Sena Madureira - Acre

Do Povo Jaminawá para o Brasil

Sena Madureira/AC – 03 de Abril de 2012.

 

Aos parentes – Povos Originários do Estado do Acre

Aos gestores públicos dos governos Municipal, Estadual e Federal

Aos representantes do povo brasileiro nas Câmaras de Vereadores, Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados Federais, Senadores

Ao Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio – FUNAI

Ao Ministério da Saúde, Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI

À Procuradoria da República, Ao Ministério Público Federal

À Presidência da República

 

Hoje expressamos nossas palavras até o mais profundo dos vossos corações para desabafar todos esses anos de dores, doenças, desespero, genocídio, perseguição, que já não pode ser mais silenciados. Somos povo originário, Xixinawa, Kununawa, Sharanawa, e Mastanawa denominados em 1975 por Jaminawá, que reunidos de 02 a 03 de abril de 2012, em Seminário no município de Sena Madureira-AC, com a participação de 71 líderes Jaminawá: caciques, professores, agentes de saúde, pajés, estudantes, parteiras, representante em poderes públicos e da organização OCAEJ. Somos parte dos primeiros habitantes desta terra, desde a época de nossas malocas “tempo feliz”, estas águas, estas florestas – isto tudo eram só nosso antes da chegada da ganância, da sede de poder, da soberba e da ambição.

Por direito tudo nos pertence e nunca tivemos problema em compartilhar com os que chegaram depois, com justiça e com razão, mas temos direito à dignidade, que hoje marcha com a multidão cansada, com restos de almas sobreviventes, com chamas que a morte não verá totalmente extinta. Fazemos ouvir a nossa voz para lembrar que não fomos exterminados totalmente e, movidos pela necessidade, pela insatisfação, pela indignação diante do descaso dos poderes públicos para com o nosso povo.

Hoje levantamos nossas vozes para defender os nossos direitos garantidos em leis e agressivamente descumpridos. Hoje mais fortes, porque unidos desde as comunidades, viemos desabafar que o não cumprimento da lei, está colaborando, para ferir a dignidade do nosso povo, exterminar a vida de nossas crianças, para envenenar as nossas águas dos rios, para transformar a Mãe Terra em negócios de lucros, para nos tirar o direito de existir, conquistado com sangue, defendido com bravura de nossos antigos guerreiros.

Somos os menos apreciados pelos poderes públicos, os menores, mas os primeiros. Somos os esquecidos, os invisíveis, contudo, os mais fortes e resistentes. Somos os desprezados, porém, os mais dignos. E aqui estamos vivos como muitos não nos queriam. Nosso caminhar armado de esperanças, não é contra o não indígena, é contra a raça do dinheiro. Não é contra a cor da pele, é contra a cor do poder. Não é contra a língua estrangeira, é contra a linguagem da exploração de nossos direitos e de nossas vidas. Somos mulheres e homens, velhos e novos, pessoas simples, gente comum, isto é, descontentes, inquietos, sonhadores que carregam sobre seus ombros o peso de uma luta contra a violência, a exploração, a expropriação e o extermínio das memórias de nossas tradições, somos vítimas anônimas que pagamos o preço de existir.

Hoje, nós dizemos não! Não coagimos e não nascemos para ser coagidos. Não exploramos e não queremos explorar. Nós, cuja sede de liberdade é tão grande quanto à de ser péssimos escravos, nós declaramos REPÚDIO contra tudo e todos que nos faz mal!

Nestes termos, exigimos o atendimento de nossas necessidades em caráter emergencial:

“Terra Território, o feito por fazer”

Exigimos: Que seja cumprido o que determina à Constituição Federal o dever de demarcar as terras ocupadas pelo Povo Jaminawá (Art. 231, caput), o que reconhece os direitos originários e imprescritíveis dos Jaminawá e outros povos à posse dessas terras (Art. 231, caput e § 4.º) e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes em seu solo, rios e lagos (Art. 231, § 2.º), e a nulidade e extinção dos efeitos jurídicos dos atos que disponham sobre a ocupação, posse, domínio dessas terras e usufruto daquelas riquezas naturais (Art. 231, § 6.º).

Como consequência da não demarcação das Terras Indígenas: as famílias Jaminawá vivem em constantes perseguições, acompanhados de preconceitos, discriminação e massacre, por fazendeiros e seus capangas. Muito das vezes tendo que comprarem palhas (recurso que é da natureza) de fazendeiros para cobrir suas casas. Outras que pelas necessidades, desobedeceram aos fazendeiros para plantar agriculturas de subsistência para o sustento de suas famílias estão vivendo sob ameaças de morte. Nas áreas de reservas extrativistas em torno das terras habitadas por familias Jaminawá, estão cada vez mais invadidas, as áreas de onde as famílias tiram seus alimentos, estão sendo bloqueadas com placas de identificação das reservas.

