Fortaleza, 14 de agosto de 1996.
Nós, Povos e Organizações Indígenas no Ceará, estamos escrevendo para as Entidades, as Organizações, as Instituições, as Igrejas, aos nossos Parentes, a todas as pessoas de boa vontade e que acreditam que nós, reunidos, podemos transformar a sociedade que nós vivemos hoje, numa nova sociedade onde todas as pessoas, os grupos organizados tenham seus direitos respeitados, tenham VIDA GARANTIDA.
Estamos querendo informar a todos o que estamos sofrendo atualmente em nossas áreas indígenas. Entre nós, ao todo, já são 15 Grupos Indígenas de dez (10) Povos, localizados em doze (12) municípios no Ceará, Nordeste do Brasil.
Desses dez (10) Povos, só dois (2) têm suas áreas delimitadas e seus Povos Identificados oficialmente (Diário Oficial da União de 13 e 27 de julho de 1993) – os Tapeba e os Tremembé de Almofala.
A Constituição de 1988 diz que todas as terras indígenas devem ser demarcadas até 5 de outubro de 1993. O Governo Federal não cumpriu essa obrigação.
De 1993 para cá a nossa vida tem sido de mais sofrimento ainda do que antes. Por causa da nossa luta pela demarcação das nossas terras chegou mais perseguição, ameaças de morte nas nossas lideranças, mais invasão nas nossas terras. E muitas das nossas próprias famílias estão contra essa luta pela terra por causa do grande medo que sempre existiu entre nós (Tremembé de Almofala).
No ano de 1995 nós se manifestamos de todo jeito: com cartas, com audiências públicas, sessões, assembleias, o que foi possível fazer contra a ameaça do ministro da Justiça de publicar um novo decreto mudando o processo administrativo de demarcação das terras indígenas.
Nós tínhamos medo desse novo decreto porque o governo nunca fez decreto para beneficiar nossos direitos. E é isso que está acontecendo. Em vez de estar cumprindo a Constituição, está é dificultando mais e mais a demarcação, como foi feito agora com a revisão autorizada pelo ministro da Justiça contra oito áreas indígenas e têm delas até já demarcada e homologada.
No nosso caso – Tapeba e Tremembé de Almofala – as contestações apresentadas contra nossos direitos não foram aceitas pelo ministro Nelson Jobim, que considerou elas “improcedentes”. Foi uma grande vitória. Mas, cadê a demarcação das nossas terras? Não era para terem sido publicadas imediatamente? Só se falava que esse decreto era para melhorar as condições da demarcação, apressar até. E, agora, cadê a demarcação das nossas terras, se não tem mais nenhum empecilho? Nós perguntamos se esse decreto é mesmo para facilitar ou para dificultar ainda mais.
Nos pareceres assinados pelo ministro ele dá o prazo de 120 dias para os interessados se “habilitarem às indenizações por benfeitorias, realizadas de boa-fé, a serem apuradas em procedimento específico”. O que quer dizer isso? Os levantamentos das benfeitorias já foram feitos e fazem parte do processo administrativo de demarcação.
Nesses mesmos pareceres o ministro da Justiça confirma todos nossos direitos garantidos na Constituição de 1988. Adiante, volta atrás, desobedece a mesma Constituição e dá direito aos posseiros de entrar novamente no processo. O decreto facilitou para os interessados que são contra os direitos indígenas e aumentou as dificuldades nas áreas onde o processo de delimitação, identificação e de demarcação é recente e tem conflito.
Vejam o que está acontecendo nas nossas áreas:
- Área Indígena de Almofala – o prefeito de Itarema, José Maria Monteiro está com uma máquina entupindo uma lagoa que fica atrás da igrejinha de Almofala. Dizem que é para a construção de casas. Os terrenos dentro da área indígena continuam sendo cercados e novas construções sendo feitas;
- Nos Tapeba têm uma invasão recente, dentro da área delimitada, a mando do deputado federal José Gerardo Arruda, que é candidato a prefeito de Caucaia. São umas 200 famílias – entram e saem, cercam, constroem casas. E apesar de todos os esforços junto às autoridades responsáveis, há mais de 15 dias, não tem uma solução, uma decisão para resolver esse problema. Até ameaça de morte já tem contra a vida do cacique Alberto;
- Nos Pitaguary, município de Maracanau, o empregado da empresa EPACE, do governo do Estado, Marcilio Nogueira de Oliveira, destruiu a casa do Pedro Marcolino, Pitaguary, com mais de 80 anos de idade;
- Na área indígena dos Canindé, no município de Aratuba, tem um começo de conflito por causa de 300 hectares de terra indígena tradicional, que foi incluída na desapropriação da Fazenda Alegre, e que é reclamada pelos Canindé, pois é área de caça, de plantio desses indígenas;
- Na área dos Genipapo-Canindé, em Aquiraz, os posseiros estão cercando e vendendo as terras que pertencem a esse Povo Indígena e tentando os expulsar.
Apesar de todos esses sofrimentos nós continuamos organizados, acreditando na nossa força que vem dos nossos antepassados, da nossa cultura, do nosso jeito diferente que precisa ser respeitado. Nós acreditamos que o nosso jeito não pode ser dificuldade de entendimento entre nós e os que não são indígenas.
Contamos com o apoio de vocês, dos senhores e senhoras que sempre têm se manifestado a nosso favor. Agora é um momento necessário e importante de ficar do nosso lado, de escrever para o ministro da Justiça, para o presidente da República. Nós precisamos que esse decreto 1775/96 seja REVOGADO para que o processo de demarcação das nossas terras indígenas seja concluído e nossos direitos garantidos.
Pedimos para articular outras entidades, associações, amigos, o que for possível. Façam um movimento de apoio, cartas, em protesto a esse decreto que tanto prejudica nossa vida, nossa sobrevivência como Povos Indígenas.
Nós agradecemos, desde já.
Francisco Marques do Nascimento – Vice-Cacique Tremembé
Francisco AIves Teixeira – Cacique Tapeba
Luís ManoeI do Nascimento – Pajé Tremembé de Almofala/Varjota
Antonio Severiano Lisboa – Liderança Tremembé
Raimunda Rodrigues Teixeira – Presidente da Associação das Comunidades Índios Tapeba
Margarida Teixeira Gomes – Liderança Tapeba
Francisco Manoel Pedro – Presidente Conselho Indígena Tremembé
Antonio Ricardo Domingos da Costa – Delegado do Ceará na APOINME e CAPOIB
Fonte: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Cimi-40-anos_manifesto-contra-decretos-exterminio.pdf