01 de janeiro de 2020.

Dos Munduruku para o Brasil

Nós pajés, guerreiras, mulheres, crianças e lideranças do povo Munduruku do alto, médio Tapajós e baixo Teles Pires, resgatamos a mãe dos peixes, a mãe das queixadas, mãe da tartaruga, mãe do jabuti, mãe do tracajá e outros que vocês, pariwat (não indígena), não entendem. São espíritos dos nossos antepassados. Eles estavam sofrendo desde que as Usinas Hidrelétricas Teles Pires e São Manoel destruíram nossos lugares sagrados (Karobixexe e Dekoka’a) e deixaram eles presos no lugar onde não deveriam estar, fazendo nosso povo sofrer consequências.

Nós Munduruku não fomos ocupar as hidrelétricas. Fomos cobrar que eles cumprissem o acordo de permitir que os nossos pajés fizessem seu ritual junto as Itiğ’a (o que os pariwat chamam de urnas funerárias) e que a empresa não estava cumprindo. Os representantes das empresas disseram que só podíamos fazer visita e que não podiam entregar as Itiğ’a. Queriam mandar a gente embora e falaram para gente voltar em janeiro com 4 representantes para negociar. Nós não negociamos nossos espíritos e não fazemos reuniões com poucas pessoas. Viemos em 70 Munduruku após a discussão em várias reuniões e Assembleias do nosso povo.

Até mesmo o IPHAN já reconheceu nossa autoridade sobre as urnas. Além disso, nosso protocolo de consulta diz que nos assuntos da nossa espiritualidade os pajés são a autoridade do povo a ser consultada.

Guiados pelos nossos sábios pajés, que ouvem os lamentos dos espíritos, entramos no Museu de História Natural de Alta Floresta-MT para cumprir nossa obrigação de visitar e levar alimento para eles. Na conversa dos pajés com os espíritos, eles estavam com muita raiva. Os pajés ouviram muito choro e viram seu sofrimento, por isso foi urgente libertar eles. Não foram só os pajés que sentiram, todos sentiram os espíritos gritando odaxijom (socorro). O que os pariwat olham como objetos, nossos pajés sabem que são nossos antepassados. Os espíritos foram arrancados da sua terra e estavam tristes, nós tivemos que devolver eles ao nosso território. Por isso, resgatamos nossos espíritos. Nossas Itiğ’a não podem ficar presas em Museu. Nenhum Museu de pariwat é lugar de Itiğ’a.

Os pariwat não sabem o quanto isso é importante para nós. Nunca existiu justiça pela destruição dos nossos locais sagrados, e ainda queriam que o povo Munduruku aceitasse dinheiro como compensação. Vocês jamais vão poder compensar o que fizeram.

Durante a visita, os espíritos exigiram dos pajés serem libertados e todos seguiram seu comando. Agimos por nós mesmos, ou nada iria acontecer. Vocês nunca pediram para nós se podiam retirar nossos espíritos.  Por que nós temos que continuar esperando vocês resolverem o que fazer? Fizemos como na nossa história, quando Wakoborun teve coragem para resgatar a cabeça de seu irmão das mãos dos inimigos.

Os espíritos guiaram os pajés e os pajés guiaram o povo até o local correto de seu retorno. Agora que libertamos os espíritos e fizemos o ritual, eles estão alegres e irão proteger nosso povo para gente seguir fortes em nossa luta pela defesa das nossas vidas e para manter nosso território vivo.

Sawe!

Movimento Munduruku Ipereg Ayu

CIMAT- Conselho Indígena do Alto Tapajós

Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun

Associação Da’uk

Associação Indígena Pariri

Associação Wuyxaximã

Associação Dace

Associação Kurupsar

Fonte: https://racismoambiental.net.br/2020/01/01/nota-resgate-das-itiga-pelo-povo-munduruku/

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