Já não bastasse tudo isso, as famílias Jaminawá vêm sendo alvo de preconceitos, discriminação e difamação por parte de órgãos públicos, pela sociedade acreana e pelos representantes do povo do Acre, como é o caso da “Entrevista dada pelos senadores da República, Sr. Jorge Viana, Anibal Diniz e Sergio Petecão, para a TV Senado”. Como é de conhecimento de todos, várias comunidades Jaminawá foram atingidas pela alagação e tiveram como consequências grandes prejuízos com perda total de suas produções, criações e estão vivendo a mercê da sorte, sem ter a quem recorrer, sem ter pra onde ir, sem ter como reproduzir para o sustento de suas famílias.

“Saúde, o feito por fazer”

– Que sejam cumpridas as ações de saneamento básico nas comunidades Jaminawá, dando prioridade nas comunidades afetadas pela alagação, com distribuição de água potável;

– Que seja implementada as ações de segurança alimentar para qualidade de vida do povo Jaminawá;

– Que sejam respeitadas as necessidades diferenciadas de assistência à saúde do Povo Jaminawá;

– Que sejam ofertados equipamentos e materiais para os agentes de saude indígenas Jaminawá.

“Educação, o feito por fazer”

– Que sejam feitos os reparos das estruturas das escolas construídas nas aldeias do povo Jaminawá, como reformas e novas construções.

“Cimi, o feito por fazer”

– Que reforce as ações de assessorias junto à população Jaminawá;

– Que nos ajude a articular junto a entidades de apoio aos povos indígenas, afim de que possamos dar continuidade nos debates de líderes Jaminawá.

“Governo do Estado, o feito por fazer”

Que sejam cumpridas, na íntegra, as responsabilidades do Governo do Estado do Acre, de acordo com o Artigo 220 da Constituição Estadual:

– O Estado e o Município promoverão a proteção, a prevenção e incentivarão a autonomia do povo Jaminawá e sua cultura, organização social, costumes, língua, crença, assim como conhecerão seus direitos originários sobre a terra que ocupam;

– Parágrafo 3º – O Estado e o Municipio, no limite de suas competências, devem garantir a posse permanente dos povos indígenas sobre as terras que ocupam.

“Câmara de Vereadores, o feito por fazer”

– Que seja elaborada proposta de um instrumento representativo, deliberativo das ações de políticas públicas do povo Jaminawá no município de Sena Madureira;

– Que sejam providenciadas ações de apoio para as familias Jaminawá que foram atingidas pela alagação, a fim de subsidiar a reconstrução de estruturas, produção e criação de pequenos animais.

“Prefeitura Municipal, o feito por fazer”

– Que seja aprovado um mini-programa de distribuição de alimentos suficientes para suprir as necessidades das famílias que foram alagadas, até a reconstrução de seus roçados.

“FUNAI, o feito por fazer”

– Retome imediatamente os processos de demarcação de nossas terras: São Paulino, Cayapucá, Estirão, no rio Purus, Caetê, no rio Caetê, e Guajará, no rio Yaco. Também manifestamos nosso apoio e nossa unidade à luta dos demais povos do Acre pela demarcação de suas terras;

– Somos solidários ao povo Huni kui do antigo Seringal Curralinho, no município de Feijó;

– Providencie condições para a reestruturação da infraestura da Coordenação Técnica Local/FUNAI, com condições em materiais de escritório;

– Que tome as devidas providências relacionadas às situações de conflitos entre os Jaminawá, fazendeiros e posseiros, evitando casos graves no futuro;

– Que sejam tomadas medidas a fim de prestar assistências às familias afetadas pela enchente e que não têm para onde ir;

– Que os servidores da FUNAI/Rio Branco, principalmente a Coordenação, se façam presentes nas comunidades Jaminawá para que conheçam a realidade da situação de perto, assim cumprindo com sua obrigação.

“MPF, o feito por fazer”

– Que o Ministério Público Federal efetive a ação de defender judicialmente os direitos e interesses da população Jaminawá (Art. 129, V. bem como Art. 232, da Constituição);

– Que sejam tomadas as devidas providências, o mais breve possível, no que diz respeito ao cumprimento da lei, desde o cumprimento das obrigações de cada setor público, afim de que sejam evitados conflitos entre os Jaminawá e os não indígenas, visando a proteção da integridade de todos.

Nós, líderes Jaminawá juntamente com o nosso povo, entregamos novamente nas vossas responsabilidades todas as problemáticas que têm nos maltratado, e estamos a disposição para que juntos possamos encontrar uma solução. Aguardaremos no prazo de até 30 dias uma resposta de solução e vos asseguramos que, não atendidas as nossas necessidades, todas as problemáticas que irão ocorrer não serão de nossas responsabilidades, pois nós mulheres, homens e crianças, não suportaremos mais tanta humilhação e tomaremos outras providências com nossos corpos e almas.

Povo Jaminawá do Estado do Acre

 

Fonte: https://cimi.org.br/2012/04/33354/

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