VAMOS SONHAR JUNTOS E CONSTRUIR EM MUTIRÃO
Nós, representantes dos povos indígenas de Minas Gerais, Espírito Santo, Sul e Extremo Sul da Bahia, das etnias Guarani, Kaxixó, Krenak, Maxakali,
Pankararu, Pataxó/BA, Pataxó/MG, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de
Belmonte- Bahia, Tupinikim, Xukuru-Kariri, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Aranã e
Xakriabá, reunidos de 30 de setembro a 04 de outubro, no 1º Mutirão dos
Povos Indígenas do Leste, realizado na aldeia Brejo Mata Fome, na terra
indígena Xakriabá, no município de São João das Missões-MG, discutimos,
durante cinco dias a política indigenista na atual conjuntura.
Analisamos a postura destes nove meses de mandato, de um Governo Federal eleito propondo atender as demandas de grupos cujos direitos são
restringidos ou freqüentemente violados e detectamos que nenhuma atenção tem sido dada aos povos indígenas.
Nestes primeiros meses de governo Lula não vimos nenhuma sinalização para a construção de uma nova política indigenista elaborada a partir do dialogo com os povos indígenas, que respeite a diversidade étnica e cultural, que atenda de fato as nossas necessidades e que respeite os direitos garantidos na Constituição de 1988. Ao contrário, acompanhamos um quadro de violência alarmante, quando 20 lideranças indígenas foram brutalmente assassinadas na luta pela terra e a pressão cada vez mais intensa de setores antiindígenas (madeireiras, imobiliárias, fazendeiros, empresas de celulose,
multinacionais, empresas de turismos, grandes projetos e barragens) que
buscam com articulações políticas, impedir a demarcação, homologação,
ampliação e regularização de nossos territórios.
Neste Mutirão, nas discussões sobre o tema “A Política Indigenista em tempo
de mudança: entre o sonho e a realidade”, constatamos as diversas
necessidades de cada povo nas áreas de saúde, educação, auto-sustentação e terra e nos comprometemos juntos, partindo da realidade de cada etnia, a
lutar para a transformação desta realidade, buscando transformar o real em
possível e o impossível em possível.
Diante deste contexto é que reivindicamos:
– Criação do Conselho Superior de política indigenista, com a participação
de representantes indígenas;
– Demarcação, homologação e ampliação de todas as terras indígenas, a
exemplo das terras dos povos Krenak, Kaxixó, Xukuru-Kariri, Aranã, Xakriabá, Maxakalí, Pataxó/BA, Pataxó HãHãHãe, Tupinikim, Guarani e Tupinambá;
– Implementação de fato do subsistema de atenção à saúde dos povos indígenas conforme estabelece a lei nº 9836/99 – Lei Arouca, estruturando no âmbito do Ministério da Saúde uma instância que responda de forma específica pelas ações e serviços em saúde, organizado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas com autonomia administrativa, orçamentária e financeira, bem como o reconhecimento das práticas dos sistemas tradicionais indígenas de saúde;
– Elaboração de política de educação escolar indígena que vise a construção
de uma escola que abre caminhos de autonomia, que seja um espaço gerador de vida na linha da libertação, alimentando e fortalecendo a caminhada dos povos indígenas, garantindo uma educação diferenciada até formação de nível superior;
– Aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, conforme a proposta apresentada pelo movimento indígena;
– Que as terras, ditas da União e do Estado consideradas devolutas, também
sejam disponibilizadas aos povos indígenas conforme reivindicação, a exemplo dos Pataxó/MG;
– O fim do desmatamento e poluição das nascentes, rios, bacias e igarapés,
provocado por invasores, mineradoras, barragens, plantação de eucalipto,
exploração imobiliária e turística. Elaboração de uma política ambiental que
atenda as realidades, demandas e aspirações diferenciadas de cada povo;
– A imediata proibição do plantio/comercialização de produtos transgênicos,;
– A implantação de saneamento básico, energia elétrica e estradas quando
reivindicadas pelos povos e a manutenção das mesmas;
– Apuração e punição dos crimes e assassinatos cometidos contra os povos
indígenas e suas lideranças, bem como os agressores que cometem violências sexuais, físicas e morais contra as mulheres indígenas;
– Na construção da nova política indigenista, sejam garantidos mecanismos de planejamento, controle e fiscalização pelas comunidades indígenas, dos
recursos destinados à assistência aos povos;
– O respeito à religiosidade, cultura e tradição dos povos indígenas;
– Revogação dos decretos 1775/96 (dá direito à invasores de terra indígena,
de contestar a demarcação, mesmo quando homologada) e 4412/02 (dá liberdade de trânsito nas áreas indígenas às Forças Armadas e à Polícia Federal, inclusive com direito de instalar unidades e equipamentos), e dos que dispõe sobre unidade de conservação em terras indígenas;
– Tratamento imparcial para todos os índios por parte dos órgãos governamentais e o reconhecimento dos documentos indígenas emitidos pela
Funai nas esferas municipal, estadual e federal;
– Não queremos ser tratados como objetos de políticas públicas elaboradas
nos gabinetes, a exemplo do programa Fome Zero, mas sujeitos propositores
desde a elaboração a execução dos programas governamentais.
Em honra do sangue derramado pelo Cacique Rosalino Xakriabá e de todos os guerreiros que tombaram na luta em defesa da mãe terra, reafirmamos o nosso compromisso de continuar lutando pela garantia dos direitos, realização dos nossos projetos de vida, pela dignidade dos povos indígenas e justiça social para todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.
“Não queremos ser grandes. Não queremos ser pequenos. Queremos os nossos direitos garantidos”.
Documento Final do 1º Mutirão dos Povos Indígenas do Leste
Fonte: www.cimi.org.br