Luziãnia – GO, 30 de abril de 2003.
Carta dos Indígenas ao Brasil.
Nós, lideranças indígenas de 54 povos de todas as regiões do país, reunidas no Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil com 250 participantes, no Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia/GO, nos dias 25 a 30 de abril de 2003, discutimos, a partir da realidade concreta de nossas comunidades, a política indigenista que queremos.
Estamos profundamente preocupados com a escalada da violência contra os nossos povos que nesse início de ano já resultou no assassinato de 07 índios em decorrência da falta de garantia dos nossos territórios e devido ao preconceito.
Após quatro meses do governo eleito onde a esperança venceu o medo, estamos surpresos com a falta de definição da política indigenista e do protelamento injustificado das homologações das Terras Indígenas. A apreciação da demarcação pelo Conselho de Segurança Nacional constitui uma flagrante ilegalidade. Constatamos que a violência contra nossos povos está aumentando, devido a incapacidade do governo em garantir o nosso direito histórico sobre as terras que tradicionalmente ocupamos.
Não aceitamos a sobreposição de Unidades de Conservação nas terras indígenas, pois confrontam com nosso direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e criam enormes transtornos para as nossas comunidades.
Esperamos que, após longos anos de luta do movimento indígena, finalmente se garantam políticas públicas de educação, saúde e autosustentação específicas e diferenciadas que possibilitem o respeito a diversidade étnica e cultural e os recursos necessários para a sua implementação.
Rejeitamos enfaticamente a PEC nº 38 do Senador Mozarildo Cavalcanti/RR que limita o tamanho das terras indígenas por Estado e elimina o direito originário sobre as nossas terras tradicionalmente ocupadas. Condenamos igualmente as outras Propostas de Emenda Constitucional e Projetos de Lei que pretendem restringir nossos direitos conquistados e possibilitar que terceiros explorem os recursos naturais de nossas terras.
Queremos, com ampla discussão dos povos e organizações indígenas, a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, para que o mesmo fortaleça nossos direitos e atenda as nossas necessidades.
Reconhecemos como de grande importância a iniciativa da criação da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos Indígenas e contamos com a mesma para a aprovação das propostas articuladas do movimento indígena.
Considerando essa situação propomos:
A criação da Comissão de Política Indigenista para formular a política do Estado Brasileiro baseada em um amplo processo de participação indígena, de caráter temporário, até a criação do Ministério Indígena.
A criação do Ministério Indígena para fortalecer as políticas públicas, que assegurem os nossos direitos históricos e constitucionais e que possa responder as demandas concretas de nossos povos.
A imediata homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol e de todas as demais que aguardam o Decreto homologatório do Presidente da República.
A punição dos assassinos de nossas lideranças (Aldo da Silva Mota – Macuxi/RR; Leopoldo Crespo – Kaingang/RS; Marcos Veron – Guarani-Kaiowá/MS; Adenilson Barbosa Xucuru/PE; Joseilton José Atikum/PE; João Batista Truká/PE; Roberto Batista Truká/PE, Cacique Joaquim Xavante/MT, e Raimundo Silvino Shawanawá/AC e uma ação prioritária para a solução dos problemas que afetam os povos Xucuru de Ororubá/PE, Tuxá/BA, Pataxó Hã-Hã-Hãe/BA, Pataxó/BA, Cinta Larga/RO, e os povos da terra indígena Raposa Serra Sol.
A retirada imediata dos invasores da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna em Rondônia, e Guajajara no Maranhão que estão sendo invadidas por madeireiros e posseiros.
A agilização de GTs para identificação e delimitação das terras indígenas.
O reconhecimento dos povos indígenas ressurgidos e a demarcação de suas terras.
A imediata desintrusão das terras indígenas tradicionalmente ocupadas para assegurar o nosso direito e erradicar a violência.
Que medidas urgentes sejam tomadas para embargar todas as hidrelétricas que atingem a Terra Indígena Rio Branco no município de Alta Floresta/RO, pois ameaçam a sobrevivência física e cultural dos indígenas atingidos, a exemplo do que aconteceu com os Tuxá da Bahia.
Garantia de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal, que os recursos naturais sejam de usufruto exclusivo das comunidades indígenas, impedindo a exploração de terceiros.
A revogação do Decreto 1775/96 que restringe nossos direitos sobre a terra e do decreto 4.412/02, flagrantemente inconstitucional, que dispõe sobre o trânsito dos militares e da Polícia Federal nas terras indígenas.
A aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas pelo Congresso Nacional.
A revogação das Unidades de Conservação incidentes nas terras indígenas.
Garantia dos recursos financeiros específicos no PPA (Plano Plurianual –2004 – 2007) para demarcação e proteção das terras, saúde, educação e autosustentação de nossos povos.
A realização da Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena.
A criação da Secretaria Nacional de Educação Escolar Indígena no âmbito do MEC.
A garantia de um representante indígena na Câmara Superior, do Conselho Nacional de Educação.
A garantia da participação de indígenas nas equipes técnicas, nos Departamentos que tratam da Educação Escolar Indígena, no MEC e nas secretarias de Estados.
Autonomia administrativa e financeira dos DSEIs, garantindo a competência federal e fazendo valer as resoluções da III Conferência Nacional de Saúde.
A garantia de 04 representantes indígenas no Conselho Nacional de Saúde.
A garantia de participação de indígenas nos cargos de direção dos DSEIs.
A exoneração do coordenador do DESAI (Departamento de Saúde Indígena da Funasa).
Criação das condições necessárias para o fortalecimento do controle social das políticas públicas voltadas para nossos povos.
A elaboração de uma política específica para a autosustentação de nossas comunidades, através da formulação de programas que contemplem a proteção e recuperação ambiental de nossas terras, o apoio as economias indígenas e a certificação dos nossos produtos.
“Pedimos que tenham mais respeito pelo nosso jeito de ser, que é como nós queremos continuar sendo”. (Augusto Kaingang cacique da Aldeia Irai/RS).
Documento Final do Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil
Fonte: https://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=644