PELA DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA COMEXATIBA\ KAÍ-PEQUI: Sobre a arbitrariedade e a expulsão dos Pataxó da Aldeia Kaí
No dia 19 de janeiro de 2016 fomos novamente expulsos da nossa Terra. As sete horas da manhã fomos surpreendidos com 8 viaturas da CAEMA; uma da Polícia Militar de Itamaraju; uma da Polícia Federal; quatro carros de propriedade particular com policiais no seu interior; uma retroescavadeira e máquinas da Prefeitura Municipal de Prado; vários policiais civis e da guarda municipal comunitária prontos para destruir as residências e proceder com a reintegração de posse em favor da reclamante – a pretensa proprietária da área que retomamos em 2013, e que está incluída na Terra Indígena Delimitada Comexatiba.
O delegado da polícia federal de Porto Seguro chegou agressivamente, ameaçando e tentando intimidar as lideranças com ameaça de prisão, sem apresentar nenhum documento e exigiu a desocupação imediata da área. Tentamos contato com a FUNAI, que compareceu na situação do conflito as 13 horas, sem nenhuma providencia legal para suspender mais esta injustiça contra nós, os indígenas. O ministério público de Teixeira de Freitas que acompanha o processo declarou desconhecimento do procedimento, como seria usual.
A maior humilhação que sentimos foi diante do procedimento que orientou a desocupação e destruição das nossas casas que foi acompanhado de perto e assistido de camarote pela suposta proprietária, Catarina Azevedo Pompeu e seu filho Rui Flavio, com o apoio e proteção da polícia federal e do Estado da Bahia. A mesma pessoa que nos ameaça cotidianamente nas ruas que é a titular impetrante da respectiva ação é que foi sua própria executora. O que mais nos causa perplexidade é constatar que, quando a Kombi Escolar da Aldeia Kaí foi queimada por pistoleiros não vimos nenhuma ação da polícia ou ação da justiça para nos defender. Quando nossa oca de cultura foi incendiada, não conseguimos nem registrar um boletim de ocorrência junto à delegacia de polícia de Prado. Quando nossas lideranças foram tocaiadas e atacadas por tiroteio, não fomos ouvidos.
Em reunião com o Vice-Governador e Comando da Polícia Militar da Bahia, em novembro de 2015, foi assumido o compromisso conosco que não aconteceriam ações policiais desta forma, à revelia. Mas, não é essa a garantia que presenciamos agora. Fomos informados que esta ação não partiu do Comando de Salvador, mas de uma mobilização de agentes políticos e fazendeiros regionais comprometidos com os especuladores de terra e grandes fazendas da região que contrataram o serviço. Perguntamos: Se tal comando é desconhecido pela Secretaria de Segurança Pública que comando, então, terá partido esta operação?
Fomos informados que as Polícias Estaduais não dispõem ainda, de recursos de custeio para estas operações e pairam rumores de que esta foi feita com financiamento privado. Quem terá financiado? Isso está direito? Assistimos o pretenso proprietário e
impetrante da ação distribuindo alimentação para os policiais no momento de sua execução. Perguntamos: É lícito um especulador de terra financiar a polícia para desalojar e humilhar dezenas de famílias indígenas que lhes incômodas e indesejáveis ?
Ao final da desocupação assistimos, ainda, com a presença e anuência da polícia, a entrada de quatro pistoleiros, que se identificaram como se fossem policiais, contratados para impedir nosso retorno à terra pelos supostos proprietários que a tudo assistia, atentamente.
No dia seguinte aos acontecimentos, a vice cacique da aldeia Kaí, Jovita de Oliveira foi interpelada e acusada de atear fogo na ponte a caminho da aldeia (ponte do rio do Peixe Grande). O que ocorreu de fato foi o incêndio de uma moto, caso sem qualquer relação com o conflito, como foi comprovado mais tarde no mesmo dia. Acusação feita pelo sub-tenente da polícia militar lotado em Cumuruxatiba e gravada ao telefone pela mesma. Tememos que novas acusações infundadas contra nossas lideranças gerem humilhação, constrangimento, violência e novos argumentos para esse regime de arbítrio colonial.
Recebemos cópias de outros processos de reintegração de posse por toda a Terra Indígena, todos assinados pelo mesmo juiz, que desconsidera completamente o direito indígena. Chama a atenção as reintegrações concedidas a pessoas que ocuparam irregularmente a área de reforma agraria PA Cumuruxatiba. Como é possível uma pessoa que não é sequer cadastrada no INCRA como assentado, que tem uma ordem de retirada do lote vencida, obter o direito na justiça de retirar indígenas?
Este caso desrespeita também o compromisso do INCRA durante o processo de negociação na Câmara de conciliação em Brasília. O INCRA sequer consta nos processos, é como se a terra não fosse da União. Citamos, entre outros, o caso de Eurenice Ferreira Deen, lote 90. No INCRA este lote está em nome do assentado Lino da Silva e Maria de Lourdes do Amor Divino. Como uma invasora sem nenhuma titularidade consegue que este juiz conceda sua reintegração de posse?
Diante desta situação clamamos por justiça e que a Lei seja cumprida:
O decreto 1775 que regulamenta a demarcação de terras indígenas estabelece prazos para todos os procedimentos. Esperamos que o Ministério da Justiça assine imediatamente o ato demarcatório proporcionando a segurança jurídica para nossa permanência na Terra;
Clamamos por uma providência das instâncias superiores da Justiça, suspendendo as liminares de reintegração de posse que estão sendo sistematicamente concedidas pelo Juiz de Teixeira de Freitas;
Solicitamos uma manifestação oficial do INCRA sobre os mais de trinta lotes com ocupação irregular no assentamento Cumuruxatiba, e sobre as liminares concedidas aos ocupantes irregulares(não indígenas).
Solicitamos que as dúvidas e irregularidades sobre esta operação policial de despejo sejam esclarecidas, em nome da segurança pública, da democracia, dos direitos humanos e direitos indígenas.
Confiando no Ministério Público, na Justiça e no Estado Democrático de Direito, aguardamos com ansiedade, sofrimento e esperança pelas referidas providências.
Fonte: https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/manifesto_pataxo.pdf