tudo isso é propriedade intelectual coletiva dos nossos povos. Não façam deboche de nosso trabalho sério. Nós não deixaremos ninguém usurpar o direito de nossas crianças opinarem e de se expressarem livremente.

A Constituição Federal de 1988 nos permite a liberdade de expressão, o direito de divergência de opiniões, seja em qualquer idade. São direitos fundamentais e, por isso, não é crime, nem doutrinação, tão pouco molestamento.

Temos muitos espaços de aprendizagens nas nossas comunidades e as nossas escolas são apenas alguns desses espaços. Nos nossos costumes e tradições as crianças são valorizadas e reconhecidas por suas sabedorias, assim como nossos anciãos, que são a nossa memória viva. Elas são acolhidas e cuidadas por todos na Aldeia e sempre são informadas das ameaças a seus direitos.

Sabemos que estamos vivendo um tempo de exceção que reprime opiniões, o direito de questionar e de fazer debates, posicionar-se contrário à política de base golpista, seguindo a lógica do movimento “Escola Sem Partido”. Mas isso não nos intimida.

 

Aproveitamos ainda esta oportunidade para deixar claro que não fazemos de nossas escolas comitês políticos, muitos menos espaços de proselitismo de qualquer ordem. Levamos a sério o compromisso que assumimos junto aos nossos povos de poder compartilhar conhecimentos numa perspectiva crítica descolonial. Por isso, mesmo estando com meus contratos rescindidos desde o dia 20 julho do corrente ano, sem nenhum vínculo com o poder público, participo ativamente dos eventos do meu povo, porque sou membro da comunidade, liderança da educação em meu povo, e por ser mãe de estudantes das nossas escolas com muito orgulho.

O fato de ter me tornado candidata a vereadora em meu município foi uma decisão da comunidade. Foi o povo Truká que entendeu que seria importante ter uma mulher indígena na Câmara Municipal de Cabrobó. Nosso povo sabe que eu jamais usaria a minha posição para fazer intriguinhas políticas partidárias. Não perderia meu tempo que é tão precioso, tenho muitas responsabilidades como mãe, militante e liderança. Sou contra a PEC 241/55 não porque sou esquerdista muito menos direitista, é porque ela, assim como tantas outras medidas que esse governo vem realizando, ameaça os direitos dos povos indígenas no nosso país, principalmente os direitos fundamentais e sociais de nossas crianças, pois se hoje sofremos da precariedade do atendimento da saúde e educação, já imaginamos o que ocorrerá no transcurso dos 20 anos de recursos reduzidos.

O governo ilegítimo propôs a PEC 241/55 para reduzir os gastos públicos, mas se esqueceu, e quero lembrá-lo, de que na proposta de emenda, não há redução dos gastos privados, o que, aliás, não são poucos a começar pelos altíssimos salários dos deputados, senadores, juízes que contribuíram com a usurpação do poder central por esse governo ilegítimo.  Esqueceu ainda, de diminuir o índice da violência, de miséria, do desemprego, a centralização de recursos nas mãos de poderosos políticos, empresários e ruralistas, como também de reduzir a corrupção que está impregnada no seu governo e afeta diretamente a população vulnerável do nosso país, alguém pode me dizer em que parte da PEC esses males vão ser sanados e/ou reduzidos?

 

Senhores detratores, peço-lhes que antes de difamar qualquer pessoa procurem se informar sobre o que estão falando, não deturpem o trabalho sério de pessoas honestas para conseguir leitores para seus blogs.

Por fim, encerro agradecendo a todas e todos que como eu demonstraram indignação e manifestaram repúdio às acusações que me foram injustamente imputadas. Sigamos junto e em lutas. Nossa resistência é a nossa Esperança. Não recuaremos nunca.

Não à PEC 241/55! Nenhum direito a menos!

Atenciosamente,

Pretinha Truká.

Ilha da Assunção, Território Sagrado do Povo Truká

Fonte: https://cimi.org.br/2016/11/39052/

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