O Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul – CAPG, em reunião realizada nos dias 06 e 07 de fevereiro de 2017, na Terra Indígena Coxilha da Cruz Sul com a participação de lideranças Guarani Mbya do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e Sul do Paraná, vem a público manifestar suas preocupações com a política indigenista do governo brasileiro. As informações que estão sendo divulgadas pela imprensa nos fazem pensar que o presidente da República quer anular todas as nossas garantias e salvaguardas constitucionais relativas ao direito à terra, ao seu usufruto exclusivo pelas nossas comunidades, além do direito de consulta prévia, livre e informada quando o assunto nos afeta direta ou indiretamente.
As notícias que temos escutado, sobre as escolhas, as ações e os interesses do atual governo nos levam a concluir que, no âmbito da questão indígena, vão tentar tornar letra morta os artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que garantem, como direito fundamental, a demarcação de todas as nossas terras e a garantia de usufruto exclusivo para nossos povos. Esses artigos também estabelecem que as terras são inalienáveis, indisponíveis e que os nossos direitos sobre elas são imprescritíveis (Art. 231, Parágrafo 4 da CF).
O governo, através do Ministro da Justiça, editou a Portaria 80/2017 com a qual cria um grupo de trabalho para ajudá-lo a tomar as decisões que afetam nosso direito à terra. Essa portaria desrespeita as normas constitucionais porque transfere a um grupo de pessoas a opinião e decisão final sobre a demarcação de qualquer terra indígena, função que é do órgão indigenista oficial-Funai- e que segue regras estabelecidas pelo decreto 1775/1996 e pela Portaria 14/1996. A portaria desqualifica a Funai retira dela, de forma ilegítima, a responsabilidade de realizar estudos de identificação e delimitação das nossas terras. A portaria 80/2017 é ilegal porque foi editada sem nos consultarem e passando por cima de todas as normas jurídicas, inclusive as internacionais, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil.
Reclamamos o direito de sermos ouvidos, de sermos consultados e de sermos esclarecidos sobre os temas que nos dizem respeito, como está estabelecido na lei. Nos últimos tempos, temos recebido notícias de mudanças nos órgãos que nos prestam assistência, onde colocam e retiram pessoas sem nos ouvir, bem como apresentam propostas de alteração no modo como nossas terras serão demarcadas e reconhecidas, mudanças nas leis, e tudo isso afeta diretamente a nossa vida, mas acima de tudo, o fato é que nunca somos consultados.
Sentimos que querem nos destruir para entregarem as terras, mesmo as demarcadas, para setores da economia que promoverão a devastação das nossas matas, de nossos rios e de todos os recursos ambientais e minerais. Eles sabem que sem a terra não podemos viver, e quanto mais tempo demora um processo de demarcação, mais sofremos. Muitas famílias permanecem em acampamentos provisórios, nossas crianças estão crescendo embaixo de lonas, na beira de rodovias, e outras, que vivem em pequenas terras, não tem assistência adequada e só conhecem a precariedade. Se nossas terras não forem demarcadas, o projeto de morte, de genocídio imposto contra nossos Povos, desde antes de os juruá – brancos – chegarem e invadirem estas terras, será consumado.
Querem, mesmo na ilegalidade, estabelecer que as terras demarcadas ao longo de décadas passem por um processo de revisão e modificação de limites; pretendem anular os procedimentos de demarcações que estão sendo realizados; visam impedir que novas terras venham a ser demarcadas; querem impor na sistemática de demarcação critérios que inviabilizam o nosso direito, como é o caso do chamado “marco temporal da Constituição Federal de 1988”, onde, segundo esse argumento, nossos povos não teriam direito se não estavam vivendo sobre as terras reivindicadas na data de 05 de outubro de 1988.
Na prática, estão querendo dizer que os povos indígenas deixaram de existir a partir do ano de 1988, embora nossos povos habitem essas terras muito antes dos juruá chegarem. Aliás, outras Constituições feitas no Brasil reconheciam nosso direito à terra, antes do ano de 1988, por isso, para nós, esse marco não pode ser considerado para a definição de nosso direito.
Nós resistimos ao extermínio, enfrentamos as guerras de exércitos contra o nosso povo, e aqui queremos lembrar Sepé Tiaraju e todos os Guarani que com ele lutaram para mostrar que “esta terra tem dono”. Nós lutaremos com coragem, porque acreditamos que um dia haverá justiça. E vamos continuar acreditando, apesar das decisões do atual governo serem contrárias aos direitos de nossos Povos, numa evidente manifestação de que para este governo os indígenas são insignificantes.
Nós acreditamos na força de nosso povo. Nós homens, mulheres e crianças seguimos, caminhando e acreditando num futuro com justiça, com terra demarcada e liberdade. Confiamos em nossos Karaí e Kunhã-Karaí, nossos velhos que orientam e alimentam a nossa esperança. Vamos seguir, sempre, amparados pelos nossos costumes, crenças, tradições e pelos ensinamentos de nossos ancestrais. Nossa luta é por justiça e a justiça só pode acontecer quando todas as nossas terras forem respeitadas.
Conselho de Articulação do Povo Guarani-CAPG